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Primavera Árabe só deu outra cor à censura

Cairo, Egito, 31/1/2012 – Os esforços dos regimes do Oriente Médio e do norte da África, para impedir o fluxo de informação durante as revoltas populares do ano passado, deixaram uma grande quantidade de jornalistas mortos, feridos ou detidos. Hoje, a censura continua. “No começo da Primavera Árabe, o controle de informação foi uma prioridade para as autoridades”, contou à IPS a pesquisadora para o Oriente Médio e a África do Norte da organização Repórteres Sem Fronteiras, Soazig Dollet. “Os governos tratam de censurar a cobertura da repressão lançada pelas forças de segurança contra os protestos, impedindo o acesso à internet e bloqueando os telefones celulares, bem como atacando jornalistas locais e internacionais”, denunciou.

O levante popular na Tunísia, em janeiro de 2011, que levou à queda do presidente Zine al-Abidine Ben Ali, deu origem a uma onda de protestos que rapidamente se propagou pelo resto do mundo árabe. No dia 25 daquele mês, foi a vez do Egito, quando manifestantes começaram a reclamar o fim do regime de 30 anos do presidente Hosni Mubarak. Após o êxito de Egito e Tunísia, outros países como Bahrein, Marrocos, Líbia, Iêmen e Síria lançaram suas próprias revoltas.

A imprensa teve um papel fundamental informando sobre as manifestações e a consequente repressão, mas os profissionais correram sérios riscos quando as autoridades trataram de bloquear a propagação de notícias. Um informe da Repórteres Sem Fronteiras diz que pelo menos 20 jornalistas foram mortos e 553 agredidos ou ameaçados na Primavera Árabe, o que fez do Oriente Médio e do norte da África uma das regiões mais perigosas para os trabalhadores da imprensa.

“Os regimes dos países onde houve levantes populares tentaram, no começo, censurar a informação”, apontou Ayman Mhanna, diretor-executivo da Fundação Samir Kassir. “Começaram bloqueando o acesso a redes sociais como Facebook e Twitter, mas depois se deram conta de que podiam abrir esses sites para controlar quem escrevia e o que escreviam. Depois restringiram o acesso a jornalistas estrangeiros e independentes, a menos que estivessem totalmente sob seu controle”, disse Mhanna à IPS.

“A situação melhorou um pouco, salvo na Síria e no Bahrein. No primeiro país, os jornalistas estrangeiros só entram furtivamente, a menos que aceitem trabalhar sob controle das autoridades, que, por outro lado, não garantem sua segurança. A morte de Gilles Jacquier (no dia 11) é um exemplo disso”, afirmou Mhanna. “No Bahrein, a situação é muito difícil. Os países do Conselho de Cooperação do Golfo têm interesses em bloquear a revolução nesse país. Todos os meios de comunicação opositores estão censurados, e os que são afinados com o regime distorcem totalmente a informação”, ressaltou.

Defensores dos direitos humanos consideram o Oriente Médio e o norte da África uma das regiões com maior censura pela abundância de controles, leis, normas, hostilidades, detenções e restrições físicas. Disposições legais de todo tipo são usadas para deter jornalistas, acusando-os de prejudicar a reputação do Estado, freando, assim, denúncias de corrupção contra funcionários públicos. As autoridades do Bahrein utilizaram a Lei de Imprensa de 2002 para censurar. O Código Penal da Síria criminaliza a propagação de notícias no estrangeiro. Além disso, Egito e Síria têm leis de emergência que permitem perseguir e deter sem o devido processo jornalistas, trabalhadores de imprensa em geral e ativistas políticos.

“Durante o regime de Mubarak houve muitas formas de censura, como pressão sobre os editores, proibições de impressão de determinados números em particular, confisco de edições diárias, hostilidades contra jornalistas e apreensão de seus pertences”, contou Ramy Raoof, diretor de mídia na internet para a Iniciativa Egípcia de Direitos Pessoais. “Estas coisas continuam ocorrendo, mas com diferentes funcionários. No lugar do pessoal do Ministério do Interior, entra o do sistema militar. Por exemplo, no dia 22 de fevereiro de 2011, uma carta da Marinha enviada aos jornais egípcios dizia, de modo resumido, que não publicassem nada sobre o exército”, afirmou Raoof à IPS.

“Os códigos de imprensa da maioria dos países árabes pretendem respeitar a liberdade de imprensa, mas na realidade deixam amplos espaços para serem violados pelos regimes da vez. Alguns de seus artigos, como ‘desmoralizar a nação’, são usados muito nos últimos tempos na Síria. Acusar ativistas de traição ou de cooperar com inimigos estrangeiros é outra acusação à qual se recorre frequentemente”, esclareceu Mhanna.

No entanto, um ano depois do começo da Primavera Árabe, quando vários países lutam para construir um futuro democrático e em outros continuam ocorrendo manifestações reclamando democracia, ainda é difícil para os jornalistas fazerem seu trabalho.

Agora “os jornalistas podem expressar suas opiniões com maior liberdade porque quebraram a barreira do medo. Porém, continua sendo perigoso expressar sua opinião onde as revoluções conseguiram derrubar o regime ou onde cresce o peso de grupos religiosos extremistas”, alertou Mhanna. “De certa forma, mudou a natureza da censura. Agora, são perigosas as consequências do que escreve ou diz um jornalista”, acrescentou. Envolverde/IPS