Despejo de esgoto no Rio Negro é contestado por pesquisadores

Despejo de resíduos podem aumentar danos no rio Negro Foto: Alberto César AraújoDespejo de resíduos podem aumentar danos no rio Negro Foto: Alberto César Araújo
Despejo de resíduos podem aumentar danos no rio Negro Foto: Alberto César AraújoDespejo de resíduos podem aumentar danos no rio Negro Foto: Alberto César Araújo

 

A proposta do governo do Amazonas de adequar à legislação brasileira o despejo de efluentes do sistema de esgoto sanitário de Manaus no rio Negro vem preocupando cientistas que estudam as características químicas e biológicas da bacia.

Para estes cientistas, o rio Negro não tem capacidade autodepurativa e de absorção de resíduos, diferente do que afirma o grupo de especialistas e consultores cujos estudos estão respaldando o projeto do governo do Amazonas e da concessionária de abastecimento de água Manaus Ambiental. Eles alertam também para o fato de que o rio Negro, em médio prazo, estará com sua capacidade esgotada para continuar recebendo efluentes sanitários. Para outros, é preciso oferecer alternativas de destinação dos resídios.

“Se você pegar 100 litros de fezes de uma cisterna e jogar na bacia do rio Negro, evidentemente o rio vai dispersar. Mas é uma quantidade pequena. Agora imagine fazer isto constantemente, todos os dias. Multiplique essa quantidade por quase dois milhões de pessoas, que é a população de Manaus, e descubra as toneladas que serão jogadas no rio”, diz o químico Sérgio Bringel, doutor em hidrogeoquímica de pequenos e grandes rios da bacia Amazônia e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Sérgio Bringel, que é membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), é um dos maiores críticos da proposta de regulamentação do emissário subfluvial (sistema de processamento e tratamento do esgoto) sem que pesquisas aprofundadas sobre as condições do rio realmente comprovem que não há risco da poluição se agravar.

Domitila Pascoaloto, bióloga e pesquisadora da Coordenação de Dinâmica Ambiental do Inpa, também questiona a proposta da regulamentação da construção do emissário subfluvial. Ela diz que o rio Negro não tem capacidade autodepurativa, pois possui características distintas de outros rios. A pesquisadora afirma a água dele é ácida e tem Ph e temperaturas diferentes.

Domitila Pascoaloto diz que rio Negro não tem capacidade de autodepuração. Foto: Elaíze Farias
Domitila Pascoaloto diz que rio Negro não tem capacidade de autodepuração. Foto: Elaíze Farias

“Eles acham que o rio Negro tem capacidade de diluição suficiente porque só olham seu volume e vazão. Se tivesse esta capacidade, por que teríamos tanto coliformes fecais na orla do rio e uma taxa altíssima concentrada de metais vindo das fábricas do Distrito Industrial? A comunidade em geral tem o direito de saber o que o governo vai ou pode fazer com o principal rio de Manaus”, afirma Domitila Pascoaloto, que também é membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos.

Contaminação

A Manaus Ambiental tem apenas duas Estações de Pré-condicionamento de Esgotos Sanitários (EPC) que abrangem as áreas do Centro e do bairro Educandos. Juntas, são chamadas de EPC Centro-Educandos. Elas foram implantadas em 1975 quando a empresa de água ainda não era privatizada e se chamava Companhia de Saneamento de Manaus (Cosama). A atual concessionária diz que as EPCs foram recuperadas. É por meio da EPC Centro-Educandos que os efluentes são submetidos a diferentes procedimentos de tratamento e jogados na foz dos igarapés e, em seguida, no rio Negro.

Mas, para Domitila, seriam necessárias “várias” estações semelhantes para que os efluentes não fossem despejados diretamente na bacia do rio Negro. “Antes que o rio Negro seja transformado numa latrina, que tratem e façam várias estações de esgoto sanitário”, disse.

Sérgio Bringel diz que, como membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, vai “votar contra a medida” sobre o emissário subfluvial.

“Hoje temos uma contaminação do rio que está chegando ao porto da Ceasa. Os impactos dos dejetos humanos estão sendo notados. Isso tudo tem a ver com o emissário que existe e que eles querem legalizar. Quando vejo algum especialista dizer que a água do rio Negro é autodepurativa eu convido para tomar banho no Amarelinho (praia localizada no bairro Educandos, à margem do Negro), para ver se ele aceita”, ironizou.

Sérgio Bringel considera a alternativa viável e inteligente para o despejo a construção de várias estações de tratamento, não apenas com separação dos resíduos orgânicos humanos (fezes), mas com processamento químico e biológico.

