Mudanças no regime de propriedade em Cuba

Havana, Cuba, 10/5/2011 – O Partido Comunista de Cuba (PCC) divulgou ontem seu programa de desenvolvimento econômico e social para os próximos cinco anos, com reformas no sistema de propriedade de moradias e automóveis, e a possível abertura ao turismo internacional para os habitantes da ilha, entre outras novidades. “No final, a burocracia vai acabar”, disse à IPS um homem de meia idade após comprar seu exemplar das “Diretrizes da Política Econômica e Social”, aprovadas no sexto congresso do PCC realizado em abril. “Vim bem cedo e consegui, porque os 300 exemplares colocados à venda voaram”, acrescentou.

O documento que começou a ser vendido em todo o país propõe “estabelecer a compra e venda de meios automotivos entre particulares”, bem como de moradias, duas demandas de grande parte da população cubana. “Tomara que isso aconteça logo”, afirmou a fonte que não quis se identificar. Até agora, as pessoas são donas de um automóvel ou de uma casa, mas só podem vender esses bens ao Estado.

Quanto à moradia, também ficou decidido “flexibilizar outras formas de transição da propriedade (permuta, doação, entre outras) entre pessoas naturais” e agilizar os trâmites para a transferência da propriedade, construção ou reforma. A decisão tem por objetivo facilitar a solução das demandas habitacionais dos moradores da ilha. O grave déficit habitacional, estimado em 600 mil unidades, é um dos problemas sociais graves que afetam a população cubana de 11,2 milhões de pessoas, agravado pelos frequentes furacões.

Entre outras linhas de trabalho, o PCC acordou prestar especial atenção aos programas de moradia em nível municipal, a partir de matérias-primas e tecnologias disponíveis em cada lugar, bem como promover a construção de casas mediante modalidades diversas, que incluem o esforço próprio e outras vias não estatais.

Na área do turismo, decidiu-se, entre outras medidas, “estudar uma política que facilite aos cubanos residentes no país viajar ao exterior como turistas”, possibilidade inédita desde 1959, salvo as viagens de estímulo para a hoje desaparecida União Soviética e para o campo socialista europeu, organizadas nos anos 1970 e 1980 por entidades oficiais para trabalhadores que se destacavam.

O programa de trabalho acordado pelo PCC, para trazer à tona e atualizar o modelo econômico, contém 313 “diretrizes” ou acordos sobre a estratégia a seguir em matéria de gestão econômica, macroeconomia e política externa, que inclui comércio exterior, dívida e créditos, investimento estrangeiro, colaboração e integração. Neste último caso, será dada prioridade à participação na Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), impulsionada por Cuba e Venezuela, e também integrada por Bolívia, Nicarágua, Dominica, Equador, Antigua e Barbuda, e San Vicente e Granadinas. Também continuará com sua integração econômica com a América Latina e o Caribe, “como objetivo estratégico”.

O documento também desenha a política integral de ciência, tecnologia e meio ambiente, bem como a estratégia a seguir nos setores agropecuário, industrial e energético, na qual se prevê dar atenção prioritária ao impacto ambiental associado ao desenvolvimento, em particular nos ramos do petróleo, química, petroquímica e mineração, entre outros. Em matéria social, propõe-se continuar preservando “as conquistas da Revolução”, incluído o acesso gratuito a serviço médico, educação, cultura, esporte, recreação, seguridade social e “proteção mediante assistência social às pessoas que dela necessitarem”.

Por outro lado, continuará o processo de eliminação de “gratuidades indevidas e subsídios excessivos, sob o princípio de compensar as pessoas necessitadas e não fazê-lo com produtos de maneira geral”. Nesse sentido, seguirá em frente a decisão de “implementar a eliminação ordenada e gradual da caderneta de abastecimento”, que distribui uma cesta básica a preços subsidiados para toda a população.

Nas consultas populares sobre as diretrizes, antes do Congresso do PCC, o mais debatido foi o tema referente à possibilidade de perder este sistema de normatização de distribuição introduzido na década de 1960 como forma de enfrentar “a especulação”, no começo do processo revolucionário.

Os delegados do VI Congresso do PCC aprovaram acrescentar ao enunciado do tema que o processo não será apenas ordenado, mas “gradual”, o que se espera conseguir a partir da criação de condições que garantam a estabilidade dos níveis de produção e oferta de produtos básicos a preços não subsidiados e acessíveis a todos os cidadãos.

Diante da preocupação de setores menos favorecidos economicamente, o presidente de Cuba, Raúl Castro, esclareceu em seu informe central ao Partido que “em Cuba, sob o socialismo”, não há espaço para terapias de choque contra os mais necessitados e que o sistema de atenção social está sendo reorganizado para garantir a sustentação diferenciada e racional de quem “realmente precisa”.

Em sua introdução, o documento diz que o modelo econômico continuará com base na propriedade socialista dos meios fundamentais de produção e em sua atualização primará o planejamento e não o mercado. Contudo, o modelo de gestão admitirá as cooperativas, os usufrutuários, arrendatários e trabalhadores por conta própria, entre outras formas. Envolverde/IPS