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Resolução contra armas, “forte, mas não à prova de balas”

Bruxelas, Bélgica, 20/6/2012 – O Parlamento Europeu emitiu um forte sinal ao divulgar sua ambiciosa e integral resolução para acabar com o comércio ilegal de armas. Analistas lamentam, porém, que a mesma ignore vários fatores cruciais, como o impacto do comércio de armas no desenvolvimento socioeconômico dos países receptores e a participação da sociedade civil nas futuras negociações.

Os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) se reunirão em Nova York no mês que vem para negociar o primeiro tratado vinculante de armas, um documento inovador em matéria humanitária que se propõe a regular o comércio internacional de armas convencionais. Atualmente, não existe um conjunto de normas universais para controlá-lo. O mercado mal regulado aviva os conflitos armados e causa um desnecessário sofrimento humano.

Para atender o problema, os ganhadores do Nobel da Paz, Dalai Lama, Betty Williams, Elie Wiesel e José Ramos-Horta levam adiante uma ativa campanha por um acordo vinculante global desde 1997, com apoio de organizações não governamentais. Segundo a organização Armas Sob Controle, um milhão de armas, dos oito milhões produzidos ao ano, se perdem ou são roubadas. Cerca de 747 mil pessoas são assassinadas em episódios armados violentos por ano e dez vezes essa quantidade ficam feridas.

O Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri) divulgou em março um informe mostrando que as entregas de armas convencionais aos países da África aumentaram 110%, em média, nos últimos dez anos. Os envios para os Estados da África subsaariana cresceram 20%, enquanto para os do norte da África subiram 273%. O Parlamento Europeu votou no dia 12 a resolução, que a União Europeia (UE) levará para a próxima conferência da ONU. O texto destaca a grande responsabilidade da Europa no comércio global de armas, pois os países do bloco são responsáveis por 30% de todas as exportações e estão entre os principais fabricantes.

O pronunciamento também destaca que o novo tratado da ONU cobre “o maior espectro possível de armas convencionais, incluídas as pequenas e leves, e todas as atividades e aspectos do comércio”, segundo o Parlamento. Os legisladores pediram a criação de uma unidade de apoio às Nações Unidas para supervisionar e informar a respeito dos intercâmbios globais de armas, bem como rastrear as possíveis brechas do tratado.

O Parlamento Europeu também quer que o tratado inclua fortes disposições para que os Estados informem sobre as decisões de transferência de armas pequenas e façam um registro de 20 anos. Também serão necessários rigorosos mecanismos de transparência e contra a corrupção, pois, segundo as últimas estimativas, o comércio de armas é responsável por quase 40% deste tipo de irregularidade no comércio mundial.

Algumas disposições fundamentais deslizaram entre as gretas da ambiciosa proposta, segundo os especialistas. “Embora esta resolução seja um primeiro passo forte, nos decepciona não ressaltar a necessidade de não afetar o desenvolvimento socioeconômico dos países beneficiários”, destacou Nicolas Vercken, encarregado em Paris do controle de transferência de armas da organização não governamental Oxfam.

Wim Zwijnenburg, responsável de desarmamento da IKV-Pax Christi, em Amsterdã, acrescentou que atualmente a UE proíbe “a exportação de armas para os Estados onde o desenvolvimento socioeconômico seja baixo e o gasto do governo alto. Este critério desapareceu da nova resolução”. Os países que são contra o artigo, em geral grandes exportadores de armas ou com regimes repressivos, afirmam que proibir a exportação para países economicamente menos desenvolvidos é uma política “neocolonial”, afirmou.

Zwijnenburg considerou que se trata de um argumento que esconde o desejo de continuar vendendo ou comprando armas praticamente a qualquer custo. “Países exportadores como Brasil, Argentina, Canadá, Rússia, China e Índia estão contra porque querem proteger seu comércio de armas. Nações receptoras como Zimbábue, Síria e Egito se opõem por sua constante necessidade de novas armas. Já a maioria dos Estados subsaarianos está a favor do critério”, detalhou.

Outro aspecto problemático da resolução é que não menciona a participação da sociedade civil nas negociações comerciais de armas. “Quando dois Estados discutem um acordo comercial, países como Estados Unidos e Grã-Bretanha têm grande capacidade para enviar uma equipe de dez pessoas às conversações, incluindo assessores legais e econômicos”, observou o especialista.

“A maioria dos Estados africanos não tem essa capacidade. Por isso é importante incluir a sociedade civil nas negociações e apoiar os Estados mais pobres, que são, de fato, a maioria das nações em desenvolvimento com conflitos”, apontou Zwijnenburg. “A nova resolução não menciona nada disso. considerando que foram as ONGs que começaram um processo com vistas a um tratado, seria uma lástima nos excluírem”, ressaltou.

Os especialistas têm um médio otimismo sobre a resolução europeia e as próximas conversações da ONU. “Há dez anos ninguém se atreveria a sonhar que pudéssemos chegar tão longe, que todos os países participariam e se encaminhariam para alcançar um acordo internacional”, enfatizou Vercken. “No entanto, sabemos que algumas nações só querem um tratado fraco e disfuncional”, reconheceu. “Será difícil. E se parecer que nos encaminhamos para um tratado débil recordaremos aos Estados negociadores que é melhor não ter nada que é, pois só fará legitimar os atuais esforços para regular o mercado de armas”, concluiu. Envolverde/IPS