Brasil reconhece violência contra jornalistas como problema de Estado e divulga medidas de proteção

Foto: Roberto Vinicius/Creative Commons
Foto: Roberto Vinicius/Creative Commons

O Brasil anunciou uma série de medidas para a proteção de jornalistas após levantamento oficial mostrar que, de 2009 a 2014, ao menos 321 profissionais de imprensa sofreram alguma forma de agressão como atentado à liberdade de expressão. Dentre eles, 18 foram assassinados, colocando o país como um dos mais perigosos do mundo para o exercício da profissão.

“Toda violência contra os comunicadores fere o princípio da liberdade de expressão. [… ] A democracia se fortalece combatendo todas as formas de censura e de violência, que venha de traficantes ou de aparato do Estado”, disse a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) ao lançar nesta terça-feira (11) o relatório do Grupo de Trabalho “Direitos Humanos dos Profissionais de Comunicação no Brasil” (GT) durante reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – que completa 50 anos este mês.

O estudo afirma que o envolvimento de autoridades locais e policiais na violência contra comunicadores é evidente e destaca a impunidade como fator que impulsiona novas ameaças, assim como a necessidade de proteger os jornalistas sem impedir a continuidade de sua atuação profissional.

O documento do Governo Federal também registra riscos para os profissionais que atuam nas regiões de fronteira por causa de traficantes de diferentes ilícitos que, após ameaçarem jornalistas, atravessam as fronteiras para que não sejam investigados pelas autoridades brasileiras. Denúncias apontam, ainda, que esses atores financiam campanhas eleitorais.

A pesquisa feita ao longo de aproximadamente um ano pelo GT foi coordenada pela SDH, com a participação de diversos órgãos federais e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Uma análise jurídica nacional e internacional foi feita paralelamente a consultas a uma série de profissionais de comunicação, organizações que atuam na defesa da liberdade de expressão e na proteção de jornalistas, incluindo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão, Federação Nacional dos Jornalistas, Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária, Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores de Comunicação, Associação Nacional de Jornais, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, Comitê para a Proteção de Jornalistas, Press Emblem Campaign, Federação Internacional de Jornalistas, Repórteres Sem Fronteira, Artigo 19, Intercâmbio Internacional pela Liberdade de Expressão e Associação Interamericana de Imprensa.

A ministra agradeceu ainda ao relator especial das Nações Unidas sobre liberdade de opinião e de expressão, Frank La Rue, que veio três vezes ao Brasil para colaborar com o trabalho, à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e ao Centro de Informação da ONU para o Brasil (UNIC Rio).

O documento final está baseado também no Plano das Naões Unidas sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade. “Queremos seguir as normativas internacionais das Nações Unidas, e queremos tambem exportar nossa experiência”, acrescentou Maria do Rosário.

O relatório sublinha o perigo que se tornou a cobertura de protestos, com a ação policial repressiva e violenta contra jornalistas e manifestantes. Ressalta, entretanto, que os profissionais de mídia também são ameaçados, em menor escala, pelos que participam dos protestos e que os veículos de comunicação têm a responsabilidade de oferecer condições de segurança a seus funcionários.

O relatório do GT sugere o estabelecimento, em parceria com a ONU,de um Observatório da Violência contra Comunicadores com gestão de um Comitê Gestor bipartite, composto por organizações da sociedade civil que atuem na área de combate à violência contra comunicadores, e setores do Estado considerados estratégicos para o tema.

A proposta do GT é que a instituição possibilite o tratamento das violações contra comunicadores no exercício profissional de forma plural, de acordo com seu nível de gravidade e necessidades específicas de encaminhamentos, sendo assim estruturada:

  • Unidade de Recebimento de Casos – terá como atribuição o recebimento da denúncia, encaminhamento e acompanhamento dos desdobramentos;
  • Sistema de Indicadores – uma plataforma web que permitirá que qualquer cidadão tenha acesso a um panorama constantemente atualizado sobre violência contra comunicadores no país;
  • Mecanismo de Proteção aos Comunicadores – uma linha de atuação do Sistema Nacional de Proteção da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República que atue na esfera protetiva, levando em consideração as especificidades inerentes a prática profissional dos comunicadores.

 

O documento apresentado pelo GT faz uma série de recomendações a diversos Poderes constituídos e também às empresas de comunicação, dentre elas:

  • A federalização da apuração de crimes contra jornalistas quando houver omissão ou ineficiência na apuração, ou suspeita de envolvimento de autoridades locais;
  • O acionamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em caso de omissão ou ineficiência no processamento e julgamento, ou suspeita de envolvimento de membros do Poder Judiciário;
  • Que o Ministério da Justiça elabore estudo sobre equipamentos de segurança e ofereça treinamento aos profissionais da comunicação, em parceria com as empresas e profissionais independentes ou autônomos; padronize protocolo de atuação das forças de segurança pública com aplicação do princípio da não violência;
  • Que o Ministério das Comunicações implemente medidas de garantia do exercício dos sistemas público/comunitário nas localidades cobertas/servidas por esse serviço;
  • Que o Congresso Nacional aprimore sistema de federalização da investigação de crimes contra a liberdade de expressão e o Incidente de Deslocamento de Competência para os processos judiciais relativos aos crimes contra direitos humanos, ampliando as autoridades que podem requerer a aplicação de tal dispositivo; além de chegar a um consenso sobre direito de resposta;
  • Que o CNJ firme colaboração com o Observatório para acionamento do “justiça plena”;
  • Que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana estabeleça parceria a UNESCO para produção de relatório nacional dos “Indicadores de Segurança dos Jornalistas”;
  • Que os veículos desenvolvam mecanismos de proteção destinados às suas equipes na realização de sua atividade profissional, podendo buscar apoio do Estado, assim como estratégias próprias para melhor identificação e afastamento do risco à integridade física de seus profissionais.

 

Para saber mais sobre a violência contra jornalistas no Brasil e no mundo, acesse: www.segurancadejornalistas.org.

* Publicado originalmente no site ONU Brasil.