Ressaca moral das marcas após o carnaval

Campanhas de marketing que foram muito comentadas nas redes sociais  e acabaram virando notícia nos mais diferentes e relevantes jornais, revistas e portais de notícias do país me chamaram a atenção nesse carnaval. Nos dois casos, duas marcas tiveram um grande volume de publicidade negativa atreladas a seus nomes: a cerveja Skol e o aplicativo de relacionamento Tinder.

Os detalhes das campanhas e como viraram publicidade negativa vocês já devem conhecer então, vou direto aos pontos que mais me chamaram a atenção (para quem não conhece, coloco no fim do artigo um resumo do que aconteceu).

A responsabilidade pelo uso do produto/serviço

Tanto em um caso como em outro, as duas campanhas esbarram em valores e conceitos que estão intimamente ligados ao uso do seu produto/serviço. O consumo de bebida alcóolica deixa as pessoas mais simpáticas, mais abertas, mais risonhas mas também com menos poder de decisão acertada. Quantas bobagens não fazemos quando estamos um pouco alcoolizados e no dia seguinte bate a ressaca moral puxa, eu fiz aquilo mesmo??? Que vergonha (ou que arrependimento!)”.  Uma campanha – de bebida alcóolica  – que incentiva o “deixar o não em casa” e o “topo antes de saber a pergunta” ignora, completamente,  a responsabilidade pelo uso consciente/responsável do seu produto.  Não é “só” um incentivo ao desrespeito ao “não feminino” que pode ficar subentendido, mas também a ideia de deixar rolar e acontecer tudo o que for possível já que é carnaval  mesmo e, portanto, deve ser só farra e “sem moderação”. Nada adequado para uma marca de cerveja, não acham?

Já no caso do Tinder, é brilhante a ideia do Ministério da Saúde (MS) de usar tais plataformas  de relacionamento casual (Tinder e Hornet) para atingirem seus públicos alvos.  O que não é nada brilhante é a ideia do Tinder de “ignorar” que se tratava de uma campanha super a ver com seu serviço e público alvo e assim querer remover os perfis fakes do MS. Não paro de pensar aqui o quanto faltou à responsável pela comunicação do Tinder (que disse que a empresa removeria os perfis falsos) pensar um ou dois minutos a mais, antes de tomar tal decisão, e assim evitar o mal estar nas redes sociais e na imprensa.

A reação das empresas

A Ambev teve uma reação excelente e rapidamente se desculpou, dizendo que não tinha a intenção de ser lida daquela forma e que as frases geraram entendimento dúbio. Logo começou a substituição dos anúncios com as frases “Tomou bota? Vai atrás do trio. Neste carnaval, respeite”; e “Quando um não quer, o outro vai dançar. Neste carnaval, respeite.”

Já no caso do Tinder, bem, algo que poderia, no mínimo, passar desapercebido sem gerar nenhuma notícia, ou ainda, na melhor das hipóteses, virar um case de sucesso e adaptabilidade (como fez o Hornet) gerou uma baita publicidade negativa para a empresa. Busquei informações e não achei mais nenhuma notícia a respeito que mostrasse mudança de postura da empresa. Ao que tudo indica, o Tinder removeu mesmo os perfis do MS.

O olhar dos publicitários

Fui conversar com alguns amigos publicitários para saber qual era a impressão deles a respeito do caso da Skol e ouvi que, para a maior parte deles, parecia um grande exagero do público, que não merecia tal polêmica e que, provavelmente, se fosse uma marca menor e menos expressiva fazendo a mesma campanha, ela teria passado desapercebida. Em relação ao impacto de ser uma marca grande ou não, concordei com meus colegas, ainda que com ressalvas: uma marca menor não tem tanto anúncio espalhado pela cidade, atinge um público bem menor e, talvez, menos crítico, e, para além de tudo isso, tem bem menos responsabilidade de fazer certo do que tem uma Skol, líder de mercado.

A difícil integração da sustentabilidade em todas as áreas das empresas

Demonstrar incentivo ao consumo consciente de bebidas alcóolicas é um tema recorrente na indústria desse tipo de produto – diria até que é condição sine qua non do setor, no mundo todo. A Ambev (dona da marca Skol), por exemplo, realiza há mais de 10 anos o “Programa Ambev de Consumo Responsável” com diversas iniciativas no tema.

