Uma verdade desconfortável: como a área de saúde encara a sustentabilidade

Mark Brtinell.

Há 20 anos, a Eco-92 colocou de maneira sólida as mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável no mapa político. A crise financeira mundial ocupou com razão as autoridades políticas, mas a Conferência Rio+20, que acontecerá em junho de 2012, dará novamente enfoque aos esforços relacionados ao controle do clima, às emissões de gases e à sustentabilidade. Embora as mudanças climáticas tenham um forte impacto na saúde das pessoas, também é uma verdade desconfortável que a área da saúde precisa fazer mais para auxiliar na sustentabilidade global. Por exemplo, nos Estados Unidos, a área de saúde é responsável por 8% do total das emissões de gases de efeito estufa, ficando em segundo lugar entre os setores que mais utilizam energia, seguindo o setor de fast food, enquanto na União Europeia a área da saúde responde por 5% do total de emissões, o que equivale ao total gerado pelos setores de aviação e transporte da região em conjunto. Há, portanto, uma grande oportunidade de melhoria da pegada ecológica da área de saúde.

Ao longo dos últimos 20 anos, a globalização alterou o equilíbrio do poder do mundo industrializado para os mercados emergentes. A população mundial passou de 1,5 bilhão para sete bilhões de pessoas, e a maior parte delas vive nas cidades. Centenas de milhares de pessoas saíram da faixa de pobreza extrema, e observamos números similares de pessoas que ascenderam à classe média. Até 2030, a classe média mundial, com estilos de vida com mais recursos, crescerá de uma estimativa de 1,8 bilhão para 4,9 bilhões de pessoas, enquanto a população mundial crescerá para 8,4 bilhões de indivíduos. Até 2030, está previsto o aumento da temperatura média global em 1%, enquanto 39% da população mundial enfrentará a escassez de água. Os países mais pobres sofrerão as consequências mais diretas dessas mudanças.

Recentemente, um evento realizado pela KPMG sobre mudanças climáticas e sustentabilidade atraiu cerca de 500 líderes do mundo corporativo, que assistiram a palestras de Ban Ki Moon, Bill Clinton e Michael Bloomberg, prefeito da cidade de Nova York. A mensagem deles foi clara: os governos não são capazes de resolver sozinhos a crise de sustentabilidade, e as empresas precisam tomar iniciativas. É óbvio que a área de saúde precisa desempenhar um papel mais importante na condução dessa mudança.

No recente relatório da KPMG Expect the Unexpected: building business value in a changing world, identificamos dez megaforças em sustentabilidade global (mudanças climáticas, energia, escassez de recursos, escassez de água, aumento da população, urbanização, opulência, segurança dos alimentos, declínio do ecossistema e desmatamento), que estão interligadas e são importantes para os efeitos sobre a saúde. Uma matéria da revista The Lancet, de 2009, indicava que “os efeitos das mudanças climáticas afetarão a maioria das populações nas próximas décadas e colocarão as vidas e o bem-estar de bilhões de pessoas em grande risco”, e, ao mesmo tempo, concluía que, “possivelmente, as mudanças climáticas são a maior ameaça à saúde mundial do Século 21”.

A maioria dos sistemas de saúde do mundo todo não assumiu sua parcela de responsabilidade. O National Health Service (NHS – Serviço Público de Saúde britânico) tem uma excelente Unidade de Desenvolvimento de Sustentabilidade, mas sua influência sobre a entidade é limitada. Em poucas palavras, é pequena a quantidade de autoridades políticas, profissionais e gestores que enxergam a sustentabilidade como alta prioridade. Como o quarto maior empregador do mundo e uma das organizações que mais necessitam de energia, acho que o NHS tem uma excelente oportunidade de progredir, reduzir as emissões, gerar novos empregos e fornecer um exemplo global do que a saúde é capaz de fazer. Vou ilustrar apenas com os três exemplos a seguir.

A produção, o consumo e a distribuição de energia são altamente fragmentados no NHS. A grande quantidade de hospitais, serviços de ambulância e outras responsabilidades do serviço atuam de maneira independente, o que gera ineficiência. Por exemplo, novos geradores de energia e calor têm uma eficiência energética muito superior e reduzem drasticamente os custos. O NHS poderia desenvolver uma das maiores ações no setor público-privado do mundo todo, angariando quantias substanciais de investimentos, criando milhares de empregos e reduzindo em grande volume as emissões. Uma rede nacional de produção combinada de calor e eletricidade de vanguarda, com instalações para o tratamento de resíduos verdes, transformaria o desempenho.

Segundo, a cadeia de distribuição entre indústrias farmacêuticas e de saúde é antiquada e dispendiosa. Atualmente, as empresas farmacêuticas têm dividido sua cadeia de suprimentos com hospitais, clínicas médicas e pontos de vendas no varejo, com milhões de deslocamentos de veículos no Reino Unido. Trabalhando em conjunto, o NHS e os setores de ciências biológicas podem simplificar os processos de pedido, recebimento e distribuição, reduzindo, assim, a quantidade de entregas, a quantidade de embalagens e o custo. O Walmart, gigante norte-americano do setor de varejo, demonstrou resultados extraordinários com a transformação de seus negócios de distribuição e embalagem, e é preciso aprender com isso.

Finalmente, precisamos redesenhar a maneira do atendimento. Diariamente, há milhares de visitas ambulatoriais aos hospitais e muitas delas são vitais. No entanto, o NHS tem demorado para adotar novas tecnologias, enquanto o desenvolvimento mais recente de serviços como o e-health, telehealth e telecare (sistemas de monitoramento remoto da saúde) nos oferece uma percepção de como tudo poderia ser melhor. A utilização maior de telecare pode reduzir as emissões e melhorar a saúde. Uma real inovação do NHS poderia auxiliar a gerar mais saúde, riqueza e sustentabilidade, e este know-how poderia ser “exportado” para o resto do mundo.

À medida que governos buscam novas ideias para o crescimento econômico e a criação de empregos, e a Rio+20 almeja um maior comprometimento com a sustentabilidade, o NHS pode ser uma das lideranças mundiais em relação aos equipamentos avançados de energia, sistemas econômicos de entrega e novas tecnologias. Novas parcerias público-privadas poderiam apurar investimentos substanciais, criar milhares de empregos e fazer uma pequena, mas importante, contribuição para salvar o planeta. Precisamos apenas inovar, ser criativos e ter a coragem de atuar em larga escala e com velocidade.

* Mark Britnell é líder global da área de Saúde da KPMG.