Projetos sociais e ambientais florescem com financiamento colaborativo

 

Foto: Divulgação/Internet

Portais de crowdfunding facilitam a relação entre boas iniciativas e pessoas com interesse de ajudar, aparecendo como uma nova ferramenta para incentivar transformações na sociedade.

As crianças que crescem em grandes centros urbanos em geral não possuem qualquer relação com as florestas e o meio ambiente, e muitas nunca viram de perto nem uma vaca, quanto mais um tamanduá ou uma arara. Não são poucas as pessoas que se preocupam com essa situação, mas diante da correria do cotidiano acabam não fazendo nada para mudá-la. Porém, se você soubesse que é possível contribuir para um programa que promete um novo modelo de educação ambiental nas escolas que visa justamente diminuir a distância entre as crianças e a natureza, você estaria disposto a doar dez, vinte ou cem reais?

Essa é a inovação e a beleza do crowdfunding, ou financiamento colaborativo: qualquer um, de qualquer lugar, pode se engajar, mesmo que doando quantias mínimas. É um passo além – muito além – do chamado ‘ativismo de sofá’, no qual as pessoas se limitam a apenas retransmitir nas redes sociais imagens ou mensagens com conteúdo que apoiam. Com o aumento na confiança de transações financeiras pela Internet, já está sendo possível buscar iniciativas sérias com as quais podemos nos identificar e que nos sentimos bem ao ajudar.

O crowdfunding é mais conhecido entre jovens, já que muitos dos projetos são criados com o objetivo de trazer uma grande banda internacional para o Brasil ou para ajudar músicos e escritores iniciantes ou alternativos a lançarem seus trabalhos. Mas o número de projetos sociais e ambientais têm crescido muito recentemente, com cada vez mais entidades sem fins lucrativos descobrindo a ferramenta.

O projeto de educação ambiental citado no começo deste texto é um exemplo deles. Chamada Bloomtrigger Brasil, a iniciativa acaba de conseguir arrecadar os R$ 10 mil que necessitava para sair do papel. Foram no total 55 doadores que gostaram da ideia e resolveram bancá-la.

“O crowdfunding ainda é um novo conceito para a maioria das pessoas, as vezes você precisa explicar duas vezes para que entendam. Mas acho que será uma grande parte do nosso futuro. Hoje nós temos crowdfunding porque temos acesso à tecnologia para uma plataforma dessas, mas é importante também dizer que existe uma demanda real! E essa demanda para mais projetos ambientais e sociais em nossas comunidades só vai aumentar. Quando existe um problema grave que preocupa as pessoas e alguém pode apresentar uma solução mais simples, efetiva e criativa, então nós não vamos esperar o governo fazer alguma coisa, pois isso pode nunca acontecer”, afirmou James Sutton, fundador do Bloomtrigger Brasil.

Segundo Fausto Mota, Raoni Vidal e Henrique Ligeiro, realizadores do documentário Domínio Público, o crowdfunding cria novas possibilidades para realizadores de projetos, já que o sistema de financiamento de cultura no Brasil é muito limitado, ligado a leis de incentivo e editais do governo ou grandes empresas, que jamais se interessariam por projetos que tenham um olhar crítico sobre o status quo da sociedade.

“Pelo contrário, eles privilegiam projetos que não questionam a ordem estabelecida e que, além disso, sejam lucrativos. Um bom exemplo foi a Cláudia Leitte, cantora de Axé, que conseguiu aprovar entre cinco ou seis milhões de reais pela Lei Rouanet. O maior absurdo é que mesmo usando dinheiro dos nossos impostos, esses produtores ainda cobram valores altíssimos pelos ingressos, enquanto deveriam ser gratuitos ou no máximo a preços populares. É um sistema decadente e viciado, e, por isso, a importância do financiamento coletivo, para que produtores culturais independentes possam viabilizar seus trabalhos”, argumentou Mota.

O Domínio Público aborda os bilhões de reais sendo investidos para promover a Copa do Mundo e as Olimpíadas e já foi assistido por mais de um milhão de pessoas na Internet depois de conseguir ser lançado graças ao apoio de mais de dois mil doadores.

