Arquivo

Viver em um planeta e meio

Sam Smith, Jim Leape e Stuart Orr na apresentação do Livint Planet Report 2012, em Genebra. Foto: Isolda Agazzi/IPS

Genebra, Suíça, 17/5/2012 – Um informe do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) alerta para uma significativa redução da biodiversidade, em particular nos países pobres, e sobre um enorme aumento na pegada ecológica das nações ricas. O Living Planet Report (Relatório Planeta Vivo) foi apresentado em Genebra com vistas à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá de 20 a 22 de junho, no Brasil. O estudo exorta o mundo a modificar seus padrões de produção e consumo, bem como a desenvolver as energias renováveis.

“Em termos gerais, a biodiversidade caiu 28% no mundo desde 1970. Mas nos países de baixa renda a perda é particularmente importante, pois chega a 60%”, afirmou Jim Leape, diretor-geral do WWF, ao apresentar o informe. “O esgotamento dos sistemas naturais está prejudicando mais os países que menos têm condições de enfrentá-lo”, ressaltou. A publicação mais importante dessa prestigiosa organização ambientalista, divulgada a cada dois anos, foca na biodiversidade de todo o mundo e na pegada ecológica da humanidade, ou seja, na pressão que esta exerce sobre a terra e a água.

O aumento deste último foi enorme desde 1961. “Usamos 50% mais recursos do que a Terra pode suportar. Hoje vivemos como se tivéssemos um planeta e meio. Se continuarmos assim, até 2050 precisaremos de três planetas. Nosso padrão de consumo é insustentável”, alertou Leap. Em média, os países de alta renda têm uma pegada ecológica que quintuplica a das nações de baixa renda. Os dez Estados com maior pegada ecológica por pessoa são Catar, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Dinamarca, Estados Unidos, Bélgica, Austrália, Canadá, Holanda e Irlanda.

O informe foi divulgado faltando cinco semanas para começar a Rio+20, que avaliará os avanços no cumprimento dos compromissos assumidos há duas décadas na primeira Cúpula da Terra. “É um momento importante para olhar o que ocorre sobre a Terra”, observou Leape. “Existem propostas para estabelecer Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e de agregar indicadores sociais e ecológicos ao produto interno bruto”, acrescentou.

“O mercado continua enviando sinais equivocados, porque muitos custos não são incluídos no sistema de preços. Os preços deveriam dizer a verdade. Os governos devem eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis e se comprometer em proporcionar acesso a energia limpa para todos”, apontou Leape. Diante da pergunta sobre se a economia verde, principal tema da Rio+20, é a solução correta, Leape disse à IPS que “o desafio central é resolver como passar para ela”.

“Há muito debate sobre o termo. Alguns gostam, outros não. Contudo, de algum modo devemos seguir um caminho que a Terra possa sustentar, e definir uma nova prosperidade com os recursos do planeta. Precisamos de um modelo diferente para o desenvolvimento futuro”, indicou Leape. Segundo consta no informe, o WWF acredita ser possível seguir outro caminho. A organização propõe possíveis soluções. A primeira é preservar o capital natural protegendo os ecossistemas, a terra e a água.

Conseguiu-se avanços significativos na área fundamental do desmatamento, mas sempre existe a ameaça de um retrocesso. Por exemplo, embora nos últimos anos o Brasil tenha sido líder na tendência contra o desmatamento, uma nova lei aprovada no país (o novo Código Florestal) pode prejudicar severamente a proteção das florestas.

Outra proposta é fixar-se na “pegada hídrica”, isto é, a maneira como se administra a água do lado da produção. “Trabalhamos muito próximos às empresas para ajudá-las a entender sua pegada hídrica. E alguns dos trabalhos mais progressistas em matéria de água são feitos na África”, explicou Stuart Orr, gerente de água doce do WWF. No Quênia, esta organização descobriu que 10% das divisas estavam vinculadas à exploração de uma única bacia fluvial.

O WWF propôs incentivos para melhorar o manejo das bacias, que atraem o interesse de diferentes países. “Desenvolvemos padrões sobre o uso da água para as empresas e assessoramos os governos sobre como alcançar a sustentabilidade hidrelétrica, por exemplo, criando padrões para o desenvolvimento” desse setor, explicou Orr. “Na China trabalhamos com o governo sobre o uso de uma bacia que inclui 270 rios do país”, acrescentou.

A produção sustentável é outra solução, e começa com as energias renováveis. “Não precisamos de tecnologia nova para fazê-lo”, disse Sam Smith, líder da iniciativa do WWF sobre clima e energia. “No ano passado, os investimentos em energias renováveis foram maiores do que em combustíveis fósseis. Na Espanha, 61% da eletricidade foi gerada por energia eólica” em um dia de ventania em abril, comentou.

A eficiência energética é outro caminho promissor. No Paquistão, graças a uma iniciativa lançada pelo WWF em conjunto com a firma Ikea, de venda de móveis, 40 mil agricultores cultivam algodão de um modo que reduz os severos impactos ambientais da produção convencional. Segundo o informe, em 2010, 170 mil hectares de produção algodoeira usaram 40% menos fertilizantes químicos, 47% menos pesticidas e 37% menos água.

Do lado do consumo, “cada um de nós pode desempenhar um papel. As empresas e os consumidores querem melhores opções”, revelou Leape. Os rótulos podem ser uma solução. No Chile, que fornece 8% do mercado mundial de celulose e papel, o WWF trabalha com o governo e com o setor florestal para fortalecer e ampliar o alcance da certificação do Conselho de Administração Florestal (FSC).

O mesmo ocorre com os peixes. A quase quintuplicação das capturas mundiais entre 1950 e 2005 causou a exploração excessiva de muitas espécies. O Chile contribui com 30% do mercado mundial de salmão e 13% de pescado para iscas. O WWF promove a certificação do Conselho de Administração Marinha (MSC) nesse país, para garantir que a exploração pesqueira ocorra de modo sustentável e economicamente viável.

“Os desafios destacados no Living Planet Report são claros”, enfatizou Leape. “A Rio+20 pode e deve ser o momento para que os governos determinem um novo curso de ação para a sustentabilidade. A reunião é uma oportunidade única para que as coalizões dos comprometidos (governos, cidades e empresas) unam forças e desempenhem um papel crucial na conservação de um planeta vivo”, concluiu. Envolverde/IPS