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O pirata em seu contexto

Os sistemas mais sofisticados não conseguem dissuadir os piratas nas costas da Somália. Foto: Surface Warrior

Bruxelas, Bélgica, 17/4/2012 – Enquanto as forças do Ocidente intensificam sua presença militar na Somália, tanto a população como os especialistas se preocupam que este país esteja destinado a afundar em um ciclo de violência, incapaz de abordar as causas de seus problemas. A Somália lida com crises que vão desde pirataria até a seca, que tanto neste Estado quanto em outros do Chifre da África causa uma fome severa.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a União Europeia (UE) decidiram estender suas missões antipirataria em águas somalianas até o final de 2014. A operação da UE, chamada Atalanta, também foi ampliada para incluir objetivos terrestres, a fim de trabalhar estreitamente com o Governo Federal de Transição e com outras entidades somalianas, segundo comunicado do Conselho da UE. A medida foi amplamente condenada por especialistas para os quais estes ataques ameaçarão as vidas de civis e prejudicarão os esforços antipirataria.

“O combate à pirataria e suas causas básicas é uma prioridade de nossa ação no Chifre da África. Apesar da pressão sobre os orçamentos de defesa, os Estados-membros da UE demonstram seu renovado compromisso com esta operação que apresenta sucesso”, afirmava no dia 23 de março um comunicado da alta representante da União Europeia para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, Catherine Ashton.

O anúncio aconteceu dois dias após o contra-almirante Duncan L. Potts, comandante da Operação Atalanta, dirigir-se ao Subcomitê de Segurança e Defesa para anunciar que era hora de a UE intensificar a pressão sobre os piratas e se aproximar dos somalianos. Esta operação, bem como a Operação Escudo do Oceano, da Otan, junto com as forças marítimas dos Estados Unidos e outros atores nacionais, podem tentar reduzir a quantidade de ataques piratas.

Segundo Potts, 2011 pode ser visto como um “ano em duas metades” em termos dos esforços da UE. Na primeira metade do ano foram capturadas 28 embarcações e na segunda três. A Otan também informa uma atividade menor de piratas. Em janeiro do ano passado, houve 29 ataques e seis barcos foram capturados, enquanto um ano depois aconteceram apenas quatro ataques, nenhum com final feliz.

De todo modo, generalizaram-se as críticas sobre a segurança no país: muitos especialistas afirmam que as forças navais internacionais simplesmente alimentam um ciclo de violência e não abordam as causas da instabilidade na Somália. Outros acreditam que o uso da violência para derrotar a pirataria é um método equivocado, e dizem que se deve atacar as principais causas do fenômeno: pesca ilegal e lançamento de lixo tóxico em águas somalianas.

A Somália é um dos países onde é mais difícil para as organizações humanitárias trabalharem. Isto se deve a décadas de violência e, nos últimos anos, a uma seca que deixou milhares de mortos e milhões de pessoas sofrendo fome. Segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA), 24 milhões de somalianos precisam de assistência. Atualmente, o PMA chega a 1,3 milhão deles.

Os objetivos da Operação Atalanta, segundo a Força Naval da UE, incluem dissuadir e impedir atos de pirataria, proteger as embarcações que partem das costas da Somália e também os navios do PMA, que levam alimentos para os necessitados. Até agora, a Força Naval da UE informa ter distribuído com sucesso quase 900 mil toneladas de alimentos nesse país, com 145 embarcações do PMA escoltadas até o destino.

A escalada de violência também tem impacto em outras organizações humanitárias, cujo pessoal frequentemente é sequestrado ou fica preso em meio a mortais ataques. A maioria dos especialistas concorda amplamente que o futuro da Somália depende de tratar os “sintomas” do Estado falido, ponto fim à pirataria, promovendo um governo nacional estável e criando um sistema judicial forte.

Potts reconheceu que os que cometem atos de pirataria são “criminosos oportunistas”, aos quais não importa que bandeira tenha o navio que atacam. O fato de os sistemas mais sofisticados de vigilância aérea não terem conseguido dissuadir os piratas, cujos equipamentos são modestos, atesta o desespero econômico dos segundos. O representante especial da UE para o Chifre da África, Alexander Rondos, se referiu a eles como uma “geração perdida” de jovens que pagam um preço tremendo pela pirataria.

Potts lamentou a limitada capacidade da UE para lidar adequadamente com os suspeitos de pirataria, devido à falta de efetivos sistemas legais e de reabilitação capazes de “processar” esses menores infratores. Quando Rondos visitou a Somália, horas antes de falar no Subcomitê, no dia 20 de março, destacou a necessidade de haver efetivos sistemas judiciais e instituições arraigadas na sociedade civil que abordem as necessidades das comunidades locais.

Os esforços não podem depender unicamente da “UE e de uma série de pessoas brancas que se sentem bem ajudando as outras”, afirmou Rondos, destacando a necessidade de soluções que incluam vozes locais. De todo modo, mencionou sinais de esperança dentro de Mogadíscio: descreveu movimento de pessoas que regressam às cidades, investimentos na vida cotidiana e abertura de novos negócios.

Embora ainda constitua uma ameaça, a organização extremista Al-Shabaab, que opera a partir da Somália, começa a se desintegrar, segundo Rondos. Com cauteloso otimismo, a importância de dar segurança ao povo somaliano continua sendo uma prioridade, ressaltou. Envolverde/IPS