Arquivo

Policiais espanhóis que protegem os “ilegais”

Juani Valdivia, José López e Santiago González no escritório da Equipe de Atenção ao Imigrante, da Guarda Civil em Mijas, Málaga. Foto: Inés Benítez/IPS
Juani Valdivia, José López e Santiago González no escritório da Equipe de Atenção ao Imigrante, da Guarda Civil em Mijas, Málaga. Foto: Inés Benítez/IPS

 

Málaga, Espanha, 11/12/2013 – São guardas civis, mas em lugar de perseguir os imigrantes ilegais como os demais policiais da Espanha, os defendem dos muitos crimes dos quais podem ser vítimas. “Muitas vezes vamos à paisana pela província para recolher denúncias em quartéis da Guarda Civil, domicílios, hospitais e organizações não governamentais”, contou à IPS o agente Santiago González, da Equipe de Atenção ao Imigrante (Edati), de Málaga.

Esta Edati, com três homens e uma mulher, começou em 2006 e é um dos 13 que funcionam desde 2000 ao longo do litoral mediterrâneo espanhol, desde a cidade de Barcelona, no nordeste, até Huelva, no sudoeste. Em todos deve haver ao menos uma integrante feminina, e a missão da equipe não é combater a imigração irregular, mas assessorar os “ilegais” sobre seus direitos, ajudá-los a tramitar a documentação de estada ou residência na Espanha e atuar contra os que os fraudam, maltratam ou exploram.

Ao contrário do que acontece com o restante da polícia, incluída a militar Guarda Civil da qual fazem parte, as Edati não prendem nem abrem expedientes de expulsão. Por isso, os imigrantes podem procurá-los sem medo para denunciar roubos, perda de passaporte, exploração trabalhista, fraude na venda de contratos falsos de trabalho, maus-tratos ou violações. Na verdade, as imigrantes sem documentação que denunciam violência de gênero não podem ser expulsas do país, após a reforma em 2011 da Lei sobre Direitos e Liberdades dos Imigrantes na Espanha.

“Os que mais têm são, muitas vezes, os que mais exploram”, destacou González. Um magnata russo, proprietário de uma luxuosa mansão na localidade malaguenha de Marbella, tinha a seu serviço cidadãos tibetanos sem documentos, os quais deixava reclusos, “sem dinheiro e sem comida”, durante suas longas temporadas fora da Espanha, contou à IPS a agente Juani Valdivia.

Em uma de suas recentes atuações, a unidade de Málaga desmantelou uma empresa ilegal criada por três mulheres que ofereciam trabalho doméstico pela internet para imigrantes ilegais, das quais cobravam comissão pela intermediação do serviço. Histórias como essas são frequentes. “Em Málaga trabalhamos, sobretudo, com imigrantes sul-americanos, em sua maior parte paraguaios, ou com senegaleses”, detalhou o agente José López.

Em todo o país as Edati atenderam 10.700 imigrantes em 2012, na maior parte homens do Magreb, de países do Leste europeu e sul-americanos, informa a página da Guarda Civil na internet. Houve 12 mil atuações, 11.200 por iniciativa dos agentes e as demais em razão de denúncias. Na Espanha, com 47 milhões de habitantes, viviam legalmente 5,4 milhões de estrangeiros em 2012, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas. O cruzamento de dados oficiais estabelece que 573.712 imigrantes estão domiciliados nos municípios, mas sem permissão para viver no país. A eles se somam sem documentos que não se domiciliam.

Segundo o Ministério do Interior, no ano passado foram interceptadas as chegadas, em precárias embarcações, de 3.804 imigrantes, 30% menos do que em 2011 e menos de 10% dos 39.180 que chegaram em 2006. Também no ano passado, segundo o Ministério, foram deportadas 26.457 pessoas sem documentos, 16,3% menos do que no ano anterior. Os menores de 18 anos não podem ser expulsos.

A última contraposição às Edati é a decisão do governo do primeiro-ministro direitista, Mariano Rajoy, de colocar arame farpado, que começou a ser instalado no final de outubro, na vala que separa a cidade espanhola de Melilla, no norte da África, do Marrocos, criticadas pela União Europeia e por organizações humanitárias.

“Há advogados e empresários que se surpreendem com o fato de, sendo guardas civis, não determos os sem documentos. No começo foi difícil, até mesmo dentro do próprio organismo”, explicou González em seu escritório na localidade costeira de Mijas. “Também falta os imigrantes nos conhecerem mais e confiarem em nós”, acrescentou.

O medo da expulsão freia as denúncias, embora sejam abundantes o trabalho em condições muito precárias, as falsas promessas de contrato de trabalho e regularização, falsos advogados e assessores que pedem grandes quantias de dinheiro para tramitar uma documentação que às vezes não tem custo, ou que vendem contratos falsos de emprego.

“Os crimes são cometidos pelos outros contra eles”, apontou Rafael Porta, também membro da Edati de Málaga, durante algumas jornadas sobre imigração realizadas dia 26 de outubro. “Quando se trabalha com imigrantes perde-se o perfil policial, se é mais ONG”, acrscentou Porta, que estuda árabe para se comunicar melhor com as pessoas que deve proteger. Hana El Rharnati, de 28 anos e técnica na Associação Marroquina para a Integração de Imigrantes de Málaga, sofreu o medo da deportação. Procurou a Edati quando estava em situação irregular, após lhe ter sido negada a renovação de sua permissão estudantil de residência e de ter a carteira roubada em um ônibus.

“Eles fizeram a denúncia por mim”, afirmou Rharnati, que vive na Espanha desde os 18 anos. Ela vê nesses policiais “uma mistura de agente social e guarda civil com um trato humano, não tão administrativo e burocrático”. Mas os crimes contra os imigrantes ilegais não diminuíram enquanto se mantêm “muito duras” as exigências para residir e trabalhar na Espanha, acrescentou.

Os estrangeiros que querem legalizar sua situação devem comprovar a permanência continuada no país durante um mínimo de três anos, demonstrar que não têm antecedente criminal e contar com contrato de trabalho de pelo menos um ano, assinado pelo empregador. Sem tantas exigências, “os imigrantes não seriam forçados a realizar casamentos falsos, comprar comprovante de domicílio ou contratos de trabalho”, opinou Rharnati.

É contraditório que o Estado imponha rígidas exigências para conseguir a residência ou renová-la, enquanto destina agentes para apurar fraudes contra eles, acrescentou a jovem marroquina. A multa mínima por empregar um imigrante sem documentos é de dez mil euros (US$ 13 mil), mas “multar não é a solução porque certamente alguém substituirá o infrator e continuará fraudando”, pontuou.

O especialista em imigração Miguel Pajares reconheceu à IPS o valor das Edati e de vários protocolos de boas práticas para as forças de segurança. Porém, “há muito por fazer diante da primazia da Lei de Estrangeiros sobre a proteção de direitos fundamentais das pessoas”. Envolverde/IPS