Comida ultraprocessada pode causar epidemia de obesidade

Biscoitos industrializados, refrigerantes e fast food: alimentos ultraprocessados. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Cientistas do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP estão desenvolvendo estudos com o objetivo de relacionar, a partir de estatísticas comprovadas, o aumento no consumo de alimentos ultraprocessados e a epidemia global de obesidade.

Os estudos vão avaliar tipos de processamento e seu impacto potencial sobre a dieta e a saúde; os mecanismos que ligam tais produtos ao chamado “sobreconsumo passivo de energia” e à obesidade; a tendência mundial da participação deles na dieta; e, finalmente, as implicações de tudo isso para as políticas públicas.

Segundo o professor Carlos Augusto Monteiro, que coordena o Núcleo e o estudo, a pesquisa ainda está em sua fase inicial, na formulação de hipóteses, mas os primeiros levantamentos disponíveis mostram que a “comida pronta” tem tudo para ser uma das maiores vilãs do excesso de peso e doenças associadas.

Processamento

Por uma série de operações chamadas de processamento, alimentos in natura são convertidos em produtos alimentícios menos perecíveis e cujo consumo requer menos procedimentos culinários. Estes são divididos entre os minimamente processados, os ingredientes culinários em preparações com os minimamente processados, e os ultraprocessados propriamente ditos.

No primeiro grupo, estão itens como hortaliças limpas, grãos polidos, feijões secos, leite pasteurizado, e carne congelada, com perda discreta de nutrientes. Já os ingredientes culinários incluem alimentos como açúcar, óleo de milho e farinha de trigo, com grande perda de nutrientes.

Apesar das facilidades que representam no que diz respeito ao armazenamento e ao sabor, esses alimentos já trazem o risco de resultarem em refeições extremamente calóricas e com excesso de gordura e açúcar.

O terceiro grupo, dos ultraprocessados, é o mais perigoso. Embora o ultraprocessamento dê origem a produtos não perecíveis, que agradam facilmente o paladar, e que demandam mínima – ou nenhuma – preparação culinária, há enorme perda de nutrientes, fibras e água. A presença de aditivos, o volume excessivo de gorduras não saudáveis, açúcar e sódio, além da indução ao sobreconsumo passivo de energia completam a lista dos malefícios. Alimentos como biscoitos industrializados, salgadinhos, refrigerantes, chocolates, fast food são exemplos de produtos ultraprocessados.

De acordo com Monteiro, estudos já documentaram que em seu conjunto, quando comparados aos alimentos minimamente processados, os produtos ultraprocessados tendem a apresentar mais açúcar, mais gordura saturada, mais sódio, menos fibra e maior densidade energética.

Agravantes

A alta densidade energética não é o único mecanismo que liga o consumo dos ultraprocessados à obesidade. Também entram na conta a ingestão de “calorias líquidas” (bebidas adoçadas e muito calóricas); a hiperpalatabilidade, estimulando o consumo mesmo quando a pessoa se sente “satisfeita”; a adição de químicos, a prática do mindless eating (algo como “comer sem se preocupar”) e do consumo de porções gigantes; além de ações de marketing agressivas – e mesmo antiéticas – por parte da indústria.

“Uma estratégia recente envolve o desenvolvimento de ultraprocessados especialmente destinados a consumidores de baixa renda de países emergentes”, revela o pesquisador. Para isso, são feitas ações como a fortificação com vitaminas e minerais, a comercialização dos alimentos em “embalagens econômicas” e a criação de novos canais de comercialização, como a venda porta a porta e a utilização de vendedores recrutados na própria comunidade. “O marketing dos produtos ultraprocessados promove o comer compulsivo”, alerta.

Para o docente, os investimentos no marketing de alimentos estão concentrados em produtos ultraprocessados por serem produtos com grande margem de lucro (ingredientes baratos), além de serem – ou parecerem – “únicos”, tornando-se assim facilmente “produtos de marca”.

Dados de 2009 demonstram que estes alimentos, muitos dos quais controlados por corporações transnacionais com presença mundial, já representavam quase 28% do total calórico da cesta nacional de alimentos brasileira, e com tendência a crescer. Na opinião de Carlos Monteiro, somente a reformulação de produtos ultraprocessados não resolve o problema.“Pelo menos no que concerne à prevenção da obesidade, a única solução são ações públicas efetivas para deter ou reverter o crescimento do consumo de produtos ultraprocessados”, defende.

* Publicado originalmente no site Agência USP.