Ilustração: Russel Cobb

Encarar os seres humanos como ecossistemas que contêm muitas espécies em competição e colaboração pode mudar a prática da medicina.

O que é um homem? Ou, com efeito, uma mulher? Biologicamente, a resposta pode parecer óbvia. Um ser humano é um indivíduo que cresceu a partir de um óvulo fertilizado que continha genes de seu pai e mãe. No entanto, um grupo cada vez maior de biólogos acha que essa definição é incompleta. Eles veem as pessoas não apenas como indivíduos, mas também como ecossistemas. Desse ponto de vista, o descendente de um óvulo fertilizado é meramente um componente do sistema. Os outros são trilhões de bactérias individuais encontradas nos intestinos, boca, couro cabeludo, pele e todas as reentrâncias e orifícios de pessoas.

Um humano adulto sadio hospeda cerca de cem trilhões de bactérias apenas em seu sistema digestivo. Tal número de células de bactérias é dez vezes maior do que as células oriundas do esperma e do óvulo de seus pais. Ademais, tais micróbios são diversos entre si. O óvulo e o espermatozoide fornecem cerca de 23 mil genes diferentes. Estima-se que o microbioma, como é conhecido o coletivo de bactérias que habitam o corpo humano, possua três milhões de genes diferentes. Ainda que boa parte dessa enorme quantidade se deva a variações em torno de um mesmo tema, os casos de repetições com poucas alterações são adicionados ao compêndio genético do corpo humano.

E de fato trata-se de um sistema, uma vez que a evolução alinhou os interesses de hóspedes e hospedeiros. Em troca de algumas matérias-primas e abrigo, os micróbios que vivem nas pessoas alimentam e protegem os seus hospedeiros, de modo que são fundamentais para o bem-estar destes. Nenhum deseja que nada de mal aconteça ao outro. Contudo, em épocas de crise, esse alinhamento de interesses pode ser desfeito, e daí o microbioma pode se comportar de modo a provocar doenças.

O fato de que bactérias podem causar doenças não é novidade, mas as doenças em questão o são. Frequentemente estas não são infecções agudas do tipo que a medicina do Século 20 foi tão eficaz em tratar. Trata-se na verdade de doenças crônicas que são, hoje em dia, pelo menos no mundo desenvolvido, o principal foco da atenção médica. O microbioma parece ter um papel crucial em doenças como obesidade, diabetes, problemas cardíacos, asma, esclerose múltipla e também em condições neurológicas tal como o autismo.

É possível conceber o microbioma como um órgão humano adicional, ainda que um órgão bastante peculiar. Este tem o mesmo peso de muitos órgãos (cerca de um quilo). E embora não seja uma estrutura distinta como um coração e um fígado, um órgão não precisa ter um formato para ser real. O sistema imunológico, por exemplo, consiste de células espalhadas por todo o corpo, mas tem a característica de um órgão –  a de ser um sistema de células organizado.

* Publicado originalmente no jornal The Economist e retirado do site Opinião e Notícia.