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Consenso de Brasília, modelo para a América Latina

Caracas, Venezuela, 4/10/2012 – Depois do neoliberalismo do Consenso de Washington, que gerou mais de uma década social perdida, a América Latina experimenta com maior êxito uma receita própria: o Consenso de Brasília, que conjuga economia de mercado e inclusão social. Batizado por Michael Shifter, presidente do independente Diálogo Interamericano, como Consenso de Brasília por se contrapor ao Consenso de Washington, o modelo brasileiro, também conhecido como “lulismo”, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ganha seguidores latino-americanos entre governos de esquerda e de direita.

Dilma e Lula quando preparavam a transição de governo. Foto: Wilson Dias/ABR

“O modelo brasileiro tem um impacto muito positivo como exemplo de que as coisas podem ser feitas de outra maneira: promovendo o crescimento sem renunciar à igualdade social”, disse à IPS o secretário permanente do Sistema Econômico Latino-Americano (Sela), o mexicano José Rivera. América Latina e Caribe, afirmou, “devem ter como aspiração regional estarem integrados, vinculados e unidos no objetivo comum de redução das assimetrias e de avanço nas grandes dívidas sociais pendentes”.

Segundo Rivera, para fazer esse caminho “são positivos os exemplos, mas apenas se são próprios, de governos, eficientes na abordagem da dívida social que não para de aumentar na região, onde um em cada três latino-americanos vive na pobreza e cerca de 90 milhões sobrevivem com menos de um dólar por dia”. Consultado pela IPS, Shifter afirmou que as características do Consenso de Brasília “seguem intactas e vigentes”, apesar de Lula ter deixado a Presidência do Brasil em janeiro de 2011, de o contexto internacional ter piorado e, em consequência, também o regional.

“Não mudou o modelo que representa, de dar ênfase a três eixos: crescimento econômico, igualdade social e governabilidade democrática”, afirmou Shifter. Ele acrescentou que a confirmação de sua propagação como diretriz de governança para numerosos países da região, seja qual for o ideário político de seu presidente ou sua presidente. Isto contrasta com o ocaso “ou enquadramento” de outras propostas mais radicais, que o mandatário venezuelano, Hugo Chávez, comandou na primeira década do século.

Trata-se de uma visão contraposta ao pacote de medidas que os organismos financeiros internacionais e centros de poder com sede em Washington impuseram à América Latina após a explosão de suas crises de dívida soberana em 1984 e, sobretudo, durante a década de 1990. O programa de dez pontos, sínteses da ideologia neoliberal, forçou a inclementes ajustes, com eliminação do déficit fiscal, reordenamento do gasto, liberalização financeira e monetária, aumento de impostos, abertura de mercados e investimentos, e maciças privatizações. Tudo para pagar a dívida e estabelecer novas bases para o crescimento econômico.

Na prática, as reformas estiveram longe de gerar crescimento, promoveram a desindustrialização regional e fizeram cair o produto interno bruto por quase uma década, balizado por várias crises financeiras nacionais, algumas de alcance global. Contudo, o mais grave foi seu impacto nas pessoas. Durante a “década perdida” foi minimizado o gasto social em todas as áreas, especialmente, em educação, saúde, moradia e assistência aos setores mais vulneráveis, enquanto também pioravam as condições de trabalho.

A consequência foi o aumento da pobreza e da indigência, surgimento de mais assentamentos irregulares nas cidades e predomínio da economia e do trabalho informais, entre outros impactos negativos. Durante seus oito anos de governo (janeiro de 2003 a janeiro de 2011), Lula consolidou outro modelo que mantém o pilar da estabilidade macroeconômica e fiscal, a autonomia da autoridade monetária e o livre câmbio, mas que soma agressivas políticas industriais e de produção interna.

Além disso, acrescenta-se como prioridade a inclusão social, com aumentos de salários, geração de empregos formais e alto gasto em políticas para erradicar a fome, reduzir a pobreza, melhorar a educação e a saúde e, em geral, maior transferência da renda para a sociedade. Como marco reitor, a democracia, com ampliação de direitos e o incentivo à participação da sociedade e sua organização desde a base.

Shifter, cujo instituto tem sede em Washington, assegurou que a sucessora de Lula “decidiu ter menor protagonismo global do que seu antecessor, mas isso não afeta o modelo do Consenso de Brasília. Dilma Rousseff tem outro estilo, outras prioridades e outra liderança”. A presidente aplicou diferentes políticas para estimular a economia e amortizar o impacto da recessão econômica no Norte industrial, especialmente na Europa. Também se preocupa em reforçar os programas sociais nesse novo cenário desfavorável.

Uma frase que disse recentemente destaca a postura de Dilma: “o que quero, e pelo que luto, é que o Brasil se converta na sexta potência social”, afirmou sobre o fato de o país ter passado a ser a sexta economia mundial e avançando para a quinta posição. Entre os países latino-americanos cujos governos têm como guia geral, com suas variáveis, o Consenso de Brasília, Shifter citou Chile, Colômbia, El Salvador e Uruguai.

Outras administrações tomam vários elementos, e, como “híbridos” entre o lulismo e o chavismo colocou Argentina e Paraguai, sendo este até a deposição de seu presidente Fernando Lugo, em junho. Shifter deu destaque especial ao caso do presidente do Peru, Ollanta Humala, que escolheu o lulismo e não o modelo “bolivariano de Chávez”, abrindo seu ocaso regional. Também considerou importante que na Venezuela o candidato de oposição para as eleições do dia 7, Henrique Capriles, “destacar que seu modelo é Lula, e que seu programa confirma isso”.

Porém, embora o Consenso de Brasília não tenha pés de barro, tem barro nos pés, por sua forma de desenvolvimento histórico e também, no passado imediato, pelas sequelas do Consenso de Washington. Rivera destacou que as brechas sociais continuam presentes na região e que “é preciso um grande e contínuo esforço para consolidar a inclusão e a igualdade sociais”. Segundo o chefe do Sela – que reúne 28 países latino-americanos e caribenhos –, a região tem diante de si três desafios.

O primeiro é “crescer a taxas maiores do que as atuais e de maneira sustentada, porque não é sadio um comportamento irregular e para que os Estados possam enfrentar seus compromissos com a população”. Em segundo lugar, o crescimento deve ser sustentável. É preciso ir para um crescimento de economia verde, porque até agora se destruiu o meio ambiente, foram prejudicados os recursos naturais e se produziu de forma ineficiente.

Em terceiro lugar está o desafio da inclusão e o de abrir espaços nos mercados internos para que as pessoas saiam da pobreza e se incorporem à classe média. E esta combinação de metas exige, “definitivamente, uma nova reitoria do Estado”, que elimine as ainda muito visíveis cicatrizes do Consenso de Washington, ressaltou Rivera. Envolverde/IPS