Opinião pública perde interesse no aquecimento global

Enquete feita com 25 mil pessoas de 51 países indica que preocupação com as mudanças climáticas está atualmente abaixo do que foi registrado em 2007, no entanto, outras questões ambientais, como poluição, ganharam importância.

Economia, trabalho, educação, criminalidade. De acordo com uma enquete realizada pelo instituto de pesquisas Nielsen, esses são assuntos que podem estar ganhando prioridade para o consumidor mundial em comparação com as mudanças climáticas. Mas isso não significa que o meio ambiente tenha sido de todo esquecido; a pesquisa diz apenas que questões ambientais mais imediatas, como a poluição do ar e da água, são o foco das atenções.

A análise, realizada virtualmente com 25 mil pessoas de 51 países, revelou que em relação a 2009, a preocupação com as mudanças do clima aumentou apenas 3%, subindo de 66% para 69%. No entanto, o valor está abaixo do índice de 2007, quando a preocupação climática era de 72%.

Segundo a pesquisa, cerca de metade (48%) dos consumidores entrevistados acredita que questões mais urgentes são a principal razão para a apatia frente às mudanças climáticas, 37% creem que as alterações no clima não estão sendo causadas pelo ser humano e 23% acham que futuras tecnologias resolverão o problema.

“Há muitas razões possíveis para a redução na preocupação com as mudanças climáticas/aquecimento global. O foco em preocupações imediatas como segurança no trabalho, qualidade das escolas e bem-estar econômico diminuiu a atenção da mídia para questões climáticas nos últimos dois anos”, explicou Maxwell Boykoff, assessor da pesquisa e associado do Instituto de Mudanças Ambientais da Universidade de Oxford.

“Em face de outras preocupações mais urgentes, a capacidade pública de se importar com as mudanças climáticas tem sido testada. Sem a atenção contínua dada ao aquecimento global/mudanças climáticas, tais preocupações podem se esvair da consciência coletiva pública”, acrescentou Boykoff.

Embora a redução com a preocupação climática tenha ocorrido em quase todos os países, houve diferenças substanciais entre os índices registrados de uma região para outra. Os Estados Unidos foram os que tiveram o maior declínio na preocupação, que caiu 14%, chegando a 48%. Dos 21% de norte-americanos que dizem não se preocupar com as mudanças climáticas, 63% acreditam que é a natureza, e não o homem, que está causando o fenômeno.

“Durante esse período, a Pesquisa Global Online de Confiança do Consumidor da Nielsen descobriu um crescimento na preocupação do consumidor norte-americano com a economia, o aumento do preço da gasolina e a dívida”, declarou Todd Hale, vice-presidente norte-americano de percepção de consumidores e compras da Nielsen.

Para ele, a crise econômica nos EUA também teve um papel decisivo nos receios do consumidor. “Com as preocupações financeiras ainda na mente de muitos norte-americanos, eles estão mostrando cada vez menos preocupação com as mudanças climáticas e outras questões ambientais”.

Segundo Boykoff, outro fator que também pode ter contribuído para isso é a iminente eleição presidencial no país, principalmente porque nos EUA a indústria de alto carbono e de energia tem grande influência politica, e exerce pressão contra legislações climáticas. “Há indícios de que gestos politicamente corretos podem estar dando lugar ao ‘climaticamente correto’”.

“Quando se trata das atuais primárias republicanas desse outono, e da eleição geral do próximo ano, o ‘climaticamente correto’ nos candidatos de centro-direita frequentemente significa a contestação da noção de que os humanos contribuem para as mudanças climáticas”, esclareceu Boykoff.

Na China, a preocupação com as mudanças climáticas caiu de 77% em 2009 para 64% em 2011, uma redução de 17%. Já na América Latina, registou-se o maior índice de pessoas preocupadas com as alterações do clima (90%), e na África e no Oriente Médio, o maior aumento com essa preocupação, que pulou de 69% para 80% nesse período de tempo.

“A América Latina tem visto eventos ambientais impactantes nos últimos anos, e os consumidores dessas regiões estão atribuindo cada vez mais esses eventos às mudanças climáticas”, observou Arturo García, presidente da Nielsen América Latina.

“As pessoas estão expressando uma preocupação clara com os padrões meteorológicos incomuns, incluindo o aumento nas chuvas, furacões e enchentes em algumas partes da América Latina, e as secas rigorosas em outras”, completou García.

Já Ram Mohan Rao, diretor de gestão da Nielsen Egito, comentou  que “o clima quente e seco em muitos países do Oriente Médio e da África e a percepção generalizada de que as temperaturas estão subindo a cada verão provavelmente levou a uma maior preocupação com mudanças climáticas e variações meteorológicas”.

Individualmente, os países mais preocupados com as mudanças climáticas são a Tailândia, o México e Portugal, com 93% de preocupação. “Em Portugal, padrões climáticos severos de ondas extremas e incomuns de calor no verão e de neve no inverno nos últimos anos aumentaram a preocupação e a conscientização do consumidor com o aquecimento global e as questões de mudanças climáticas”, disse Luís Bio, diretor de marketing da Nielsen Portugal.

“No México, assim como no resto da América latina, a mídia tem sido uma força influente em relação ao meio ambiente, com uma cobertura extensiva das questões ambientais. E, reconhecendo a grande preocupação do consumidor, os fabricantes, varejistas e empresas de serviço estão implementando cada vez mais programas ecológicos de responsabilidade social”, notou Paola Fonseca, vice-presidente de estratégia e inovação da Nielsen América Latina.

Outras questões ambientais

Mas, de acordo com a enquete, a menor preocupação climática não significou necessariamente uma menor preocupação com o meio ambiente. Questões ambientais consideradas mais urgentes, como a poluição da água e do ar, ganharam importância. As áreas que mais tiveram aumento de preocupação foram o uso de pesticidas, os resíduos de embalagens e a escassez de água, com crescimentos de 16%, 14% e 13%, respectivamente.

No entanto, a preocupação com essas questões nem sempre significa tomar atitudes mais favoráveis ao meio ambiente. A pesquisa mostrou que 83% dos consumidores entrevistados acreditavam ser importante que as empresas implantassem programas para melhorar o meio ambiente, mas apenas 22% afirmaram, por exemplo, que pagariam mais por um produto mais sustentável.

Entre as práticas empresariais vistas como as mais favoráveis ambientalmente, foram apontadas a reciclagem de embalagens e itens produzidos com eficiência energética, com 83% da preferência. Ainda segundo a pesquisa, cerca de 60% dos consumidores creem que produtos locais são as práticas mais favoráveis ao ambiente, seguidos por itens de comércio equitativo (51%) e artigos não testados em animais (44%).

* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.