Tanto James quanto Fausto listaram seus projetos no Catarse, um dos mais conhecidos portais de financiamento colaborativo brasileiros, que no momento reúne 71 novas iniciativas.

“Com certeza o crowdfunding representa um novo mecanismo que vai modificar as dinâmicas de realização de projetos de diversos setores. Já podemos ver plataformas trabalhando questões comunitárias locais, projetos científicos, de saúde, de jornalismo independente… E com certeza esse movimento vai gerar mais diversidade de conteúdo e experimentações que não precisam percorrer os caminhos convencionais do mercado”, explicou Rodrigo Maia, um dos sócios do Catarse.

O portal registrou um crescimento de 268% entre 2011 e 2012, sendo que apenas no ano passado 19 projetos foram bem sucedidos na categoria comunidade, que abrange as iniciativas sociais e ambientais, somando juntos quase R$ 320 mil.

O Juntos.com.vc é outro site de crowdfunding, mas se destaca por trabalhar apenas com o terceiro setor e por ser ele próprio uma organização sem fins lucrativos.

“Na verdade, a nossa ideia de ajudar instituições a captarem recursos por meio da Internet veio antes de conhecer o modelo atual de crowdfunding. Nossa intenção era criar um site para que as pessoas pudessem contribuir financeiramente com projetos sociais, e quando começamos a pesquisar referências encontramos os, até então recentes, Kickstarter, Catarse e outros. Optamos então por esse modelo de plataforma para viabilizar nossa ideia”, disse Ariel Tomaspolski, coordenador administrativo do Juntos.com.vc.

Foto: Instituto Sorrir para a Vida

Um dos projetos bem sucedidos pelo site foi “O Bem da Boca”, que contou com 85 patrocinadores para levantar R$ 10.822,00 com o objetivo de realizar atendimentos odontológicos em pacientes passando por tratamentos para o câncer.

É muito comum a ocorrência de problemas dentários quando as pessoas estão se submetendo a um tratamento oncológico forte, seja por negligência ou por efeitos colaterais dos remédios. Assim, a ideia do Instituto Sorrir para Vida, responsável pelo “O Bem da Boca”, é oferecer os serviços de profissionais odontológicos de forma gratuita para garantir que os pacientes possam se concentrar na batalha contra a doença.

“O projeto está funcionando e a instituição busca continuamente expandir este trabalho, por isso inova sempre que possível em diferentes maneiras de captar recursos. Buscamos várias formas de aproximar pessoas e tornar a instituição legítima perante a sociedade, pois é ela que mantém tudo isso funcionando e beneficiando outras pessoas”, afirmou Danielle Vanzella, Coordenadora Instituto Sorrir para a Vida.

A expansão do projeto já começou, e neste ano, além dos pacientes oncológicos, os portadores de necessidades especiais também serão beneficiados com o tratamento odontológico gratuito.

Credibilidade

Para Danielle, o crescimento do crowdfunding passa pelo aumento da confiança do público nesse tipo de ferramenta. “O engajamento do brasileiro nas questões sociais e ambientais está muito ligado à credibilidade, ou seja, as instituições sociais precisam trabalhar com o máximo de transparência possível, dessa maneira conseguirão atrair mais investidores.”

Segundo ela, a expansão da ferramenta pode colaborar com o aumento da mobilização social, pois o brasileiro, de um modo geral, tem mais facilidade em doar quando conhece a instituição ou quando um amigo conhece. Com uma rede bem estruturada seria possível atingir mais pessoas e mobilizar muito mais recursos.

Para garantir a credibilidade das iniciativas apresentadas em seu portal, o Juntos.com.vc, por exemplo, possui um processo de seleção que inclui a avaliação de documentos, análise de histórico de atividades e até visitas aos desenvolvedores de projetos.

