Ambiente

Projetos do Banco Mundial desalojaram 3,4 milhões de pessoas

Quase metade dos 3,4 milhões de pessoas afetadas física ou economicamente por projetos financiados pelo Banco Mundial na última década eram da África e da Ásia. Foto: Abdurrahman Warsameh/IPS
Quase metade dos 3,4 milhões de pessoas afetadas física ou economicamente por projetos financiados pelo Banco Mundial na última década eram da África e da Ásia. Foto: Abdurrahman Warsameh/IPS

 

Nações Unidas, 24/4/2015 – Entre 2003 e 2013, projetos financiados pelo Banco Mundial desalojaram de suas casas, afastaram de suas terras ou deslocaram de outras formas, 3,4 milhões de pessoas, revelou o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (Icij), no dia 16. Mais de 50 jornalistas de 21 países trabalharam por quase 12 meses para analisar sistematicamente o cumprimento pelo Banco de sua promessa de proteger as populações locais das consequências negativas de seus próprios projetos.

Jornalistas de Gana, Guatemala, Quênia, Sérvia e Sudão do Sul, entre outros, analisaram milhares de páginas de registros do Banco Mundial, entrevistaram dezenas de pessoas, entre elas ex-funcionários da instituição, e documentaram meticulosamente mais de dez anos de falhas em suas práticas, que deixaram agricultores pobres, residentes de favelas, comunidades indígenas e pescadores indigentes sem emprego, sem teto e sem terra.

Em vários casos, os jornalistas do Icij encontraram populações inteiras que viviam onde seria instalado um projeto financiado pelo Banco Mundial, que foram tiradas à força de suas casas, com uso da violência ou intimidação. Esses fatos violam os Objetivos Gêmeos do Banco Mundial, com sede em Washington, adotados há décadas.

Essas metas estavam destinadas a acabar com a “pobreza extrema mediante a redução da proporção de pessoas que vivem com menos de US$ 1,25 por dia a menos de 3% da população mundial até 2030”, e ao mesmo tempo “promover a prosperidade compartilhada mediante a melhoria dos níveis de vida dos 40% mais pobres da população de cada país”.

O Banco Mundial se comprometeu a cumprir esses objetivos por vias “que de forma sustentável assegurem o futuro do planeta e de seus recursos, promovam a inclusão social e limitem as cargas econômicas que as futuras gerações herdarão”.

Longe de encontrar formas sustentáveis de acabar com a enorme disparidade da riqueza existente no mundo, entre 2009 e 2013, os “prestamistas do Grupo do Banco Mundial injetaram US$ 50 bilhões em projetos qualificados com o maior risco de gerar impactos sociais ou ambientais ‘irreversíveis ou sem precedentes’, mais que o dobro do que no quinquênio anterior”, afirma a investigação do Icij.

“O Banco Mundial e sua agência encarregada dos empréstimos ao setor privado, a Corporação Financeira Internacional (IFC), financiaram governos e empresas acusadas de violarem os direitos humanos, como violações, assassinatos e torturas. Em alguns casos, os prestamistas continuaram esses financiamentos mesmo depois de vir à luz a evidência de seus abusos”, acrescenta a investigação.

Quase 50% dos 3,4 milhões de pessoas deslocadas física ou economicamente por projetos de grande escala – supostamente dirigidos a melhorar o fornecimento de água e eletricidade ou a reforçar as redes de transporte ou energia em seus países – vivem na África ou em três países asiáticos, China, Índia e Vietnã.

Entre 2004 e 2013, o Banco Mundial e a IFC prometeram US$ 455 bilhões para a realização de 7.200 projetos no Sul em desenvolvimento. Nesse período, numerosas populações afetadas em todo o mundo denunciaram que tanto quem emprestou como quem recebeu os empréstimos estavam violando suas próprias garantias.

Na Etiópia, por exemplo, a equipe do Icij concluiu que funcionários do governo desviaram milhões de dólares dos US$ 2 bilhões que o Banco Mundial deu para uma iniciativa de saúde e educação, e usaram o dinheiro para financiar uma campanha com a finalidade de desalojar pela força dois milhões de pessoas pobres de suas terras. Os projetos financiados pelo Banco Mundial deslocaram mais de 95 mil pessoas nesse país africano.

Um informe divulgado no começo deste mês pela organização humanitária Oxfam afirma que a IFC “exerce escassa responsabilidade sobre os milhares de milhões de dólares em investimentos realizados em bancos, fundos de cobertura e outros intermediários financeiros, o que dá lugar a projetos que provocam abusos contra os direitos humanos em todo o mundo”.

Entre 2009 e 2013, a Oxfam apurou que a IFC investiu US$ 36 bilhões nos intermediários financeiros, 50% mais do que a quantia que gastou em saúde e três vezes mais a que o Banco Mundial destinou à educação nesse período.

O novo modelo, pelo qual se injeta dinheiro em uma carteira de investimentos de intermediários financeiros, representa 62% dos investimentos da IFC, mas a “dolorosa verdade é que a IFC não sabe aonde vai parar grande parte de seu dinheiro, e nem mesmo se está ajudando ou prejudicando”, denunciou Nicolas Mombrial, chefe do escritório da Oxfam em Washington, em um comunicado.

Os investimentos que o Banco classifica como intermediários de “alto risco” provocaram conflitos e dificuldades para milhares de pessoas afetadas por plantações de palma, cana-de-açúcar e seringueira em Honduras, Laos e Camboja, uma represa na Guatemala, uma central de energia na Índia, e uma mina no Vietnã, segundo um estudo da Oxfam.

Em resposta às críticas generalizadas sobre essas falhas, o Banco Mundial está em processo de modificação da sua política de garantias, mas seus próprios funcionários asseguram que, em lugar de reforçar a segurança das populações vulneráveis a nova política só aumentará o risco de seu deslocamento.

O “último rascunho da nova política, divulgado em julho de 2014, daria aos governos mais espaços para driblar as normas do Banco e tomar decisões quanto a populações locais necessitarem de proteção”, diz a investigação do Icij com base em declarações de funcionários e ex-empregados do Banco Mundial.

“Os resultados do Icij refletem o que disse a Oxfam durante muito tempo, que o Grupo do Banco Mundial e, em particular a IFC, em ocasiões falham com as pessoas que pretendem beneficiar: os mais pobres e marginalizados”, disse à IPS a integrante dessa organização humanitária, Kate Geary. “Não apenas a Oxfam e o Icij que dizem isto. Essas conclusões inquietantes têm o apoio das próprias auditorias internas do Banco, que constataram, assombrosamente, que o Banco Mundial simplesmente perdeu o rastro das pessoas que deveriam “reassentar devido aos seus projetos”, acrescentou.

“O próprio presidente” do Banco Mundial, Jim Yonk “Kim reconheceu isso como um fracasso, e tem razão. A situação é simplesmente insustentável e inadmissível. Já basta”, ressaltou Geary. O Banco deve oferecer reparação mediante subvenções às pessoas que deslocou, promulgar reformas urgentes e fundamentais para garantir que essas tragédias não se repitam e revisar seu Plano de Ação para o Reassentamento, publicado no mês passado por Kim em resposta às auditorias críticas”, acrescentou. Envolverde/IPS