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Sri Lanka recorre e métodos ancestrais contra a mudança climática

No Sri Lanka se redescobre antigas reservas para usá-las no combate à mudança climática. Foto: Amantha Perera/IPS
No Sri Lanka se redescobre antigas reservas para usá-las no combate à mudança climática. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Colombo, Sri Lanka, 13/8/2013 – A vida pode ser dura para uma viúva com filhos pequenos nas zonas agrárias pobres do Sri Lanka. As famílias de áreas afastadas como Anuradhapura, na Província Norte-Central, a duras penas ganham a vida cultivando arroz ou verduras, limpando ao mesmo tempo a vegetação de uma mata, procedimento conhecido como jena. Se matam realizando as duas tarefas sob o Sol abrasador, mas trabalhar na jena pode colocar à prova a resistência física, inclusive de quem está em melhor forma.

Quando morreu o marido de Seelawathie, há alguns anos, ela não teve outra opção a não ser se dedicar a esta modalidade agrícola, se quisesse alimentar seus cinco filhos e a si mesma. Rapidamente se deu conta de que não estava à altura da tarefa. Então, seu pai lhe deu quatro terrenos para plantar arroz de forma tradicional. O problema do arroz é que exige grandes quantidades de água para se obter uma boa colheita, enquanto os cultivos mediante a jena podem sobreviver a secas prolongadas.

Felizmente para Seelawathie, uma antiga reserva de água perto de sua aldeia de Kandawe, na Província Norte-Central, demonstrou ser útil. Seu marido cultivava pelo processo jena, assim a água da reserva pouco importava. Porém, quando Seelawathie começou a trabalhar nas terras de arroz, a água irrigada desde a reserva se tornou crucial. Essas reservas foram cavadas e criadas por antigos reis cingaleses. A maioria foi feita apenas para fornecer água para as aldeias que as rodeavam, embora também existam várias grandes.

Tiveram um papel vital na economia agrária antes que esta fosse alterada pela introdução de cultivos comerciais por parte dos primeiros colonizadores europeus, a partir de 1500. Originalmente, os aldeões usavam as reservas para armazenar água da chuva, a fim de usá-la durante a temporada seca para os cultivos, especialmente o arroz. “Foi um presente de Deus para mim”, contou Seelawathie. O tanque de água permitiu que ela continuasse cultivando arroz porque estava disponível o ano todo.

Milhares dessas reservas centenárias estão espalhadas pelas áreas secas mas ricas em agricultura no país, principalmente nas províncias Norte, Norte-Central, Nordeste, Oriental e Sul. Pesquisadores dizem que atualmente elas podem ser ferramentas efetivas contra os variáveis padrões de chuvas causados pela mudança climática. Uma pesquisa do Instituto Internacional de Manejo da Água (IWMI), com sede em Colombo, Sir Lanka, concluiu que estas reservas podem ser usadas não só para guardar água para a temporada seca, mas também para desviar o excedente durante as inundações.

Nishadi Eriyagama, engenheira de recursos hídricos no IWMI que trabalha nas reservas, disse à IPS que estes tanques, se forem mantidos adequadamente, podem se converter na principal fonte de água para aldeões como Seelawathie, ao mesmo tempo em que protege os cultivos, suas propriedades e suas vidas em casos de inundações. Nos últimos anos, inundações e secas devastaram por igual os cultivos de arroz do Sri Lanka. No começo de 2011 a maior parte da colheita foi perdida por culpa das inundações. No ano passado, uma seca de dez meses reduziu entre 6% e 10% a colheita.

Não são apenas as perdas nacionais de colheita que crescem. A maioria das vítimas das inundações e das secas procede da zona seca açoitada pela pobreza, e duramente ganham a vida com a agricultura. Uma colheita perdida pode ser um golpe importante; duas perdidas em pouco tempo podem ser uma catástrofe. O rastro de indigência deixado pelos eventos meteorológicos extremos foi prolongado nos últimos dois anos.

A Cruz Vermelha do Sri Lanka estima que 1,3 milhão de pessoas foram afetadas pela seca. Em janeiro deste ano, o governo e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) realizaram um levantamento em dez dos 18 distritos afetados por seca e inundação. Dos 557 mil entrevistados, 75% sofriam severa insegurança alimentar ou estavam à beira dela. Mais de 172 mil pessoas, ou 31% do total a sofriam em grau severo. E aproximadamente três quartos dos afetados pelas inundações disseram que foram gravemente afetados pela seca. Até voltar a chover.

“Uma avaliação dos impactos registrados em razão dos desastres naturais durante os últimos oito anos indica uma tendência de maior frequência dos eventos”, afirmou a Organização das Nações Unidas (ONU) em seu último Boletim Humanitário sobre o Sri Lanka. Nos dois últimos anos, mais de 2,6 milhões de pessoas foram afetadas por desastres naturais, afirmou a ONU, o que equivale a mais de 10% de uma população de pouco mais de 20 milhões de habitantes.

O impacto pode estar aumentando, mas não a assistência do exterior para aliviá-lo. Em janeiro deste ano, o PMA teve que suspender um programa destinado a ajudar as 172 mil pessoas que se estima sofrem severa insegurança alimentar porque não tinha fundos suficientes. “Vemos que o tempo mutável tem alguns impactos drásticos e precisamos chegar rápido a soluções geradas localmente”, ressaltou à IPS L. P. Rupasena, subdiretor de pesquisas no Instituto Héctor Kobbekaduwa de Investigação e Formação Agrária em Colombo.

Rupasena concorda com os pesquisadores do IWMI no sentido de que, para cumprir o desafio apresentado pelos variáveis padrões climáticos, países como o Sri Lanka têm de buscar soluções em seu interior. “Não há tempo para esperar que as soluções cheguem de outra parte; temos que trabalhar nelas imediatamente”, destacou. Esses programas da sociedade civil podem implicar reviver tradições ancestrais deixadas de lado, como as antigas reservas.

Ninguém sabe exatamente quantas existem, mas sua importância para a agricultura foi substituída pela ênfase nas grandes redes de irrigação, especialmente desde o final da década de 1970. Eriyagama informou à IPS que alguns dos tanques foram abandonados. Na última década, houve esforços esporádicos para repará-los, mas, segundo a pesquisadora, o que se precisa é de um esforço concertado para recuperar a importância que tiveram no passado. Envolverde/IPS