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Vinhas da ira são bom negócio para o vinho da Cisjordânia

Trabalhadora palestina na adega de um colono na Cisjordânia. Foto: Pierre Klochendler/IPS
Trabalhadora palestina na adega de um colono na Cisjordânia. Foto: Pierre Klochendler/IPS

 

Psagot, Palestina, 15/7/2013 – Boa parte do culto ao vinho se relaciona com a terra de origem de suas uvas. O rótulo diz “Produto de Israel”, mas não se deixe enganar. Este Cabernet Sauvignon é elaborado em território palestino ocupado. A Alemanha, o mais estreito aliado de Israel na União Europeia (UE), está em vias de fazer um acordo com outros países do bloco para a adoção de normas para a rotulagem de produtos feitos em assentamentos judeus. De modo que o rótulo “Feito em Israel” só será aceito para produtos manufaturados dentro das fronteiras que este país tinha em 1967.

Yaakov Berg criou a “adega butique” de Psagot em 2009. Plantou sua primeira vinha em 2003, enquanto construía a casa de seus sonhos ao pé das colinas do assentamento de Psagot na Cisjordânia, bem perto da cidade palestina de Ramalá. “Isto nunca foi Palestina. É a terra de nossos pais”, afirma Berg enquanto revisa os rótulos. Passa por alto quanto ao fato de a Cisjordânia, ocupada por Israel desde 1967, agora ser reconhecida no mundo como parte da futura Palestina e que ilegais são os assentamentos, segundo o direito internacional.

Enquanto os postos de controle, as torres de observação e os muros forem obstáculos para a vista a partir de Ramalá e restringirem o movimento de  trabalhadores e mercadorias da Palestina, colonos como Berg podem continuar elaborando seu vinho e travando com seus vinhedos uma silenciosa batalha pela supremacia em terras públicas e privadas. A Cisjordânia ocupada cresce e segue rumo a se converter em um país do vinho. Pelo menos 29 adegas operam nos assentamentos da Cisjordânia.

No prazo de dez anos, Berg ampliou de cinco para 25 hectares suas vinhas. “Orgulhoso das profundas raízes judias na terra” onde crescem suas uvas, Berg gosta de mostrar aos visitantes uma prensa de dois mil anos de antiguidade, “do período do Segundo Templo”, que encontrou em uma cova que descobriu sob sua casa. “É muito importante conhecer a origem do vinho, sua qualidade, sua singularidade. Tudo vem da terra”, pontuou.

Entretanto, como rotular esse produto da terra está se convertendo em um tema espinhoso. A ameaça de “fruto proibido” se ergue sobre este vinho. É provável que, em sua próxima reunião, os ministros de Relações Exteriores da UE considerem um acordo para rotular mercadorias feitas por colonos judeus em territórios ocupados. Berg sabe que um rótulo como “Feito nas Colinas da Judeia” pode causar pouquíssima diferença na Europa, e acrescenta que “Território Ocupado” é “apenas uma definição política, uma advertência” que não significa “não o compre”.

O Acordo de Livre Comércio de Israel com a Europa exclui mercadorias das colônias porque não são consideradas israelenses. A UE é o destino de 20% das exportações israelenses, mas os números sobre a indústria dos assentamentos são deliberadamente ofuscados. Embora a ação proposta pela União Europeia seja limitada, tem preocupado os diplomatas israelenses. “Não creio que seja uma medida construtiva. Realmente, espero que não ocorra”, disse Paul Hirshon, porta-voz da chancelaria. “Há disputas agrárias em todo o mundo. Se forem marcar apenas Israel, e só as comunidades israelenses na Cisjordânia e seus produtos, será discriminação”, ressaltou.

Berg reage com uma linguagem menos diplomática, dizendo que “ao longo da história, quiseram nos rotular. ‘Judeu’, dizia a insígnia amarela (imposta pelos nazistas). Agora é o boicote. Confio que a Alemanha não se atreverá a voltar a nos marcar como judeus”. Um documento interno do Ministério das Relações Exteriores de Israel afirma que “esta medida prejudicará, de fato, os palestinos”. O informe intitulado Os Efeitos de Rotular os Produtos dos Assentamentos sobre a Economia Palestina indica que cerca de 22.500 palestinos trabalham para os colonos israelenses.

A organização não governamental israelense Kav LaOved (Assistência Telefônica aos Trabalhadores) e sindicatos palestinos estimam que outros dez mil trabalhem sem autorização nos assentamentos. As estimativas indicam que a renda desses trabalhadores somem aproximadamente US$ 277 milhões, o que equivale a 9% do orçamento de 2012 da Autoridade Nacional Palestina. A adega de Berg dá trabalho a sete palestinos. “Os palestinos não deveriam trabalhar nos assentamentos, não deveriam apoiar os colonos. É como dar um tiro no próprio pé. Devem parar. Isto vai contra o direito palestino à autodeterminação e a um Estado”, protestou Mahdi Abdul Hadi, da Sociedade Acadêmica Palestina para o Estudo de Assuntos Internacionais.

A ação proposta pela UE responde, em parte, à reclamação de ativistas palestinos que realizam a campanha não violenta Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra Israel, até que este país ponha fim à ocupação. O movimento que promove a BDS destila de modo lento, mas seguro, seus princípios em todo o mundo. No mês passado, Dinamarca e África do Sul, país que sofreu na carne um boicote internacional em razão de seu regime segregacionista do apartheid, decidiram rotular os produtos feitos nas colônias judias.

A preocupação dos dirigentes israelenses é que, se fracassar o esforço do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, para retomar as negociações de paz com os palestinos, a União Europeia siga o exemplo e acabe aderindo à BDS. Então, nesse caso, Israel sentirá o peso do isolamento. Enquanto isso, o trabalho segue sem pausa na adega. Hiba Abu Shusheh, uma palestina divorciada, mantém seus gêmeos graças ao emprego no assentamento. “Em Ramalá não há trabalho”, afirma. Na adega ganha US$ 40 por dia. Para ela é simplesmente uma questão de sobrevivência.

A adega de Psagot produz 200 mil garrafas por ano. Cada uma custa entre US$ 30 e US$ 60. É um negócio dinâmico que gera cerca de US$ 10 milhões ao ano. Setenta por cento do vinho é exportado, principalmente para Estados Unidos, Austrália e Europa. Como o vinho é kosher (outro rótulo, neste caso indicando que foi elaborado segundo os preceitos da religião judia), seu principal público é a diáspora. Portanto, é pouco provável que uma mudança nas normas de rotulagem afete seriamente a indústria vinícola dos colonos.

Berg disse que os chamados de boicote ao seu vinho só fazem aumentar a demanda. Um colono que trabalha como supervisor está ansioso para demonstrar que a adega também é uma ilha de coexistência entre judeus e árabes. “Você é meu vizinho, meu amigo, meu irmão”, insiste, dando um abraço de urso em um palestino que trabalha na adega. “Com certeza”, responde o envergonhado trabalhador, como que destacando sua dependência dos donos da terra. Envolverde/IPS