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Produtores africanos sozinhos contra os vírus agrícolas

Agricultores mostram tubérculos de mandioca enfermos em Soroti, Uganda. Foto: Wambi Michael/IPS

 

Kampala, Uganda, 15/2/2013 – O sustento de milhões de pessoas estará em risco se não forem dados aos produtores africanos de pequena escala as ferramentas e o conhecimento para enfrentar o surgimento de vírus que atacam as plantas, segundo o diretor-geral do Instituto Internacional de Agricultura Tropical, Nteranya Sanginga. Os agricultores de pequenas áreas constituem a maioria dos que cultivam alimentos neste continente.

“Os vírus das plantas se propagam rapidamente para novos lugares, frustrando os esforços em favor da segurança alimentar e dos meios de vida de milhões de pessoas. Os agricultores pobres, que são a maioria da população, carregam a parte mais pesada dessas enfermidades virais, com seus recursos limitados”, destacou Sanginga à IPS.

A doença do mosaico e a do estriado marrom da mandioca, a do vírus da batata-doce e a do raiado do milho são apenas algumas das que prevaleceram na África no passado recente. Uma planta infectada pela doença do mosaico da mandioca apresentará folhas disformes esbranquiçadas ou amarelas, e terá seu crescimento atrofiado.

Já os sintomas de uma planta infectada com o estriado marrom da mandioca são menos óbvios, pois apenas pequenos setores amarelos nas folhas indicam a presença da enfermidade. A maioria dos agricultores só pode identificar esse mal uma vez colhida a planta, já que distorce a raiz e faz com que apodreça.

Identificado pela primeira vez em 2004 no distrito ugandense de Mukono, o estriado marrom da mandioca se propagou desde então pela região dos Grandes Lagos, na África oriental, causando entre 30% e 70% de perdas nas colheitas desse cultivo. A mandioca é um dos principais alimentos em Uganda, onde a produção anual é estimada em 5,5 milhões de toneladas.

Segundo o Instituto Internacional de Agricultura Tropical, a doença do estriado marrom da mandioca ameaça a segurança alimentar e o sustento de aproximadamente 200 milhões de pessoas na África oriental e central. Combinados, esse mal e o do mosaico deixam prejuízos superiores a US$ 1 bilhão na produção de mandioca, afetando particularmente os pequenos produtores.

Chris Omongo, produtor de mandioca integrante do Instituto Nacional de Pesquisa sobre Recursos Agrícolas em Uganda, disse à IPS que algumas práticas ajudam a propagar o vírus. “Quando se leva material infectado de um lugar para outro automaticamente se ajuda a propagar o vírus”, advertiu Omongo, lembrando que a maioria dos agricultores compartilha sementes e mudas infectadas sem ter consciência disso.

Um deles é Bulasio Luyiga, pequeno produtor de mandioca do distrito ugandense de Mukono. “Via-se um cultivo muito são, mas ao colher, cada tubérculo estava podre”, contou à IPS. Em geral, a doença do estriado marrom da mandioca ataca a raiz, embora as folhas da planta também possam ser afetadas.

Luyiga disse que perdeu mais de 70% do cultivo por culpa do vírus. “Foi uma perda total, porque comprei material que considerava limpo e pronto para plantar, e depois descobri que era suscetível a esta enfermidade. Se soubesse antes, não teria plantado”, afirmou.

Segundo Omongo, se receberem o conhecimento necessário, os pequenos agricultores poderão impedir que os vírus que afetam as plantas se propaguem. “Uma vez que os produtores saibam como identificar as enfermidades, as evitarão. Também são muito pobres para pagar as variedades melhoradas de plantas resistentes às doenças. O ponto central é conscientizar para impedir a propagação”, ressaltou.

Outro fator que deve ser abordado no combate ao avanço das doenças vegetais é o dos recursos. Luyiga e outros produtores raramente têm acesso a serviços de assessoria e extensão que possam proporcionar o conhecimento necessário para identificar e tratar os vírus. Esses serviços são limitados na maioria dos países da África oriental, e quando existem são de má qualidade.

William Otim-Nape, patologista de plantas ugandense que integra o Instituto de Inovação da África, disse à IPS que as enfermidades virais continuam causando grandes perdas econômicas na região. “Essas perdas são amplamente subestimadas e frequentemente ignoradas, ou se passa por alto em relação a elas”, afirmou. O economista Victor Manyong, do Instituto Internacional de Agricultura Tropical, estima que anualmente o estriado marrom da mandioca responde por perdas equivalentes a US$ 175 milhões na África oriental.

Otim-Nape acrescentou que a quantidade de especialistas em vírus vegetais capacitados na África é muito pequena para dar uma resposta adequada aos muitos vírus das plantas. Sanginga concorda: “Há uma necessidade urgente de enfrentar as enfermidades virais que afetam os cultivos básicos como mandioca, banana e milho, utilizando os avanços científicos. Necessitamos que a ciência solucione estes problemas”.

“Temos que fazer mais pelos agricultores que conheci em Mukono, que perderam toda a plantação de mandioca devido ao estriado marrom e ao mosaico”, enfatizou Sanginga. Quênia, Tanzânia e Uganda também precisam de ajuda para enfrentar a ameaça da necrose letal do milho, acrescentou.

A África oriental experimentou um foco da doença do mosaico nos anos 1990 e os pequenos agricultores viram como a doença devastava suas plantações de mandioca, o que obrigou milhares a abandonarem o cultivo. A doença se espalhou para vários países africanos, como Ruanda, República Democrática do Congo, Burundi e Gabão, até que pesquisadores encontraram uma variedade de mandioca resistente à enfermidade. A divulgação da nova variedade restabeleceu o cultivo.

Entretanto, a destinação orçamentária, atualmente baixa, para a pesquisa agrícola na maioria dos países deste continente limita os investimentos no estudo das doenças virais que afetam as plantas, segundo Mercy Karanja, assessora regional da Fundação Bill e Melinda Gates para a África oriental. “Temos grandes problemas na agricultura. Por isso precisamos investir dinheiro para pesquisar. E mesmo quando ficam prontos os resultados das pesquisas, é necessário dinheiro para garantir que cheguem aos agricultores”, ressaltou Karanja à IPS. Envolverde/IPS