“O que posso dizer é que essas medidas não são tomadas de forma transparente. Não vi até agora um dado químico que atesta que o rio Negro faz tudo isso que eles dizem que faz”, disse Bringel. (Leia entrevista com pesquisador que defende o emissário subfluvial)

Residências do Prosamim aumentaram pressão sobre esgoto sanitário. Foto: Alberto César Araújo
Residências do Prosamim aumentaram pressão sobre esgoto sanitário. Foto: Alberto César Araújo

Prosamim

O posicionamento dos pesquisadores é o oposto da avaliação de outros especialistas, para quem o rio Negro tem capacidade de receber efluentes sanitários. É com base nesta análise que o governo do Amazonas quer propor a adequação do emissário subfluvial à legislação ambiental brasileira. Atualmente, o único licenciamento ambiental para o sistema é o expedido pelo órgão estadual, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam).

Nos últimos anos, o governo vem tomando medidas para ao destino do esgoto sanitário das unidades habitacionais do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim). Em sete anos de existência, o Prosamim já reassentou mais de 12 mil famílias que viviam à margem de igarapés (que foram todos canalizados) e realizou obras de urbanização, por meio de um investimento de US$ 900 milhões entre financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e recursos dos governo federal e estadual. Atualmente, o esgoto sanitário das residências ocorre via Estações Elevatórias de Esgoto (EEE), espécie de estações de passagem até a EPC Centro-Educandos. Para especialistas, esse processo sobrecarrega a EPC Educandos.

Em abril deste ano, consultores de diferentes instituições (a maioria de outras regiões) assinaram um documento intitulado Carta de Manaus, no qual afirmam que “houve consenso de que é viável a utilização de rios, como o rio Negro, como corpos receptores de efluentes sanitários, por meio de alternativas de tratamento e lançamento, através de emissário subfluvial, considerando a autodepuração em corpos hídricos com grande capacidade de diluição”.

O objeto dos especialistas é submeter a decisão às normas dos conselhos nacionais de meio ambiente e recursos hídrico, entre outras regulamentações. A medida quer ampliar e regulamentar uma cobertura de rede de esgoto que já existe em toda a cidade. Na prática, o sistema de esgoto seria integrado, juntando todos os conjuntos habitacionais da cidade, especialmente as residências do Prosamim. O Projeto Prosamim foi procurado, mas disse que o assunto está sendo tratado pela Secretaria de Estado de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos (SMGRH) e delegou a este órgão se pronunciar.

A proposta estava na pauta de discussão do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH) marcada para o mês passado, mas foi adiada para esta semana. O portal foi informado que a nova reunião foi outra vez suspensa.

Mudança na legislação

O portal Amazônia Real tentou durante cinco dias obter informações oficiais do governo do Amazonas sobre o assunto por meio Secretaria de Estado de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos (SMGRH), que está encaminhando o tema dentro da esfera estadual. A reportagem enviou email falando que especialistas entrevistados posicionaram-se contrários à proposta do governo.

Na última sexta-feira (29) à noite, a SMRGH enviou nota (sem fazer referência ao posicionamento dos cientistas contrários) na qual informa que embora os investimentos na recuperação da Estação de Tratamento de Esgoto e da construção do emissário fluvial já estejam aprovados no âmbito dos trabalhos da Unidade Gestora do Prosamim e BID, apenas o licenciamento ambiental da recuperação da Estação de Tratamento de Esgoto foi deferido pelo órgão ambiental.

A secretaria diz que “com as discussões no Conselho Estadual de Recursos Hídricos, buscar-se-á aprovar uma moção no sentido de discutir o tema no Conselho Nacional de Recursos Hídricos e que o mesmo, em conjunto com o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) aprove ou inclua nas resoluções existentes, a regulamentação para o licenciamento ambiental de obra de emissários fluviais, como é o caso da cidade de Manaus”.

A secretária-executiva da Secretaria de Estado de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos (SMGRH), Jane Crespo, que também foi procurada desde o dia 26, enviou email na última sexta-feira dizendo que uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) suprimiu, “erroneamente”, o termo emissário subfluvial do texto. Esta situação, segundo Jane, está causando desconforto para o licenciamento ambiental.

“Já foram feitos alguns seminários para o entendimento do funcionamento e capacidade de aporte de poluentes do Rio Negro. Ainda é um assunto sensível e o Conselho Estadual de Recursos Hídricos está programando reuniões nas câmaras técnicas e na plenária para amadurecimento do tema. A estratégia que estamos usando é a de juntar todas as manifestações possíveis e elaborar uma correspondência técnica para o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, no qual o Amazonas possui acento, para que possamos fazer a correção da Resolução junto ao Conama. Esperamos que até março de 2014 este assunto esteja resolvido”, disse.

* Publicado originalmente no site Amazônia Real.