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A história se repete

Nova York, Estados Unidos, 13/10/2011 – O acampamento de jovens manifestantes desencantados no distrito financeiro nova-iorquino destaca a crescente indignação que brota nos Estados Unidos em torno da desigualdade e da persistente crise trabalhista, dando lugar a comparações com fatos históricos semelhantes. O movimento Occupy Wall Street (Ocupar Wall Steet), cujos protestes têm por epicentro a Liberty Plaza, no centro de Manhattan, gera comparações com as greves da década de 1930, realizadas pelos trabalhadores do setor automotivo, com a rebelião contracultural dos anos 1960 e com as revoltas da Primavera Árabe contra governos autoritários.

Desde então, os protestos se propagaram para mais de 30 cidades importantes, de Los Angeles, na Califórnia, até Atlanta, na Geórgia. É muito cedo para julgar se o Ocupar Wall Street será lembrado como a faísca que criou um movimento social para fazer retrocederem décadas de políticas neoliberais de desregulamentação, reduções tributárias e nos serviços públicos. É inegável que o protesto tocou uma fibra muito sensível com relação à alienação de milhões de pessoas que ficaram para trás durante a última era dourada do país.

“Isso reflete uma indignação generalizada pela economia funcionar somente para muitos poucos”, disse Robert Borosage, codiretor do Campaign for America’s Future, um centro progressista com sede em Washington. Essa revolta se reflete em duas das palavras de ordem dos manifestantes: “Os bancos foram resgatados, nós fomos vendidos” e “Somos 99%”.Os manifestantes se mostram indignados pelo fato de o governo dar US$ 787 bilhões aos principais bancos do país como ajuda após a crise financeira de 2008, enquanto destinou uma ajuda ínfima às classes pobre e média.

Os diplomados universitários estão presos em dívidas de dezenas de milhares de dólares a título de empréstimos estudantis, e são obrigados a voltar a viver com seus pais por não encontrarem emprego. Nos últimos anos, a desigualdade se aprofundou tanto nos Estados Unidos que é comparada à polarização que existiu há quase um século, antes da Grande Depressão. O 1% superior controla 33,8% da riqueza e 50,9% das ações, bônus e fundos mútuos da nação, segundo o Institute for Policy Studies, com sede em Washington.

Embora os titãs de Wall Street tenham prosperado, a classe média experimentou o que o economista Richard Freeman, da Universidade de Harvard, descreve como uma “década perdida” no começo do Século 21. A renda das famílias da classe média começou a ficar paralisada nos anos 1970, mas, na realidade, caíram, em média, de US$ 53,2 em 2000 para US$ 49,4 no ano passado, segundo o Escritório do Censo dos Estados Unidos.

Durante a primeira década deste século, a geração de empregos foi zero, a pior desde que começaram os registros. Os trabalhadores jovens não encontram trabalho de longo prazo, pelo qual o empregador realiza as contribuições tradicionais e podem ganhar um salário decente. A quantidade de desempregados (14 milhões) é praticamente a mesma existente durante a Grande Depressão.

O desemprego oficial é de 9,1%, mas a quantidade de desempregados praticamente duplica quando são incluídas pessoas que não buscam trabalho ativamente e trabalhadores de meio período que querem encontrar empregos em tempo integral. O desemprego médio dos adultos jovens com apenas um diploma de bacharel foi de 21,6% no ano passado. Para os universitários diplomados menores de 25 anos, a proporção foi de 9,6%.

Na Liberty Plaza, Gillian Cipriano, de 23 anos, queixou-se por não encontrar emprego depois de se formar em enfermagem, há menos de um ano. As políticas de austeridade do governo levam os hospitais públicos e privados a cortarem serviços e reduzirem as contratações, disse Gillian, que vive com seus pais em Staten Island, um dos cinco distritos da cidade. Borosage afirmou que o Ocupar Wall Street reflete um contragolpe nacional que começou com a oposição ao ataque do governador conservador Scott Walker contra os sindicatos em Wisconsin, onde os funcionários públicos não têm respeitados seus direitos de negociação coletiva.

A oposição lança raízes ali e em outros Estados onde governadores republicanos reduziram benefícios e proteções sindicais devido ao déficit que enfrentam. O Ocupar Wall Street ganhou um impulso importante quando vários sindicatos poderosos decidiram apoiar esse movimento. Dezenas de milhares de sindicalistas e outros simpatizantes fizeram uma manifestação no dia 5 em Foley Square, perto de um tribunal federal no centro de Manhattan, e marcharam cerca de um quilometro e meio até a Liberty Plaza.

Os manifestantes estão na Liberty Plaza desde 17 de setembro. Deles, cem ou duzentos dormem ali e outras centenas estão presentes durante o dia. Um grupo menor, inspirado em um chamado para realizar uma revolta por parte da revista canadense Adbuster, mudou-se para o local depois que a polícia desalojou seus integrantes quando montaram barracas em Wall Street. No começo, os meios de comunicação dominantes deram pouca atenção aos manifestantes, e inclusive os ridicularizaram. Porém, os ativistas saltaram para primeiro plano nacional depois que a polícia lançou gás pimenta contra algumas jovens. A prisão de 700 manifestantes no dia 1º na ponte do Brooklyn gerou maior interesse e deu nova força ao grupo.

Vídeos dos dois incidentes circularam no Youtube, servindo como ferramentas de organização para os manifestantes especialistas em tecnologia, que, como os ativistas dos levantes da Tunísia e do Egito, utilizaram seus telefones inteligentes para pedir apoio. Os manifestantes dizem não ter intenções de parar com o movimento, mesmo reconhecendo que o frio ou uma retirada pela polícia possam acabar forçando-os a abandonar o parque.

No momento, em sua cidade improvisada, realizam duas assembleias gerais diárias nas quais as decisões são tomadas por consenso, não por votação. Criaram um conta na internet que permite aos partidários de todo o mundo fazer doações e pagar pizzas em restaurantes próximos. Um gerador elétrico alimenta os computadores portáteis no Centro de Mídia. Uma biblioteca, uma área para dormir e outra para cuidados com a saúde. O grupo também publicou o The Occupied Wall Street Journal. “Buscamos uma democracia melhor. O mais importante é o modelo de nosso movimento, que é participativo e inclusivo”, afirmou Mark Bray, de 29 anos, que faz doutorado em história europeia. Envolverde/IPS