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Tempo de descolonizar o Fórum Social Mundial

Dos aproximadamente 60 mil participantes do FSM em Túnis, apenas oito mil eram da Europa. Foto: Monika Prokopczuk/IPS

Túnis, Tunísia, 19/4/2013 – Em 2011, quando os participantes do Fórum Social Mundial (FSM) em Dacar receberam a notícia de que o presidente do Egito Hosni Mubarak havia sido derrubado pela mobilização de milhões de pessoas nas ruas, poucos puderam conter sua alegria. Mas a euforia rapidamente foi substituída por várias dúvidas. Qual o propósito do FSM? Continua sendo relevante? Como se conecta com as pessoas que lutam para sobreviver e enfrentam as balas nas ruas?

“Ainda que estejamos aqui dois anos depois, convidados pelo próprio povo que fez esta revolução, que nos quer aqui, que deseja que ajudemos a fortalecer sua luta na Tunísia, continua sendo relevante?”, perguntou o cientista social norte-americano Immanuel Wallerstein na edição 2013 do FSM, realizada na capital tunisiana. Suas perguntas apontam para a necessidade, expressada também por centenas de pessoas que se reuniram nesta cidade entre 26 e 30 de março, de analisar seriamente a direção que deve tomar o FSM, que acaba de completar 13 anos.

Esta ano o Fórum aconteceu na Tunísia como reconhecimento do movimento social que derrubou o regime do ditador Zine el Abidine Ben Ali e desatou uma onda de levantes semelhantes em outros países, no que passou a se chamar de Primavera Árabe. Mas os participantes continuam se perguntando para onde se dirige o FSM e o que é capaz de conseguir.

A série de painéis “Descolonizando o Fundo” lançou uma luz sobre a desigualdade ainda existente em matéria de representatividade e acesso a este encontro anual. Este ano houve uma clara maioria de não ocidentais no FSM: dos cerca de 60 mil visitantes, apenas oito mil procediam da Europa, enquanto os tunisianos somaram 20 mil.

Entretanto, como é tradicional, grandes organizações não governamentais internacionais, como a Associação pela Taxação das Transações Financeiras e pela Ação Cidadã (Attac), bem como outras da Europa e dos Estados Unidos, estão melhor capacitadas para enviar delegações maiores do que os grupos do Sul.

Roma Malik, do Fórum Nacional de Povos e Trabalhadores das Florestas da Índia, recordou que o FSM nasceu como um processo destinado a se contrapor às desigualdades criadas pela globalização e o neoliberalismo. Desta maneira, “o FSM deve estar menos dominado pelas grandes ONGs e são necessários esforços para trazer mais gente de menos recursos”, afirmou à IPS.

Isto inclui pessoas como aquelas com as quais Malik trabalha, habitantes das florestas da Índia que sofrem a apropriação de terras e sua passagem para mãos de corporações multinacionais. Mais de 1,1 milhão de hectares estão sob ameaça na zona central da Índia, segundo informe da organização Greenpeace intitulado Resistindo ao Carvão. Apenas o desenvolvimento da mina de carvão de Mahan, no Estado de Madhya Pradesh, poderia tirar de suas casas 14 mil pessoas.

Steven Faulkner, chefe de relações internacionais do Sindicato de Trabalhadores Municipais da África do Sul, afirmou que a responsabilidade por conseguir uma representação igualitária no FSM recai sobre seu Conselho Internacional, órgão representativo com cerca de 140 membros. “Precisamos de uma forte liderança, que se considere responsável pelos pobres e marginalizados”, afirmou.

Após ter passado várias décadas estudando temas trabalhistas em toda a África, Faulkner destacou o fato de que os pobres do mundo não são apenas beneficiários passivos de ajuda, mas sobreviventes ativos de um sistema econômico, social e político altamente desigual. Este mesmo ato de sobrevivência é um processo criativo “ao qual deveríamos dar mais atenção”, trazendo para o FSM as pessoas diretamente afetadas para compartilharem suas preocupações e estratégias, acrescentou.

“Se podemos nós mesmos nos liberar das fronteiras impostas pelo colonialismo e nos tornarmos genuinamente livres, como falava Nelson Mandela, então poderemos nos dar conta do seguinte: a África tem um enorme potencial”, afirmou Faulkner. Outras vozes destacaram o grande efeito unificador e renovador do FSM. Hassen Ltaief, ativista durante a revolução tunisiana, provocou grande aplauso por parte de sua audiência em Túnis quando afirmou: “Não era o mesmo aqui antes da chegada do FSM. Viemos dar um novo espírito ao Fórum e, como posso ver nos olhos dos ativistas mais veteranos, parece que é um verdadeiro sucesso”.

O que tornou o FSM significativo, disse Ltaief à IPS, foi que abriu espaço para o desenvolvimento de uma consciência coletiva, e realçou a importância da organização conjunta, duas lições fundamentais para a Tunísia, que experimenta dores de crescimento de uma nova democracia e está sob enorme pressão para salvaguardar seus êxitos revolucionários.

Agora, os organizadores do Fórum preparam o terreno para as futuras reuniões. O Fórum Social do Magreb se viu fortalecido com a decisão do Conselho Internacional de realizar a próxima reunião de planejamento nessa região. Esse fórum nasceu em 2005, em Porto Alegre, criado por instâncias de marroquinos e tunisianos. Desde então, realiza grandes esforços para atender temas que dizem respeito a mulheres, jovens e à sociedade civil em geral do norte da África.

Há diversas propostas para a sede do próximo FSM, que vão de Índia a México, passando por Canadá, Brasil e inclusive, novamente, Tunísia. “O FSM é tradicionalmente uma experiência nômade”, disse Nicolas Haeringer, observador do Conselho Internacional. “Deve crescer suas raízes, mais do que nunca, e, considerando que a reunião da Tunísia foi uma das reuniões mais inspiradoras que já vi, creio que não seria uma ideia louca realizá-lo novamente aqui”, ressaltou. Envolverde/IPS