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Os inimigos encurralam a biodiversidade mexicana

Pode-se perder os mangues da Reserva da Biosfera Marismas Nacionais, os mais importantes da costa do Pacífico mexicano, se for construída a hidrelétrica Las Cruces, afirmam ambientalistas e moradores da área. Foto: Cortesia do WWF
Pode-se perder os mangues da Reserva da Biosfera Marismas Nacionais, os mais importantes da costa do Pacífico mexicano, se for construída a hidrelétrica Las Cruces, afirmam ambientalistas e moradores da área. Foto: Cortesia do WWF

 

Cidade do México, México, 4/6/2014 – O projeto hidrelétrico Las Cruces, no Estado de Nayarit, representa uma ameaça para a riqueza natural da área onde será construída, segundo denúncias de ativistas que o citam como um dos casos em que a biodiversidade é encurralada no México.

“Há um impacto sobre a reserva Marismas Nacionais, porque a cortina (da represa) reterá 90% dos sedimentos que são necessários para que o ecossistema possa subsistir”, explicou Heidy Orozco, diretora-executiva da organização não governamental Nuiwari. Além disso, “seria alterado o regime hidrológico e a selva baixa seria inundada”, afirmou à IPS. Essa organização, integrante do Movimento Rio San Pedro Livre, se dedica desde 2006 ao cuidado da bacia do rio San Pedro, cenário da obra.

A Comissão Federal de Eletricidade pretende construir e operar a central, cerca de 65 quilômetros ao norte da cidade de Tepic, em Nayarit. Terá capacidade instalada de 240 megawatts e um dique de 188 metros de altura em uma superfície de 5.349 hectares. O estudo sobre o impacto ambiental da central admite que na área se perderia a agricultura de subsistência e a pecuária de pequena escala, que seriam substituídas pela atividade de pesca na represa.

A Reserva da Biosfera de Marismas Nacionais, o sistema de mangues mais extenso da costa mexicana no Oceano Pacífico, é o habitat de 20 mil aves aquáticas e abrigo de inverno para mais outras cem mil aves migratórias. A reserva faz parte da lista da Convenção Relativa aos Mangues de Importância Internacional, conhecida como Convenção de Ramsar.

Nas marismas foram registrados mais de 300 espécies de animais, das quais 60% em perigo de extinção, especialmente por superexploração e destruição do habitat, e 51 são endêmicas, segundo a Convenção, em vigor desde 1975. A atividade pesqueira que depende do ecossistema gera para as comunidades locais entre US$ 6,5 e US$ 13,5 bilhões ao ano, segundo dados oficiais. Além disso, a represa afetaria 14 sítios sagrados e centros cerimoniais dos povos originários náyeri ou cora, wixárica ou huicholes, tepehuanos e mexicaneros.

Precisamente, o cuidado com a biodiversidade e a divisão dos benefícios são o centro do uso e aproveitamento dos recursos naturais que se estabeleceram no Protocolo de Nagoya sobre Acesso aos Recursos Genéticos e Participação Justa e Equitativa nos Benefícios que Derivem de sua Utilização, assinado em 2010 na cidade japonesa de mesmo nome.

Esse acordo é complementar do Convênio sobre Diversidade Biológica, vigente desde 1993, e estipula que cada país parte adotará medidas para garantir o acesso aos conhecimentos tradicionais associados a recursos genéticos que estão de posse de comunidades indígenas e locais. Isso deverá ser feito “com o consentimento fundamentado prévio ou a aprovação e participação” desses grupos, e com o estabelecimento de condições mutuamente acordadas, afirma o documento.

Conforme as legislações nacionais, “as Partes considerarão as leis consuetudinárias, protocolos e procedimentos comunitários”, com relação aos conhecimentos tradicionais associados a recursos geneticamente, estabelece o Protocolo.

Pesro Álvarez-Icaza, coordenador geral de Corredores e Recursos Biológicos da Comissão Nacional para Uso e Reconhecimento da Biodiversidade (Conabio), alerta para as vicissitudes para cumprir essas disposições. “A grande dificuldade é como será feita a divisão. A quem será dada, à comunidade, ao informante, a um grupo? Tenho também medo de expectativas falsas, de pensarem que uma hidrelétrica pode gerar um medicamento e nisso se passarem dez anos”, declarou Álvarez-Icaza a IPS.

O especialista coloca que “o contexto legal não é necessariamente o mais atualizado. A chave é fortalecer a capacidade das comunidades locais e indígenas e conscientizar sobre os direitos da divisão justa de benefícios”. Álvarez-Icaza acrescentou que “a parte importante é a informação, para que, se um país quiser patentear um, precisa demonstrar que essa informação foi obtida com um acordo-benefício final e com consentimento prévio e informado”, acrescentou.

Com financiamento da Agência Alemã de Cooperação Técnica, a Conabio executa o projeto Governança da Biodiversidade, Participação Justa e Equitativa dos Benefícios que Derivarem do Uso e Manejo da Diversidade Biológica, para estabelecer um grupo de casos-piloto que sirvam de referência. Com orçamento de seis milhões de euros (US$ 8,2 milhões) a iniciativa durará até 2018.

“Enquanto não for reconhecida a autonomia dos povos indígenas e não se valorizar o conhecimento tradicional, é uma expressão de bons desejos. Não haverá divisão justa e equitativa”, disse à IPS a consultora independente Patricia Arendar.

O México é um dos 12 países mais megadiversos do mundo. O país identificou 2.692 espécies de peixes, 361 de anfíbios, 804 de répteis, 1.096 de aves, 535 de mamíferos, e mais de 25 mil plantas, segundo dados da Conabio. Esse órgão também indica que nesse país há oficialmente 127 espécies extintas, 475 em risco de extinção, 896 ameaçadas e 1.185 sujeitas a proteção especial.

O Programa Setorial de Meio Ambiente e Recursos Naturais 2013-2018 indica que quase 29% do território mexicano perdeu seus ecossistemas naturais e os 71% restantes os mantinha com diferentes graus de conservação.

O capital natural é um dos temas da segunda Cúpula Mundial da Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe International), que acontecerá entre 6 e 8 deste mês, na Cidade do México, com presença de aproximadamente 500 parlamentares de 80 nações.

Com financiamento do Fundo para o Meio Ambiente Mundial, o Ministério do Meio Ambiente encabeça a análise das opções para adequar o contexto legal ao Protocolo de Nagoya. As variantes são modificar a Lei Geral de Vida Silvestre de 2000 ou criar uma específica. Até agora 92 Estados assinaram este Protocolo, mas apenas 36 dos 50 necessários para que se converta em lei internacional o ratificaram. Na América Latina o fizeram apenas Honduras, México e Panamá.

“Com a falta de uma política de Estado para proteção da biodiversidade, fica muito difícil desenvolver estratégias em torno de Nagoya, por exemplo. Não é uma prioridade na política atual. Há mais áreas naturais terrestres e marinhas; maior conhecimento da biodiversidade, mas continuamos a perdê-la”, pontuou Arendar.

“Não se deve construir a hidrelétrica. É inaceitável de qualquer ponto de vista, não justifica os poucos benefícios diante dos terríveis impactos permanentes. Exigimos que o México cumpra os tratados internacionais ambientais e de direitos humanos, mas a experiência de outros casos nos indica que isso nem sempre acontece”, lamentou Orozco. Envolverde/IPS