É por isso que quando coloco as duas questões no mesmo tabuleiro – de um lado, a campanha da Skol; e, de outro, o “Programa Ambev de Consumo Responsável” – a primeira pergunta que me vêm à cabeça é: como pode tamanha desconexão entre o marketing da Skol e a responsabilidade no uso do produto, tão propagada por todo o setor? Ficam evidentes os silos individuais da empresa e que um lado não conversa com o outro, não convence o outro e que ambos não trabalham juntos.

E aqui, para mim, está o grande desafio das empresas: fazer o pensamento de sustentabilidade (gerar e manter geração de valor no longo prazo) pautar a tomada de decisões em todos os âmbitos e em todos os níveis da organização.  Não basta fazer a materialidade, a matriz de riscos, entender os temas relevantes e deixar essa agenda com o departamento de sustentabilidade. É preciso transformar esse insumo em estratégia corporativa – e depois essa estratégia em plano –  plano esse que deve permear todas as áreas da empresa. Enquanto tal integração não se tornar realidade, casos contraditórios como esse continuarão a acontecer, dia após dia, nas mais diversas empresas, dos mais diversos setores.

Torço para que a Ambev faça desse limão uma limonada ainda melhor e, como líder de mercado com várias de suas diversas marcas, possa ser exemplo do que fazer e como fazer, pautando o mercado também na publicidade de seus produtos.

Já quanto ao Tinder, também torço para que essa situação seja um aprendizado e que da próxima vez façam também um belo case de ação pró—ativa, ao invés de espontaneamente gerarem publicidade negativa.

Para quem não sabe das duas polêmicas, aqui vai um resumo das mesmas

A campanha mais importante do ano para a Skol (a época que mais se vende cerveja no Brasil é o carnaval) feita pela agência  F/Nazca Saatchi & Saatchi foi “quase” um tiro no pé. Os anúncios espalhados pelos pontos de ônibus com as frases “esqueci o não em casa” e “topo antes de saber a pergunta”  receberam atenção maior dos internautas quando duas amigas postaram fotos suas no Instagram e no Facebook, nas quais alteravam os anúncios originais e criticavam a campanha da cerveja já que tais frases poderiam incentivar à cultura de desprezo pelo “não” feminino e, portanto, endossar atos forçados desde beijos desrespeitosamente roubados até o estupro.

Campanha original com intervenção das amigas, em 11/02/15
Campanha original com intervenção das amigas, em 11/02/15
Campanha alterada pela Skol em 13/02/15
Campanha alterada pela Skol em 13/02/15

 

No caso do Tinder, o que gerou comentários negativos nas redes e na imprensa foi a reação da empresa em relação à campanha de carnaval promovida pelo Ministério da Saúde (MS) para prevenção à AIDS e outras DSTs, idealizada pelo DigitalGroup. Essa campanha utilizava a plataforma, por meios de perfis falsos (fakes), para alertar os usuários sobre os riscos de se fazer sexo sem camisinha. Entre outras mídias, o MS utilizou dois sites de relacionamento muito procurados, o Tinder e o Hornet (esse último voltado para o público gay), e neles criou perfis falsos de pessoas que procuravam parceiros para sexo eventual e sem preservativo. Quando uma outra pessoa (real) iniciava contato com esse perfil falso, o ministério da saúde enviava uma mensagem alertando para a importância do uso da camisinha. O Tinder não gostou nada do que viu e disse que iria remover os perfis falsos por não permitir uso para propaganda em sua plataforma. Já o Hornet, que também não autoriza publicidade no aplicativo, teve uma postura um tanto quanto diferente, e disse que essa era uma exceção a ser concedida, pois a iniciativa era ótima e eles iriam ajudar o MS a expandir o alcance da campanha. A reação do Tinder gerou um grande número de notícias e postagens nas redes sociais, e a maioria das pessoas se colocou contra a decisão tomada pelo aplicativo.

campanha tinder

 

* Vanessa Callau é consultora de sustentabilidade estratégica e gestão de riscos, com mais de 14 anos de experiência e formação pela Harvard Extension School. Em seu portfolio de carreira já atuou junto a dezenas de empresas líderes em seus segmentos, com foco principal na geração e manutenção de valor para as empresas, seus acionistas e demais stakeholders.