Arquivo

Trabalhadores espanhóis vítimas de disputa entre Madri e Gibraltar

Sem diálogo não há solução, afirmam os trabalhadores espanhóis diante da barreira fronteiriça com Gibraltar. Foto: Alberto Pradilla/IPS
Sem diálogo não há solução, afirmam os trabalhadores espanhóis diante da barreira fronteiriça com Gibraltar. Foto: Alberto Pradilla/IPS

 

La Línea de la Concepción, Espanha, 12/8/2013 – “A situação chegou ao limite. A Espanha está a um passo do levante civil e o governo busca desviar a atenção”, aumentando os controles na fronteira com o rochedo para provocar tensão entre as partes, acusou Manuel Márquez, delegado da Associação Sociocultural de Trabalhadores Espanhóis em Gibraltar (Astecg).

Márquez deu esta declaração junto a vários companheiros que protestavam diante do controle que a Guarda Civil e outro ramo policial mantêm na fronteira entre La Línea de la Concepción, pequena localidade do extremo sul da Espanha, e Gibraltar, o território autônomo em poder da Grã-Bretanha, de apenas 6,8 quilômetros quadrados. A Espanha historicamente reivindica sua soberania sobre este lugar, conquistado pelos britânicos no começo do século 18, embora seus habitantes tenham demonstrado em reiteradas ocasiões sua vontade de continuar dependendo de Londres.

As tensões cresceram na área nos últimos dias, depois que o governo do primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, do direitista Partido Popular, aumentou o controle na fronteira, provocando longas filas de até sete horas para cruzá-la. A situação é complexa. Por um lado está a questão da soberania reclamada por Madri, e por outro a difícil convivência entre espanhóis e “llanitos”, como são chamados por seus vizinhos os habitantes de Gibraltar, situado em uma minúscula saliência de terra voltada para o mar e cuja maior parte do território é ocupado por um rochedo.

Neste complexo contexto muitos se perguntam pelo motivo da escalada neste momento. Embora o governo da Espanha tenha dito que a origem do problema é o conflito pesqueiro, que começou no final de julho, quando Gibraltar lançou blocos de concreto no mar para criar um arrecife, existe a sensação generalizada na área, especialmente entre os sindicalistas, de que Rajoy usa esta crise para desviar a atenção do escândalo de corrupção que o afeta e da crise econômica do país.

No entanto, os mais prejudicados são, precisamente, todos aqueles cuja subsistência depende de cruzar a fronteira diariamente para irem de casa ao trabalho. “Isto não serve para nada. La Línea e Gibraltar sempre tiveram boa relação. É o governo que deveria solucionar o problema”, queixou-se José Antonio García, que, quando conversou com a IPS, estava há mais de uma hora e meia esperando em seu carro para atravessar a fronteira e abastecer o veículo.

É que em Gibraltar os preços são menores do que na Espanha porque o território não paga impostos, o que o leva a ser classificado como paraíso fiscal, já que também existe um regime especial para os bancos. “Estou desempregado, tenho seis netos e preciso dar comida a eles. Esperarei o que precisar, porque com um pacote de tabaco faço o dia (de venda)”, explicou à IPS um homem com mais de 70 anos, que pediu para não ser identificado.

O contrabando de tabaco é um dos negócios ilegais mais lucrativos. Um pacote com dez maços de cigarros, que habitualmente pode custar 40 euros na Espanha, em Gibraltar custa a metade. Por essa razão a lei de aduanas só permite cruzar a fronteira na região com um pacote por dia, embora os grupos de pessoas sentadas junto à fronteira, deixando o tempo passar, evidenciem que o fluxo de cigarros é constante.

Desde que Madri decidiu aumentar os controles, tanto para entrar quanto para sair de Gibraltar, o colapso é total na fronteira. Começou há uma semana e provocou o registro de intermitentes aglomerações de até sete horas. Estas são agravadas por temperaturas que em certas horas do dia podem chegar aos 40 graus. “Pensava passar o final de semana com minha família, mas, após receber a notícia, fui, com vários companheiros, ajudar os que estavam esperando”, contou Márquez à IPS.

Fontes do governo autônomo de Gibraltar confirmaram à IPS que chegaram a entregar 11 mil garrafas de água para as pessoas enfrentarem o calor, o que não evitou que muitas, especialmente idosos, tivessem de ser atendidos em hospitais próximos. Esta crise afeta mais os trabalhadores espanhóis que passam diariamente para o território britânico. “Este é um país de ideologia fascista, onde o patriotismo dá votos. Por isso, nenhum partido quer solucionar o problema”, ressaltou Márquez, que trabalhou toda sua vida no estaleiro de Gibraltar.

Na mesma linha, Miguel Ángel Zoilo, usando seu uniforme de vigilante, insiste na tese da “cortina de fumaça”, afirmando que “isto é uma cortina com as cores patrióticas, mas que provoca divisão”. Depois, Zoilo foi a pé até a fronteira. Nesse momento não havia fila, assim evitava as possíveis aglomerações. Não se pode esquecer que pelo menos sete mil moradores de La Línea de la Concepción entram diariamente em Gibraltar para trabalhar na construção ou em serviços. Um bálsamo para uma população de 64 mil habitantes em que pelo menos 11 mil estão desempregados.

Assim, os salários procedentes de Gibraltar são básicos para sua subsistência. Nestas circunstâncias, os habitantes de Gibraltar não entendem a posição de Madri. “É idiota. Estão prejudicando seus próprios cidadãos”, disse a residente Occa Harris, que ressaltou que o rochedo “nunca” passará à soberania espanhola. Em uma conversa não é difícil distinguir um “llanito”, que se entrega por uma linguagem particular que mescla castelhano e inglês. A teoria da manobra de distração chega inclusive até os corpos policiais.

“Desviam a atenção, mas isto tem que ter uma solução política”, disse à IPS o secretário de organização da província de Cádiz do Sindicato Unificado de Polícia (SUP), José González. O SUP se concentrou no dia 7 diante da fronteira para denunciar as pressões sofridas desde o Rochedo de Gibraltar, onde se chegou a publicar uma página na internet com fotos dos agentes que trabalham na passagem de fronteira. Por outro lado, os pescadores são, provavelmente, um dos poucos setores que cerraram fileiras com o governo espanhol.

Leoncio Fernández, da Confraria de La Línea de la Concepción, argumentou sobre seu apoio às decisões de Madri e exortou Gibraltar a retirar os blocos de concreto. Claro que reconhecendo que, no máximo, apenas uma dezena de barcos pode chegar a trabalhar em águas de Gibraltar, que a Espanha reclama como suas. Londres, porém, anunciou o envio de um navio de guerra à área. Novos passos em uma escalada cujas principais vítimas são os que, como Márquez, reivindicam uma mesa na qual os principais atores sentem e dialoguem. Envolverde/IPS