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Voto adolescente avança pela América Latina

As maciças marchas de estudantes instalou no Chile a ideia de que os adolescentes têm direito ao voto. Foto: Pamela Sepúlveda/IPS

 

Buenos Aires, Argentina, 17/9/2012 – Um projeto para baixar de 18 para 16 anos a idade mínima para votar caminha a passo firme para sua aprovação no parlamento da Argentina, um avanço que já vigora no Brasil, Equador, Nicarágua e Cuba, e começa timidamente a ser debatido na Bolívia, no Chile e no Uruguai. “O jovem tem um pensamento crítico e autônomo que é ignorado pelos que dizem que não temos consciência. Os que acreditam nisso são os que nada têm a nos oferecer”, afirmou Nicolás Cernadas, de 17 anos, vice-presidente do centro de estudantes da escola secundária Normal 1, de Buenos Aires, e militante do esquerdista Partido Operário.

Em conversa com a IPS, ele disse que não só é a favor de reduzir a idade para votar como reclama, inclusive, mais direitos. “Um adolescente é tão influenciável quanto alguém de 40 anos, e tampouco pouco muda esperar os 18 anos. Já não sou bobo antes dos meus 18 anos e nem passo a ter toda a consciência porque completei os 18”, afirmou.

A governante Frente para a Vitória, a corrente de centro-esquerda do Partido Justicialista (peronista), com maioria absoluta no parlamento, apresentou um projeto para instaurar o voto optativo para os argentinos com idade entre 16 e 18 anos e para os estrangeiros com menos de dois anos de residência legal no país. Afirma-se que a intenção “é construir maior cidadania” para a juventude e os imigrantes. Significa “aprofundar um processo de participação política e responde a uma demanda cada vez maior de participação dos jovens”.

Os partidos de oposição aparecem divididos, embora os que são a favor questionem a oportunidade ou pedem que o voto seja obrigatório, como é para os maiores de 18 anos. O debate está instalado e haverá uma série de audiências públicas com especialistas em educação, psicólogos e dirigentes estudantis, entre outros setores, que apresentarão as diferentes posições diante da proposta, que seria aprovada sem maiores inconvenientes devido à unidade de ação do oficialismo.

“Não é ruim ampliar direitos, mas se a idade adulta começa aos 18 anos, deveria haver coerência com isso”, disse à IPS, em tom crítico, a especialista Julia Pomares, do não governamental Centro de Implantação de Políticas Públicas para a Igualdade e o Crescimento. Pomares entende que há “outras prioridades”, tanto no plano eleitoral quanto nas políticas para a juventude. De todo modo, ela questiona os opositores do projeto com o argumento de que os adolescentes estão desinformados, ou que pode beneficiar o partido do governo. “Há pessoas de 50 anos que não estão informadas. Trata-se de ter autonomia”, destacou. Tampouco pode “desabilitar a discussão” o suposto benefício eleitoral ao partido da presidente Cristina Fernández.

Ninguém questiona atualmente que o voto feminino, aprovado em 1947, é um direito indiscutível reclamado desde a década de 1930, nem se detém em analisar em quanto favoreceu a reeleição presidencial de Juan Domingo Perón, cuja esposa, Eva Duarte (Evita), havia conseguido com sua liderança que as mulheres se equiparassem aos homens nas urnas. O voto a partir dos 16 anos é obrigatório em Cuba e na Nicarágua, e é opcional até os 18 no Equador e no Brasil, país onde começou a ser aplicado nas eleições presidenciais de 1989.

O especialista em política Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, disse à IPS que nessa época “o ambiente era de liberdade e concessão de direitos, por isso não houve grandes debates” e nem notórios opositores. Também “facilitou sua aprovação o fato de ser optativo”, ressaltou. A participação dos adolescentes nas urnas foi bem alta no primeiro ano da entrada em vigor da lei, mas depois começou a cair. Assim, a porcentagem de votantes nessa faixa etária, em 2006, foi 7% maior do que em 2010, segundo o Superior Tribunal Eleitoral.

Também o Chile pretende seguir o mesmo caminho. O senador Alejandro Navarro, do Movimento Amplo Social (MAS), informou à IPS que, no projeto de reforma constitucional em estudo na Câmara de Deputados, se baixa a idade para o voto obrigatório. As maciças mobilizações estudantis que encheram as ruas do Chile nos últimos anos, com o protagonismo de alunos secundaristas, instalou na sociedade a ideia de que os jovens têm direitos e devem exercer o do voto desde os 16 anos, acrescentou. No entanto, Navarro descartou que os partidos da coalizão de centro-direita que apoiam o governo de Sebastián Piñera deem sustentação a uma iniciativa desse tipo, quando o que buscam é limitar o exercício desses direitos.

Contudo, “creio que no Chile existem as condições para reduzir a idade para votar, e isso está provado com a lei de organização de moradores, que habilitou esse direito e demonstrou que os jovens aderem quando têm a possibilidade”, acrescentou Navarro. A referência é à lei, de sua autoria, que concedeu há três anos o direito de voto nessa instância municipal aos maiores de 14 anos. A discussão, então, se desviou para impor a responsabilidade penal aos adolescentes. “Me parece que assim como têm deveres, também têm direitos”, destacou.

Controvérsia semelhante ocorre no Uruguai, onde a oposição vinculou as propostas de direitos eleitorais a partir dos 16 anos à proposta de reforma constitucional para aplicar o Código Penal de adultos a partir dessa mesma idade. A responsabilidade penal no Uruguai vigora desde os 14 anos, mas até os 18 atua a justiça de menores, com obrigações e direitos ajustados a convênios internacionais. A iniciativa para mudar essa lei, apresentada pelo senador direitista Pedro Bordaberry, do Partido Colorado, reuniu as assinaturas necessárias para ser levada a plebiscito nas eleições de 2014. Conta com apoio do Partido Nacional, de centro-direita, e com rejeição por parte da governante e esquerdista Frente Ampla.

Em meio a este debate, o deputado nacionalista José Cardoso se manifestou confiante em ver avançar seu projeto para ampliar o voto obrigatório a partir dos 16 anos, apresentado em junho de 2011, precisamente como condição para aprovar a redução da idade de imputabilidade penal. “A visão tem de ser completa e equilibrar constitucionalmente obrigações com direitos”, declarou Cardoso à IPS. “Do reconhecimento de que aos 16 se está apto para tomar decisões derivam duas vertentes: a punitiva e a de direitos”, acrescentou. “A consequência da primeira é a imputabilidade, e a da segunda é o voto”, ressaltou.

“A participação de menores em delitos promoveu acirrados debates e, nesse contexto, ganharam terreno posições a favor da redução da idade de imputabilidade no entendimento de que, no contexto das sociedades atuais, a condição de menor idade é abandonada em idades mais precoces”, explicou Cardoso. Com essa premissa, insistirá este mês com seu projeto de voto a partir dos 16 anos, aceitando, inclusive, que são dois temas independentes. A senadora esquerdista Lucía Topolansky, mulher do presidente José Mujica, se declarou a favor da redução da idade para votar em eleições gerais, mas insistiu que se trata de um assunto à parte do debate sobre imputabilidade. No entanto, nem toda a esquerda se definiu. Envolverde/IPS

* Com contribuições de Marianela Jarroud (Santiago), Fabiana Frayssinet (Rio de Janeiro) e Darío Montero (Montevidéu).