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Preocupa o papel das corporações na COP 19

Acredita-se que geleiras altas como esta, nas montanhas Tian Shan do Cazaquistão, estejam a salvo do aquecimento global. Mas o debate sobre a redução de emissões contaminantes parece esquecido na COP 19, diante das propostas de recorrer ao setor privado para obter empréstimos para a adaptação à mudança climática. Foto: Christopher Pala/IPS
Acredita-se que geleiras altas como esta, nas montanhas Tian Shan do Cazaquistão, estejam a salvo do aquecimento global. Mas o debate sobre a redução de emissões contaminantes parece esquecido na COP 19, diante das propostas de recorrer ao setor privado para obter empréstimos para a adaptação à mudança climática. Foto: Christopher Pala/IPS

 

Varsóvia, Polônia, 18/11/2013 – Negociadores do Sul em desenvolvimento na conferência internacional sobre mudança climática, que acontece na capital polonesa, veem com bons olhos a ênfase em financiar os esforços de adaptação, mas rechaçam o novo papel que está sendo dado ao setor privado. Na 19ª Conferência das Partes (COP 19) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontece até o dia 22 em Varsóvia, parece estar perdendo força o discurso a favor de acordos “justos, ambiciosos e vinculantes” para reduzir as emissões de gases-estufa que causam o aquecimento global.

Por outro lado, proliferam as propostas de recorrer ao setor privado em busca de empréstimo e investimento para apoiar a adaptação à mudança climática no que se chama de “COP Corporativa”. Tosi Mpamu-Mpamu, negociador da República Democrática do Congo e ex-presidente do grupo de negociadores africanos, vê uma mudança alarmante na maneira de financiar a resposta ao aquecimento global.

Na Conferência de 2009, em Copenhague, os Estados industrializados se comprometeram a entregar US$ 30 bilhões de nova ajuda para as finanças climáticas para o mundo em desenvolvimento entre 2010 e 2012, e mais US$ 100 bilhões até 2020. “Agora, os países ricos estão cedendo ao setor privado sua responsabilidade de conceder financiamento, tendência perigosa para essas negociações”, advertiu Mpamu-Mpamu.

Outros delegados compartilham as preocupações de Mpamu-Mpamu sobre o papel transnacional que estão assumindo as corporações na Conferência. “Em uma reunião de três dias anteriores a esta COP, as empresas passaram dois dias explicando como poderiam ganhar dinheiro a partir da mudança climática”, contou René Orellana, presidente da delegação da Bolívia.

Pascoe Sabido, do Observatório Corporativo Europeu, observou que as empresas que ganham destaque na COP também são as maiores emissoras de carbono. Criticou a Organização das Nações Unidas (ONU) por aceitar que a Conferência seja patrocinada por importantes contaminadores, como o gigante siderúrgico ArcelorMittal e o Grupo Polonês de Energia, argumentando que essas empresas estão influenciando as negociações.

“Você não pediria à Marlboro para patrocinar uma cúpula sobre câncer de pulmão, então, por que isso é aceitável para a Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática?”, questionou Sabido. Rachel Tansey, pesquisadora da organização não governamental Environment and Economic Justice, com sede na Malásia, afirmou que as grandes empresas querem que os fundos públicos contra a mudança climática sejam destinados a projetos dos quais elas possam tirar proveito econômico. E os governos dos países industrializados estão ouvindo essas firmas.

O gigante do transporte e da energia “Alston exerce pressão para que seja usado o chamado carvão ‘limpo’, controvertida tecnologia que lhe permite continuar lucrando com a queima de combustíveis fósseis, como a captura e o armazenamento de carbono, e também pressiona a favor de mais energia nuclear”, apontou Tansey.

Entranto, o presidente da COP 19, Marcin Kolorec, afirmou que não há nada de errado em convidar o setor privado para participar de reuniões paralelas na Conferência. E acrescentou que às indústrias foi dada a possibilidade de participarem do encontro do mesmo modo que as organizações não governamentais, e que esses diálogos são uma característica das conversações desde que começaram as COP.

Kolorec disse aos jornalistas que “temos que ser transparentes e inclusivos”, acrescentando que as conversações eram a prévia para conseguir um possível acordo mundial em 2015, em Paris. E ressaltou não há possibilidades de a indústria influir sobre as decisões da COP porque não é parte das negociações formais.

Emmanuel Dlamini, da Suazilândia e presidente do grupo de negociadores africanos, disse que, apesar de alguns riscos, somar o empresariado não é uma ideia tão má. “Para que os Estados industrializados entrem com dinheiro, precisam mobilizar o setor empresarial”, explicou à IPS. Dlamini concorda com o presidente da COP 19 destacando que o empresariado não participa das negociações reais. “Mas existe o perigo de o setor privado influenciar nas decisões mediante propostas que vendam aos seus governos e que possam ser apresentadas nas negociações da Conferência”, ressaltou.

Para Dlamini, o principal desafio é definir claramente as finanças climáticas. Desde a conferência de Copenhague, muita ajuda aos países em desenvolvimento é classificada como assistência climática. “Há dinheiro fluindo, mas até que ponto se trata de finanças climáticas?”, perguntou.

Meena Raman, da Rede do Terceiro Mundo, disse que completar a criação do Fundo Verde será útil porque beneficiará diretamente os países pobres. Atualmente, tem sua sede na Coreia do Sul e conta com financiamento operacional de apenas US$ 7 milhões, mas no momento não tem um centavo para projetos. “É para esse fundo que os países em desenvolvimento dizem que deveriam ir os US$ 100 bilhões, assunto ainda em discussão”, ressaltou. Envolverde/IPS