Austrália acaba com taxa sobre grandes emissores

Austrália acaba com taxa sobre grandes emissores | Envolverde
Foto: Wikimedia Commons / Conselho Climático

Governo conservador cumpre promessa de campanha e dá fim à chamada taxa de carbono, que obrigava 350 indústrias e empresas a pagarem R$ 50,14 por tonelada de gases do efeito estufa liberada para a atmosfera

O primeiro-ministro australiano Tony Abbott finalmente conseguiu alcançar um dos objetivos centrais de sua plataforma de governo: acabar com a taxa de carbono.

Em uma decisão que deixa a Austrália sem nenhuma forma de controle sobre as emissões de gases do efeito estufa (GEEs), o Senado do país decidiu, por 39 votos contra 32, que a taxa deveria ser extinta.

“A taxa de carbono se foi! Essa é uma grande notícia para as famílias australianas e para as pequenas empresas de nosso país. Durante minha eleição, assumi compromissos como acabar com essa taxa, enxugar o orçamento e construir o caminho para o século XXI. Todas essas metas foram estabelecidas para ajudar as famílias australianas. Estamos honrando nossas promessas e estabelecendo uma economia mais forte, segura e próspera para a Austrália”, declarou Abbott assim que a votação foi encerrada.

O entusiasmo do primeiro-ministro é rebatido pelo pessimismo da senadora Penny Wong, ministra de Mudanças Climáticas do governo anterior. “Acredito que as futuras gerações olharão para trás e ficarão assombradas. O senhor Abbott entrará para a história como uma das pessoas mais sem visão e egoístas a ocupar o cargo de primeiro-ministro.”

A taxa de carbono entrou em vigor em 2012 e obrigava 350 das maiores empresas da Austrália – as que emitem mais de 25 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) ao ano -, a pagarem A$ 24,15 (R$ 50,14) por tonelada de CO2e liberada.

De acordo com a Universidade Nacional da Austrália, a taxa, em seus dois anos de existência, evitou as emissões de 17 milhões de toneladas de CO2e.

Já segundo o Grupo de Investidores sobre Mudanças Climáticas (IGCC), as emissões das 350 empresas cobertas pela taxa caíram de 342 milhões de toneladas de CO2e em 2011-2012 para 321 milhões de toneladas em 2012-2013.

Para o atual governo, a taxa é uma ameaça para a competitividade da indústria australiana, que já arca com leis ambientais mais rígidas do que a maioria de seus vizinhos, como a China.

Além disso, representaria um custo de A$ 550 ao ano para as famílias australianas, especialmente devido ao maior preço da energia. Os números oficiais sugerem que o custo da energia na Austrália subiu 9% desde 2012.

Abbott planeja agora colocar em prática o Plano de Ação Direta, que traça novas diretrizes para as políticas climáticas australianas.

O Plano estabelece o Fundo de Redução de Emissões, com A$ 2,55 bilhões (R$ 5,24 bilhões), para financiar ações que ajudem a alcançar a meta do país de cortar as emissões em 5% até 2020 com relação aos níveis de 2000.

Mas esse novo “modelo” já foi criticado por diversas entidades ambientalistas, que enxergam nele apenas uma forma de repassar dinheiro para as empresas que deveriam buscar por si mesmas contribuir para reduzir emissões.

Repercussão

O fim da taxa foi bem recebido pelas organizações industriais australianas.

“A economia australiana já enfrenta muitos obstáculos em um mundo globalizado, no qual temos que competir com todos os outros países (…) Se vamos mesmo reduzir emissões, é preciso que isso seja feito de uma forma que não onere as nossas empresas”, afirmaram em uma declaram conjunta o Conselho de Negócios da Austrália, o Conselho de Mineração e o Grupo Industrial Australiano.

Porém, de uma forma geral, tanto líderes internacionais quanto entidades ambientalistas se mostraram decepcionados com o fim da taxa.

“A União Europeia lastima o fim da precificação do carbono na Austrália. A UE está convencida de que colocar um preço nas emissões é a melhor ferramenta para promover a transição para o novo paradigma econômico que o mundo precisa”, afirmou Connie Hedegaard, comissária climática da UE.

“Com o fim do mecanismo de precificação de carbono na Austrália, evidentemente acabaremos com nosso diálogo com o governo australiano sobre uma possível conexão entre nosso mercado de carbono (EU ETS) e um futuro esquema na Austrália”, completou.

Segundo Dermot O’Gorman, presidente do WWF-Austrália, poluir agora é de graça no país. “As emissões vão subir, logicamente. Sem um mecanismo que as controle, será muito difícil que a Austrália consiga cumprir sua meta assumida internacionalmente de cortar as emissões.”

A Associação Internacional de Comércio de Emissões (IETA) se disse desapontada e surpresa pela decisão da Austrália. A entidade lembrou que é um movimento contrário ao que se percebe em todo o mundo: China, Coreia do Sul, África do Sul, México e diversos estados norte-americanos estão desenvolvendo algum tipo de precificação do carbono.

“Estamos desapontados de ver a Austrália novamente sendo atacada pela incerteza quanto às políticas climáticas. Especialmente quando muitos outros países estão indo em direção à criação de mercados de carbono ou de algum outro tipo de mecanismo para controlar as emissões”, declarou Dirk Forrister, presidente da IETA.

http://pt.scribd.com/doc/220029576/Emissions-Reduction-Fund-White-Paper
http://pt.scribd.com/doc/220029576/Emissions-Reduction-Fund-White-Paper

Vulnerabilidade

O fim da taxa não deve significar o término dos debates climáticos na Austrália. O país é assolado frequentemente por eventos extremos e é considerado muito vulnerável ao aquecimento global devido ao seu clima quente e, em grande parte, desértico.

De acordo com o relatório ‘Angry Summer‘, divulgado em março pelo Conselho Climático (Climate Council), organização independente que substituiu a antiga Comissão Climática do governo australiano, extinta pelo primeiro-ministro Tony Abbott, foram 156 recordes de calor pelo país no verão de 2014, sendo que Melbourne registrou seu dia mais quente na história, com temperatura média de 35,5°C.

Praticamente todo o país sofreu com o calor, com cidades como Adelaide apresentando cinco dias consecutivos com mais de 42°C e Camberra com 20 dias de pelo menos 35°C. A mais alta temperatura foi atingida na localidade de Emu Creek, 49,2°C.

Com essas temperaturas, o verão 2013/2014 entrou para lista das temporadas mais quentes já registradas na Austrália e confirmou uma tendência apontada por cientistas de que os extremos de calor são o novo “normal” para os verões do país, já que oito dos mais quentes verões ocorreram nos últimos 15 anos.

“O atual verão é mais um exemplo de como as mudanças climáticas estão batendo todos os recordes históricos. Não é apenas uma única temporada de anomalias, mas uma tendência de eventos climáticos extremos”, concluiu Tim Flannery, um dos autores da análise.