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Rádio palestina fala de mudança e êxitos femininos

Nisreen Awwad apresenta o programa matinal da Nisaa FM. Foto: Jillian Kestler-D'Amours/IPS.

Ramala, Palestina 24/2/2012 – A apresentadora de rádio palestina Nisreen Awwad se aproxima do microfone e se despede de seus ouvintes: “Nisaa FM: música, mudança, sucesso”, o slogan que se vê em letras garrafais à suas costas. “O que mais gosto é de entrevistar mulheres simples de povoados pequenos que têm sucesso e fazem algo diferente na sociedade”, contou à IPS a produtora de rádio de 31 anos, originária do acampamento de refugiados de Qalandiya, na Cisjordânia.

Awwad apresenta o programa matutino da Nisaa FM (mulheres, em árabe), de onde procura incidir positivamente nos papéis que a população feminina desempenha na sociedade palestina e na percepção que as mulheres têm de si mesmas. “Acredito na mensagem da emissora e quero mudar algo pelas mulheres de nossa sociedade. A Nisaa FM é diferente”, afirmou Awwad. “Gosto como meu trabalho na rádio me coloca em contato com temas femininos”, acrescentou.

Criada em junho de 2010, a Nisaa FM 96.0 e 96.2 é quase totalmente dirigida por palestinas. Transmite desde Ramalá, na Cisjordânia, e é a única do Oriente Médio dedicada apenas a assuntos femininos. Sua diretora, Maysoun Odeh Gangat, explicou que se dedica a informar, inspirar e potencializar as mulheres. “Ao divulgar o papel positivo que elas têm, podemos dar às mulheres poderes econômico, social e político. E falamos de qualquer mulher, desde uma camponesa até uma refugiada, uma parlamentar ou uma ministra”, detalhou à IPS.

Além de suportar um amplo grau de violações de direitos humanos pela ocupação israelense da Cisjordânia e pelo sítio à Faixa da Gaza, as palestinas também devem lidar com as dificuldades inerentes à sua própria sociedade. Em uma pesquisa de 2009, divulgada pelo Centro de Informação e Mídia de Mulheres Palestinas, 77% das moradoras de Gaza ouvidas disseram ter sofrido alguma forma de violência, 53% sofreram violência física e 15% abuso sexual.

Um ano antes, um estudo do centro Mundo Árabe de Pesquisa e Desenvolvimento concluiu que 74% das entrevistadas não conheciam nenhuma organização que trabalhasse em defesa dos direitos femininos. Além disso, 77% declararam estar a favor de leis que protegessem as mulheres da violência de gênero.

“Esta é uma sociedade patriarcal, dominada pelos homens, então a mudança virá se também nos dirigirmos a eles”, defendeu Gangat, ao explicar que a emissora também busca que os homens se interessem pelos problemas femininos. Para conseguir mudanças, ressaltou, deve-se falar de temas difíceis, como poligamia, divórcio, abuso, casamento precoce e pobreza, e de como as mulheres podem reafirmar seus direitos nessas áreas. “As ouvintes se motivam quando ouvimos especialistas em assuntos controvertidos ou negativos. Algumas nos telefonam perguntando o nome de quem entrevistamos”, contou Gangat.

Com centenas de postos de controle permanentes ou itinerantes na Cisjordânia, e o isolamento quase total de Gaza, a população palestina vê limitada sua liberdade de movimento diariamente. Esta realidade e as restrições sociais e econômicas da própria sociedade palestina fazem com que emissoras com a Nisaa se tornem muito mais importantes, disse Gangat.

“A rádio está ao alcance de todas as mulheres, mesmo em áreas isoladas, e é um meio muito barato e simples. Quando elas comentam suas experiências em Gaza, as compartilham com congêneres da Cisjordânia, e vice-versa”, explicou. “A Nisaa FM as conecta. Vinculam-se através das ondas e têm uma voz e uma plataforma que podem compartilhar e falar de suas experiências”, destacou. E o impacto da emissora começa a ser sentido.

“Temos centenas de telefonemas de trabalhadoras que perguntam sobre seus direitos após ouvirem um debate na rádio”, afirma um comunicado da U’nwan al-A’Amel (o endereço dos trabalhadores, em árabe), uma organização de defesa trabalhista com sede em Yenín, norte da Cisjordânia. Isto mostra a eficácia da mídia e a rapidez e facilidade com que distribuem informação a grupos específicos”, diz o comunicado de imprensa publicado pelo jornal Al Quds no começo deste mês.

Nos últimos meses, representantes da organização foram convidados a falar sobre vários temas relacionados com os direitos trabalhistas na legislação israelense no programa matutino da Nisaa FM. “As trabalhadoras agrícolas do Vale do Jordão começaram a se organizar em grupos e criar comitês para defender seus direitos usurpados”, acrescenta o comunicado.

A Nisaa transmite pela internet, e seu site está disponível em inglês e árabe, e é ouvida no norte da Cisjordânia, em Ramalá e Belém. Sua prioridade é encontrar uma frequência livre em Hebron, sul da Cisjordânia e Faixa de Gaza. Enquanto isso, o principal objetivo do programa matutino continua sendo mudar a percepção local e derrubar os estereótipos de gênero, reafirmou Awwad.

“Todos os dias entrevisto mulheres únicas. Na resposta das pessoas sempre ouvimos algo amável e positivo, como ‘Oh, por Deus. Falam sobre essas mulheres… Onde estão?”, contou. “As mulheres quase sempre são fortes e podem conseguir mudanças. Isto é o que espero. Envolverde/IPS

* Artigo produzido com apoio da Unesco.