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Mundial de 2014, a elitização do futebol no Brasil

O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, ao centro, durante um de seus encontros no Rio de Janeiro. Foto: Fifa

Rio de Janeiro, Brasil, 1/2/2012 – A pouca transparência nos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 levanta dúvidas no Brasil sobre o legado social desse torneio e críticas sobre uma “elitização” do esporte mais democrático e popular do país. Os constantes aumentos nos orçamentos, pautados inicialmente para as obras de mobilidade urbana e de construção e remodelação de estádios nas 12 cidades que serão sede do Mundial, alimentam a percepção negativa.

A previsão é que a Copa do Mundo dará grande visibilidade ao Brasil e atrairá numerosos investimentos. As projeções indicam que deverão visitar o país, durante as seis semanas de jogos, cerca de 3,4 milhões de turistas, representando a entrada de aproximadamente US$ 5,3 bilhões. O governo afirma que o Mundial aumentará o produto interno bruto em US$ 103 bilhões no período 2010-2019, o que se traduzirá em um aumento anual superior a 0,4%.

“A Copa é para os brasileiros?”, perguntou à IPS o pesquisador Christopher Gaffney, do Programa de Pós-Graduação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, que faz um acompanhamento do desenvolvimento dos grandes projetos urbanos no país. “É uma Copa para os interesses da especulação imobiliária, para as grandes construções civis. Deixará de legado estádios bonitos, mas significará a elitização do futebol”, respondeu este pesquisador de origem norte-americana.

O preço do ingresso poderá ficar entre US$ 120 e US$ 150, impossível de ser comprado pelo brasileiro médio, afirmou este geógrafo, que monitora especialmente os preparativos da Copa do Mundo desde que o Brasil foi escolhido como sede, em 2007. “Será uma elitização do futebol, que é o esporte mais popular e democrático do país e que será cada vez mais caro”, advertiu.

Gaffney criticou o fato de essa elitização já se expressar “na construção de estádios faraônicos, multimilionários, que são a expressão de uma proposta para tornar o futebol elitista”. Para este especialista, o próprio termo “legado”, no qual as autoridades insistem para falar do saldo social positivo do Mundial, é um erro. “Quando se recebe uma herança não se deve pagar para tê-la, no Brasil, teremos de pagar para sustentá-la, então, na realidade é uma dívida”, ressaltou.

Segundo Gaffney, a Fifa quer que o brasileiro pague caro para ir aos estádios, além do investimento sem precedentes que acontece para que aconteça a Copa do Mundo. “O brasileiro está pagando uma quantia multimilionária. Esta é a Copa mais cara da história e a Fifa quer que a sociedade pague ingressos muito caros para ver os jogos”, criticou.

Do total de 12 estádios que serão construídos ou remodelados, nove o serão com dinheiro público. Em 2010, os cálculos oficiais estimavam que o investimento necessário para isto seria de US$ 3 bilhões, enquanto atualmente o valor aumentou para US$ 4 bilhões. “Em 2007, o então ministro do Esporte, Orlando Silva, disse que não seria gasto um centavo de dinheiro público para os estádios. Contudo, o investimento privado não apareceu. Na verdade, um estádio não dá lucro e é preciso mantê-lo”, esclareceu Gaffney.

A maior fatia será destinada à remodelação do estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, cujo orçamento atual aumentou até US$ 530 milhões. Nestas obras já foram gastos outros US$ 180 milhões, para melhorar suas instalações para a realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Nos próximos quatro anos, o Brasil também será sede de outros dois megaeventos esportivos: Copa das Confederações, em 2013, e Jogos Olímpicos, em 2016, no Rio de Janeiro.

O problema, segundo Gaffney, é “que tipo de estádio teremos”. Para um estádio com tecnologia vanguardista e painéis fotovoltaicos produzidos por empresas europeias, “a conta final será insustentável”, porque será preciso importar a tecnologia e a mão de obra para instalação e manutenção, alertou. O custo anual da manutenção posterior seria de 10% do seu valor, por isso que “durante dez anos pagaremos por um novo estádio”, assegurou.

Em cada um dos estádios acontecerão de quatro a sete partidas. No caso da cidade de Cuiabá, no Mato Grosso, serão quatro jogos, o que se traduz em um investimento de US$ 370 milhões para oito horas de Mundial, que depois ficarão subutilizados. Além disso, há custos sociais que podem transformar a Copa do Mundo na “Copa da Exclusão”, porque as obras para sua realização já causaram grande quantidade de despejo e expropriações em assentamentos onde vivem famílias pobres, as favelas, para estabelecer as linhas de ônibus de trânsito rápido.

Nas proximidades do Maracanã, por exemplo, já foram desalojadas 400 famílias na Favela do Metrô para construção de um estacionamento. As famílias foram enviadas para uma distante região do subúrbio, com a qual não têm nenhuma ligação. Gaffney também calcula que, somente na cidade do Rio de Janeiro, cerca de 30 mil famílias serão retiradas das áreas onde vivem. Também se somam a isto denúncias de violações de direitos humanos, como a exploração dos trabalhadores que participam da construção dos estádios e de outras obras.

Isso desembocou em greves e paralisações das obras, como ocorreu no Maracanã e no Mineirão. Os motivos foram baixos salários, más condições de trabalho e horários abusivos, devido a cronogramas mal administrados. “Com a pressão para acabar as obras, o que desaparece primeiro são os direitos dos trabalhadores”, denunciou Gaffney. O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, visitou o Brasil em janeiro para verificar como estão os preparativos. Vistoriou obras em Brasília, Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife. “A Copa do Mundo custa o que o país pode pagar e quer investir. A Fifa não pede nada além do que o país se propôs a fazer”, disse Valcke.

Nesse sentido, ressaltou que foi o governo brasileiro que decidiu utilizar 12 sedes para o Mundial, “em cidades que carecem de infraestrutura, sistema de telecomunicação, hospedagem e transporte”, ponderou Valcke. “Por isto, é preciso fazer um grande volume de investimentos. Não somos uma organização privada, não existimos para lucrar, do dinheiro arrecadado, 80% retornam ao mundo do futebol”, acrescentou durante sua escala no Rio de Janeiro.

Valcke se mostrou preocupado porque persistem “desencontros e discórdias” para a aprovação da Lei Geral da Copa, que tramita no Congresso e deverá ser aprovada em março. A lei estabelece os compromissos assumidos pelo governo com a Fifa para poder realizar o Mundial, na qual se incluem aspectos polêmicos com venda de álcool nos estádios, além dos habituais de infraestrutura, mobilidade urbana e hospedagem. “Fomos muito flexíveis nas negociações. Estamos em 2012 e é preciso finalizar as discussões. Desde 2007 vimos alertando que o tempo era curto”, ressaltou Valcke.

Quanto aos ingressos, serão três milhões para a Copa do Mundo, mas apenas um milhão estará à venda para o público brasileiro e visitantes. Os outros dois milhões ficam nas mãos das delegações nacionais e da Fifa, explicou Valcke. Desde o Mundial de 2010, na África do Sul, a Fifa criou a Categoria Quatro, com entradas mais baratas, exclusivas para os torcedores do país anfitrião. Serão cerca de 300 mil ao custo aproximado de US$ 25. Os maiores de 60 anos também terão direito à meia-entrada. Após negociar com o governo, a Fifa também aceitou colocar cem mil ingressos à disposição de grupos especiais, como indígenas e integrantes do programa Bolsa Família. Envolverde/IPS