“Para a nossa segurança e principalmente pela segurança dos apoiadores, pedimos às ONGs interessadas em participar de nosso portal uma série de documentos comprovando sua regularização jurídica e financeira. Esse processo é fundamental para os apoiadores estarem seguros de que seu dinheiro será investido em algum projeto sério. Nosso processo seletivo também passa pela questão social, só aceitamos projetos que buscam um impacto social positivo”, disse Tomaspolski.

Custos

A maioria dos portais cobra uma taxa sobre o valor total do projeto, que costuma incluir os custos bancários e de manutenção do sistema. Essas informações geralmente são apresentadas de forma transparente na descrição de cada iniciativa ou nas informações gerais dos sites.

“No Brasil, os impostos e meios de pagamento elevam bastante essas taxas. O Catarse, por exemplo, cobra 13%, onde já está embutido taxas de trâmites bancários do meio de pagamento (MoiP) que giram em torno de 4 a 5,5%”, afirmou Maia.

Por ser uma organização sem fins lucrativos, o Juntos.com.vc não cobra taxas, buscando se manter com a ajuda de parceiros que anunciam no portal.

“Nossa postura desde o início é de não cobrar taxas das ONGs e nem dos apoiadores, isso para que as ONGs recebam o máximo possível de recursos para realizarem seus projetos. Portanto, nunca cobramos nenhum percentual. Tentamos ainda ir mais longe com um grande desafio de baixar as taxas bancárias para essas transações. Para manter nossa estrutura temos parceiros que acreditam em nossa causa e por meio de nosso trabalho ajudam todas as ONGs de nossa plataforma”, explicou Tomaspolski.

Engajamento

Tanto desenvolvedores de projetos quando os responsáveis pelos sites de financiamento colaborativo acreditam que a ferramenta pode ser um catalizador para uma transformação social no Brasil.

“O crowdfunding ainda tem muito espaço para crescer, principalmente com os bons resultados de projetos já financiados coletivamente. Consequentemente, esses projetos que antes eram realizados na ‘guerrilha’, agora terão recursos para alcançar um público maior com um produto de boa qualidade. Não podemos afirmar que isso aumentará o engajamento dos brasileiros nas questões ambientais e sociais, até porque ainda é muito difícil competir com a grande mídia e as grandes produções. Mas, no mínimo, esses projetos abrirão novos caminhos e novas possibilidades nessa direção, o que já é muito positivo”, afirmou Mota.

“É uma ferramenta fácil e bastante acessível, dessa maneira as instituições pequenas e médias podem inscrever seus projetos, captar e desenvolver a sua rede. Com a rede bem estruturada ela torna-se uma ferramenta fundamental para a instituição se comunicar com o público externo, divulgar suas atividades, seus eventos etc. É uma excelente oportunidade para os desenvolvedores divulgarem seus projetos e mobilizarem pessoas que se identificam com a causa, funciona como uma vitrine. E quando bem trabalhada, funciona muito bem e pode trazer resultados além do esperado”, completou Danielle.

Para Eduardo C. Schreiber, diretor comercial do Instituto Jora, responsável pelo projeto Recicleduca, que leva para as escolas a compostagem de resíduos como forma de ensinar responsabilidades ambientais para crianças, os financiamentos colaborativos também são importantes por promoverem a troca de experiências.

“Além de as pessoas poderem contribuir para a realização dos projetos em que elas acreditam, existe a oportunidade de conhecer indivíduos que têm os mesmos interesses sociais. Isso leva ao desenvolvimento de novos projetos, cada vez mais elaborados e com a contribuição de mais pessoas. Acredito que essa ferramenta pode sim ajudar no engajamento dos brasileiros em questões ambientais, pois a partir de um projeto bem sucedido a tendência é que as pessoas que contribuíram fiquem satisfeitas com o resultado e voltem a contribuir ou então apresentem outros projetos”, disse.

Quem conclui a importância do financiamento colaborativo para promover melhorias reais nas vidas das pessoas é André Gabriel, fundador dos portais LET’S e do Mobilize. “É muito satisfatório ver projetos sendo viabilizados colaborativamente. Essa frase do Raul Seixas traz um pouco da essência do crowdfunding: ‘Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade’”.

* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.