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O negócio europeu das emissões perversas (II)

Bruxelas, Bélgica, 13/6/2011 – Semanas antes da cúpula climática do ano passado, em Cancún, no México, a comissária europeia de Ação pelo Clima, Connie Hedegaard, propôs a proibição, a partir de 1º de janeiro de 2013, de todos os créditos de hidrofluorocarbonos (HFC) no Sistema Europeu de Comércio de Emissões Contaminantes. A base da proposta é que na época terá expirado a segunda fase desse Sistema, após o qual poderão ser aplicadas novas normas. Grupos de pressão da indústria e organizações empresariais resistiram à proibição.

O não governamental Observatório Corporativo Europeu, com sede em Bruxelas, fez uso das Regulações de Liberdade de Expressão e Informação para obter documentos e reconstruir a história completa. O BusinessEurope é o grupo de pressão mais influente em Bruxelas, e representa 40 federações de industriais e empregadores de 34 países europeus. Em outubro de 2010, seu diretor-geral, Philippe de Buck, enviou uma carta a Hedegaard e ao comissário de Indústria e Empreendimento, Antonio Tajani, na qual manifestava sua oposição a limitar o uso de créditos derivados do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

O MDL, previsto no Protocolo de Kyoto, permite às empresas de nações industrializadas “compensarem” seu excesso de emissões de gases-estufa comprando Certificados de Redução de Emissões (CRE) em países em desenvolvimento. O processo é controlado pelo Conselho Executivo do MDL, que funciona na órbita da Organização das Nações Unidas (ONU).

O BusinessEurope também fez uso de um novo empregado que acabava de encerrar três anos de trabalho na Comissão Europeia de Indústria e Empreendimento. Em um email enviado aos seus ex-colegas dessa Comissão, este funcionário se refere a um recente encontro de despedida com seus companheiros e expressa seu desejo de continuarem a trabalhar juntos com ele em sua nova função de lobby. Em um arquivo anexo à mensagem, envia o documento da BusinessEurope que se opõe à proibição.

O gigante italiano da energia Enel figura como investidor em sete dos 19 projetos de HFC que receberam CRE. Um terço da empresa é propriedade do governo italiano. Em novembro de 2010, o diretor de Relações Institucionais Europeias da Enel, Roberto Zangrandi, enviou uma carta a vários membros do Parlamento Europeu dizendo que “é crucial a confiança no sistema e nos procedimentos da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática e do MDL, a fim de garantir a integridade e a credibilidade deste mecanismo”.

Contudo, apenas duas semanas antes, Zangrandi enviara outra carta a Antonio Preto, membro do gabinete de Tajani, convidando-o para uma conversação amistosa sobre um problema sério: Zangrandi explica ali que, se for proibido o comércio de créditos de HFC em 1º de janeiro de 2013, sua empresa perderá, “pelo menos, 20 milhões de créditos com um valor significativo”.

Em entrevista publicada em novembro no site PointCarbon.com, que se dedica aos mercados de carbono, Simone Ruiz, diretora de Políticas Europeias na Associação Internacional de Comércio de Emissões, disse que a Direção-Geral de Empresa e Indústria tentaria adiar essa data. Segundo o PointCarbon.com, adiá-la por apenas quatro semanas significaria o ingresso de 30 milhões a 100 milhões extras de créditos de HFC no mercado europeu. Deste modo, as empresas poderiam fazer pleno uso dos créditos nos quais tivessem investido.

Para Eva Filzmoser, diretora de programa do não governamental CDM Watch, os lobistas se comportaram de maneira pouco ética. “O correto é insistir em uma investigação detalhada, esperar as conclusões e tomar uma decisão”, afirmou à IPS. “Muitos investidores decidiram pôr dinheiro nestes projetos só depois que a Comissão Europeia (braço executivo da União Europeia) abriu a porta para possíveis restrições em 2008. Foi um risco calculado, e a maioria dos investidores já havia recebido créditos em abundância. Além disso, alguns investidores nos disseram informalmente que sabiam que fábricas indianas e chinesas estavam aumentando a produção de HFC para impulsionar os créditos”, acrescentou.

Em junho de 2010, a CDM Watch, com sede em Bonn, e a Agência de Investigação Ambiental (EIA), com escritórios em Washington e Londres, descobriram que os governos e as corporações europeias haviam feito um flagrante mau uso do MDL. De todos os CRE, 59% se originaram nos mesmos 19 projetos, embora houvesse 2.800 projetos registrados no MDL. Todas estas 19 iniciativas produziam HCFC-22, um gás refrigerante proibido nos Estados Unidos e na Europa no contexto do Protocolo de Montreal Relativo às Substâncias que Esgotam a Camada de Ozônio. Nos países em desenvolvimento, este gás deve ser eliminado até 2030.

Entretanto, a indústria acabou conseguindo o que pedia quando, em 21 de janeiro deste ano, a Comissão Europeia divulgou sua proposta final: a data para entrada em vigor da proibição foi adiada de 1º de janeiro para 30 de abril de 2013. Segundo estimativas, isto fará com que 53 milhões de CRE extras ingressem no mercado europeu, permitindo que as empresas lancem na atmosfera um volume desse gás equivalente ao que é emitido pela Bélgica por ano. Envolverde/IPS

* Esta é a segunda e última reportagem sobre a forma como corporações e governos europeus se beneficiam economicamente de um vazio legal do Protocolo de Kyoto.