Arquivo

Uma atividade de alto risco atrai jovens quenianos

Pedreira de Rhonda, no condado de Nakuru, no Quênia. Muitos jovens quenianos se dedicam à extração de areia, apesar de correrem o risco de perder a vida se um dos muros cair, o que não é raro devido aos precários métodos de trabalho. Foto: Robert Kibet/IPS
Pedreira de Rhonda, no condado de Nakuru, no Quênia. Muitos jovens quenianos se dedicam à extração de areia, apesar de correrem o risco de perder a vida se um dos muros cair, o que não é raro devido aos precários métodos de trabalho. Foto: Robert Kibet/IPS

 

Nakuru, Quênia, 18/8/2014 – Allan Karanja se dedica a extrair areia na província do vale do Rift, no Quênia. Este jovem de 22 anos realiza um árduo trabalho de cavar profundos buracos usando apenas uma pá e uma alavanca e sem equipamento de segurança. O trabalho, além disso, pode ser mortal. Tanto ele como muitos outros jovens trabalham em pedreiras de areia na região de Rhonda, ao sul da cidade de Nakuru e perto do Parque Nacional Lago Nakuru, no vale do Rift, uma área caracterizada pela proliferação de assentamentos irregulares.

O rio Ndarugu, que desemboca no Parque Nacional Lago Nakuru, é o principal local de extração. Karanja contou à IPS que viu muitos trabalhadores morrerem quando as frágeis e altas paredes desmoronaram enquanto escavavam. “A fome nos empurra para as minas de areia. Ganhamos muito pouco, apesar dos riscos que corremos. Escavamos areia sem capacetes de segurança”, detalhou.

Nakuru, 160 quilômetros a nordeste de Nairóbi, foi considerada pela ONU Habitat a cidade de maior crescimento na África central e oriental em 2010. Isso gerou um fluxo de investimentos na área e o consequente auge da construção, principal consumidora de areia. Jackson Kemboi é proprietário de um pedreira de dois hectares, que teve de fechar temporariamente no mês passado quando um trabalhador e seu filho morreram soterrados pela parede que desabou enquanto escavavam.

A extração de areia em Rhonda emprega cerca de três mil pessoas, disse Kemboi à IPS. “A pedreira existe desde começo dos anos 1980. Como proprietário, tenho que distribuir o que ganho por um caminhão de sete toneladas com todos os envolvidos”, explicou. “Os jovens vêm todos os dias, recolhem e carregam a areia e recebem no final da jornada”, acrescentou. Kemboi cobra o equivalente a US$ 58 por sete toneladas de areia, 20% dos quais divide entre mineradores, carregadores e motoristas dos caminhões.

Jack Omare, pai de dois filhos, contou à IPS que trabalha na pedreira de Kemboi desde 1992 e que escapou da morte em três oportunidades. O pior acidente foi quando as paredes de areia desabaram, empurrando ele e o motorista do caminhão para o rio Ndarugu, mas, felizmente, sobreviveu. Omare disse que, em um dia normal, ganha no mínimo 300 chelines quenianos (cerca de US$ 3), o que dá para pagar apenas uma refeição para ele, a mulher e os filhos.

A areia se torna um elemento necessário no auge da construção que move a crescente urbanização e o rápido crescimento econômico no Quênia. O Informe Econômico 2013, do Instituto de Análises e Pesquisas de Políticas Públicas do Quênia, previa que a economia cresceria cerca de 5,5% em 2013 e 6,3% este ano, acima dos 4,6% de 2012.

Anne Waiguru, secretária do Ministério de Planejamento e Descentralização, afirmou à IPS que a população urbana aumenta ao ritmo de 4% ao ano. A situação, segundo ela, pode ser atribuída à violência pós-eleitoral de 2008, bem como à migração de jovens do campo em busca de trabalho. Muitos destes têm poucos recursos e se dedicam à extração de areia como forma rápida de fazer dinheiro, apesar dos riscos devido às más condições de trabalho.

Karanja disse à IPS que decidiu, “aos 14 anos, suspender os estudos na escola de Kaptembwa para carregar areia em caminhões e assim poder comprar material escolar”, mas logo abandonou a escola e nunca fez o curso secundário. Para Mary Muthoni, do departamento de bem-estar infantil do governo local, cerca de três mil jovens, na maioria menores de idade, trabalham em péssimas condições, entre os quais estão os que extraem areia.

Um funcionário da estatal Sociedade de Bem-Estar Infantil, que pediu para não ser identificado, apontou à IPS que os jovens que trabalham na pedreira estão expostos a materiais tóxicos, o que aumenta a probabilidade de desenvolverem enfermidades respiratórias. Em 2013, a Autoridade Nacional de Gestão Ambiental (Nema) ordenou o fechamento das pedreiras de Nakuru, após denúncias de que a extração de areia contribuía para a degradação ambiental.

A atividade contribuía com a sedimentação do rio Ndarugu e colocava em risco os serviços públicos da região e a infraestrutura, como estradas e escolas. “A proibição continua em vigor. Como autoridade, não temos problema em fazer cumprir a lei, mas consideramos a vida de milhares de jovens que ficariam sem trabalho”, explicou à IPS o diretor da Nema, Wilfred Osumo.

As pessoas que querem continuar com o negócio, especialmente os proprietários de pedreiras, devem solicitar uma avaliação de impacto ambiental à Nema, que custa 0,1% do projeto total. O Guia Nacional para Coletar Areia, divulgado pela Nema em 2007, estipula que a atividade está restrita ao leito do rio e que não é permitida em suas margens, para evitar a ampliação do curso fluvial.

A extração de areia no vale do Rift acontece ao longo do rio, mas o material é de má qualidade em comparação a outras partes da província Oriental, em Machakos, Kitui e Makueni”, pontuou à IPS o professor Jackson Kitetu, que pesquisa esse assunto na Universidade de Kabarak. Um estudo realizado entre 1993 e 1997 revela que na província Oriental a atividade gerou 30 mil postos e trabalho.

Apesar dos riscos que apresenta, as pessoas continuarão extraindo areia. Mike Mwangi, motorista com autorização para trabalhar nas pedreiras, disse à IPS que prefere essa fonte de renda, apesar dos riscos. Envolverde/IPS