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Preocupa que tensão entre Rússia e Estados Unidos afete negociação nuclear

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em grande confrontação com Washington. Foto: Imaginary Museum Projects: News Tableaus/cc by 2.0
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em grande confrontação com Washington. Foto: Imaginary Museum Projects: News Tableaus/cc by 2.0

 

Nações Unidas, 12/8/2013 – O asilo temporário outorgado pela Rússia a Edward Snowden, o ex-contratado de inteligência que revelou segredos dos Estados Unidos, coloca em risco as relações entre dois dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), com consequências negativas em conversações mundiais cruciais. Entre elas, menciona-se especialmente o impacto sobre assuntos sensíveis como a guerra civil na Síria, o programa nuclear do Irã e a célebre redução dos arsenais atômicos.

Na verdade, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, decidiu, no dia 6, adiar a reunião prevista para o começo de setembro em Moscou com seu colega russo, Vladimir Putin. A Rússia, além da China, já vetaram quatro resoluções do Conselho de Segurança da ONU, propostas pelos Estados Unidos e por outros países ocidentais, contra o regime sírio de Bashar al Assad. Assim, as possibilidades de impor mais sanções contra Damasco agora parecem mais remotas do que antes.

“As tensas relações entre Washington e Moscou diminuirão a já reduzida ação do Conselho de Segurança”, alertou um diplomata asiático que pediu para não ser identificado. Além disso, a conferência de Genebra sobre a Síria parece ser outra vítima desta situação. Esta tensão também coincide com a realização da primeira reunião de alto nível da Assembleia Geral da ONU sobre desarmamento nuclear, prevista para 26 de setembro.

Em discurso pronunciado em junho na Porta de Brandeburgo, em Berlim, na Alemanha, Obama pediu uma redução drástica das armas atômicas, o que faria parte da agenda para a cúpula nuclear de 2016. Tilman A. Ruff, um dos presidentes do International Steering Group e membro da junta australiana da Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares, disse à IPS que a questão entre as duas máximas potências mundiais sobre o asilo a Snowden poderia ser usado por Washington como pretexto para não avançar em questões de desarmamento.

“Por isso, os 184 Estados membros da ONU que não possuem armas nucleares deveriam deixar de ser reféns dos nove que as possuem”, afirmou Ruff, também professor associado do Instituto Nossal para Saúde Global, da Universidade de Melbourne, na Austrália. “Deveriam assumir o comando e começar as negociações para conseguir um tratado que as proíba, dessa forma preparando o caminho para sua erradicação”, ressaltou.

Além de China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia, que são os membros permanentes do Conselho de Segurança com poder de veto, também possuem armas nucleares Índia, Israel, Paquistão e, possivelmente, Coreia do Norte. No entanto, Rebecca Johnson, diretora-executiva do Acronym Institute for Disarmament Diplomacy, não é tão pessimista. “Não será um regresso à Guerra Fria. Os Estados Unidos e a Rússia têm em jogo muitos interesses em comum para jogá-los abismo abaixo pelo asilo que Moscou concedeu a Snowden”, afirmou.

Putin encarcerou, por 11 anos, o analista nuclear Igor Sutyagin e está tão interessado quanto os Estados Unidos em evitar a exposição de práticas e erros de segurança e inteligência. “Embora os dois países mantenham uma disputa pública por Snowden, seus principais interesses bilaterais serão manter certo tipo de relação capaz de reduzir seus arsenais”, opinou Rebecca.

Cada vez mais governos se mostram preocupados com as consequências humanitárias das armas nucleares, e as duas potências desejarão dar uma forte demonstração de solidariedade entre os membros do Conselho de Segurança na reunião de alto nível da ONU, com a esperança de conter os pedidos para proibir este tipo e armamento. Ruff disse à IPS que as armas nucleares representam um perigo mortal sem igual para qualquer pessoa, sem importar seu lugar de residência. Com 16.200 armas nucleares, cerca de 94% das 17.270 que há no mundo, Estados Unidos e Rússia têm a responsabilidade de eliminar esta ameaça existencial.

“Contudo, ambos desenvolvem novas armas nucleares e juntos gastam mais de US$ 75 bilhões por ano para modernizar seus arsenais, um claro sinal de que pretendem mantê-las de forma indefinida”, pontuou Ruff, que também é assessor médico da Cruz Vermelha da Austrália. Erradicar armamento atômico é a prioridade global mais urgente e não deve ser deixada de lado por outros assuntos, destacou. Envolverde/IPS