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Jornada funesta para a Amazônia brasileira

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José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, assassinados no dia 24, no Pará.
Rio de Janeiro, Brasil, 25/5/2011 – No mesmo dia em que o Congresso brasileiro aprovou parcialmente normas que favorecem o avanço da fronteira agropecuária, um casal de ativistas que lutava contra o desmatamento ilegal foi assassinado no Norte do país.

Após vários adiamentos, a reforma do Código Florestal foi aprovada na Câmara dos Deputados na noite do dia 24, por 410 votos a favor contra 63 e uma abstenção. Proposta pelo deputado do Partido Comunista do Brasil, Aldo Rebelo, a reforma do Código Florestal vigente desde 1965 é, para os ambientalistas, a primeira grande derrota da presidente Dilma Rousseff que, junto ao bloco do PT não conseguiu disciplinar a coalizão aliada do governo.

“Esta votação significa o maior retrocesso da legislação ambiental brasileira das últimas décadas”, disse à IPS o coordenador-adjunto do Instituto Socioambiental, Raul Silva Telles do Valle. É uma “lei que olha para o passado, não para o futuro”, disse à IPS o superintendente de conservação do Fundo Mundial para a Natureza – Brasil (WWF Brasil), Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza. Se este texto for confirmado no Senado, e sancionado pela presidente, será o fim das metas brasileiras de redução de gases-estufa, alertou Raul.

O projeto permite o uso de áreas de preservação permanente já ocupadas com produções agropecuárias e silvícolas, ecoturismo e turismo rural, desde que o desmatamento tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008, e estabelece uma anistia de multas para os responsáveis por esse desmatamento em terrenos de até 400 hectares.

Segundo o Código Florestal de 1965, as áreas de preservação permanente são aquelas que, “coberta ou não por vegetação nativa, têm a função de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo genético de fauna e flora, proteger o solo e garantir o bem-estar das populações humanas”. Por exemplo, as margens e as nascentes de rios e os cumes e encostas de morros, nos quais não é permitido nenhum tipo de exploração.

A votação teve uma “triste coincidência simbólica”. No mesmo dia, pela manhã, foram assassinados a tiros José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, um casal de dirigentes do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta-Piranheira. A família dos assassinados denunciou que pistoleiros armaram uma emboscada no município de Nova Ipixuna, no amazônico Estado do Pará. O casal denunciava a extração irregular de madeira na região e já havia sofrido ameaças. “O Brasil acordou com a notícia do assassinato de dois líderes extrativistas, e vai dormir com o assassinato do Código Florestal”, disse à imprensa o ecologista Paulo Adario, da filial brasileira do Greenpeace.

Para Raul, a votação e o assassinato “são parte do mesmo movimento político que entende que a conservação ambiental impede o crescimento”, expoente dos setores agrícolas “mais atrasados” que “defendem um modelo do Século 18”, acrescentou.

O Código Florestal até agora em vigor estabelece a reserva legal, uma área “localizada dentro de uma propriedade ou posse rural, com exceção da área de preservação permanente, necessária para o uso sustentável dos recursos naturais”, a conservação e reabilitação de processos ecológicos e da biodiversidade e a proteção de fauna e flora nativas.

Na Amazônia Legal (delimitação política que inclui os Estados parcial ou totalmente cobertos por esse bioma), a proporção de reserva legal nas propriedades agrárias em áreas de selva é de 80%. Se a propriedade fica em áreas de savana tropical da Amazônia legal, a reserva é de 35%, e cai para 20% no restante do país. Mas estas normas não são cumpridas. Por isso, para Aldo Rebelo, a anistia de multas permitirá regularizar 90% das propriedades rurais que violam a legislação. O país possui 5,3 milhões de quilômetros quadrados de selvas, dos quais 1,7 milhão de quilômetros quadrados estão protegidos.

Aldo Rebelo disse atuar em nome de “interesses nacionais” e não de organizações não governamentais ambientalistas. “É uma vitória do Congresso. O código atual tinha a marca das ONGs, este tem a marca do Brasil”, reforçou a presidente da poderosa Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, senadora Kátia Abreu, para quem o projeto significa “o fim da insegurança jurídica no campo”.

O desmatamento amazônico chegou a 700 mil hectares entre 2009 e 2010, a menor taxa desde que começou a ser medido em 1988. Contudo, um informe oficial preliminar revelou, no dia 19, que, entre agosto de 2010 e abril deste ano, o desmatamento aumentou 27% em relação ao mesmo período do ano anterior, concentrado, sobretudo, no Estado do Mato Grosso, um fenômeno que o governo atribui à expectativa de aprovação da anistia.

Para controlar a situação, Dilma criou um gabinete de crise e enviou 500 fiscais ambientais e soldados da Força Nacional de Segurança e da Polícia Florestal para as áreas afetadas. Carlos Alberto afirmou que a disputa do setor agropecuário para flexibilizar a legislação florestal ocorre em um contexto de preços internacionais muito altos. No Mato Grosso, o ganho deixado pela soja aumentou quase 100% em um ano, acrescentou. Isto representa lucro anual de R$ 1 milhão para uma propriedade de mil hectares, o que “permite compra não apenas novas picapes, mas desmatar mais”, ressaltou.

Para o diretor da WWF-Brasil, a anistia, o aumento do lucro e o controle estatal do desmatamento, maior mas ainda insuficiente, constituem “uma combinação explosiva. Como um país que busca ser líder nos temas climáticos e que será sede da próxima Cúpula da Terra Rio+20 pode mostrar uma lição de casa tão ruim?”, perguntou.

O projeto também pode acabar transferindo para governos municipais e estaduais a faculdade de regularização ambiental das propriedades, o que reduzirá “os mecanismos de controle do Estado” e facilitará que os infratores evitem punições como embargo da propriedade e cancelamento de créditos ou de renda pela venda de produtos plantados ilegalmente, disse à IPS o ativista da campanha amazônica do Greenpeace, Marcio Astrini.

“O mundo também perde, porque o Brasil é um importante emissor de gases-estufa e não poderá cumprir sua meta” de reduzir essa contaminação entre 36% e 38,9% até 2020, disse Raul. Ganha “o setor mais atrasado do agronegócio, que não quer investir nada para adequar-se a padrões mínimos de sustentabilidade”, acrescentou. Por seu lado, Marcio destacou que pelo menos 15 legisladores se beneficiarão da anistia porque são fazendeiros com elevadas multas ambientais pendentes, sem contar os que receberam financiamento eleitoral de setores vinculados ao agronegócio. Além disto, “o Brasil tem compromissos internacionais de manter sua produção de soja e carne desvinculada do desmatamento. Uma lei que incentiva o corte de árvores coloca em risco esses compromissos”, afirmou Marcio.

Para Carlos Alberto, a votação e o assassinato dos ambientalistas “seguem uma mesma linha”. O Brasil “melhorou muito nos últimos anos”, mas o Estado ainda não está presente em regiões afastadas como o município amazônico onde foram executados os dois camponeses, nem conseguiu criar um estímulo para uma agricultura moderna, de alta produtividade e que conserve seus recursos naturais, concluiu. Envolverde/IPS