Apesar da melhora nos últimos anos, o Brasil ainda tem um longo caminho a seguir para ser competitivo.

A pesquisa biomédica passou do amadorismo e voluntarismo à seriedade e ao profissionalismo necessários para projetar o Brasil no cenário mundial. Nenhum país que pretende ser potência mundial pode deixar de criar e ampliar seu parque científico. As pesquisas, em geral, e a biomédica, em particular, vêm se beneficiando da estabilidade econômica dos últimos 15 anos, além da criação dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia e da consolidação do financiamento estadual pelas fundações de apoio às pesquisas estaduais, a exemplo da Fapesp.

Mas ainda falta muito. “Nos últimos oito anos, o volume de recursos do Ministério da Saúde vem aumentando progressivamente, aproxima-se dos R$ 200 milhões ao ano, e influencia setores da pesquisa específicos e complementares àqueles que recebem o apoio tradicional das agências de fomento”, afirma José Eduardo Krieger, professor de Cardiopneumologia e diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração da USP.

CartaCapital: Que tipo de projetos o Ministério da Saúde apoia atualmente?

José Eduardo Krieger: Projetos interdisciplinares de inovação em saúde, como a pesquisa em células-tronco, e de transferência de tecnologia para o sistema de saúde, como os estudos da hipertensão arterial.

CC: O que falta para a ampliação desses e de outros projetos científicos?

JEK: Infraestrutura adequada, formação e capacitação de redes envolvendo os hospitais universitários e acesso a equipamentos sofisticados como, por exemplo, sequenciadores de DNA de última geração, áreas que têm sido alvo de investimento por parte do Ministério da Saúde.

CC: Essa infraestrutura é exclusiva das instituições públicas?

JEK: Não. Essas medidas devem envolver a iniciativa privada, que é parte do complexo industrial da saúde e requer o funcionamento do sistema para desenvolver e testar novos agentes diagnósticos e terapêuticos. À medida que o sistema se moderniza, aumenta a articulação entre governo, academia e iniciativa privada.

CC: O que falta para maior avanço na pesquisa biomédica?

JEK: O conjunto de medidas apontadas acima e o aumento dos recursos são positivos, mas evidenciaram as amarras do sistema. Nas universidades, o financiamento dirigido diretamente ao pesquisador gerou enormes dificuldades. A Fapesp, que desembolsa somas vultosas para financiar pesquisa, já sinalizou às universidades paulistas que elas devem prover maior apoio na gestão de projetos para que o foco do pesquisador seja a pesquisa, e não processos de compras e prestação de contas.

CC: A velocidade de aquisição e atualização da infraestrutura de pesquisa no Brasil é adequada?

JEK: Somos reféns de uma estrutura de importação/exportação de bens e serviços não concebida para atender às necessidades de pesquisa. A competitividade não depende apenas de se chegar a um certo ponto, mas de quão rápido se chega lá. Compatibilizar a função de vários órgãos ligados a diferentes ministérios e as demandas da pesquisa é fundamental.

CC: Isso é possível?

JEK: Sim. Experiências recentes com participação de representantes do Ministério da Saúde, da academia, da Anvisa e da Receita Federal mostram que é possível simplificar os processos sem comprometer o papel dos diferentes órgãos.

CC: Como a pesquisa médica é vista no Brasil, em relação aos países desenvolvidos?

JEK: A pesquisa clínica, indispensável para o desenvolvimento de novas intervenções diagnósticas e terapêuticas, não é percebida como de interesse público, prejudicando a competitividade do país. A criação de marcos legais e instrumentos para que o Estado exerça o seu papel regulador é fundamental.

CC: Como está a nossa legislação?

JEK: A lei que orienta a pesquisa animal, Lei Arouca, foi recentemente aprovada, criando o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal. Mas a pesquisa clínica ainda aguarda regulamentação da lei que orienta suas atividades. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) ocupa-se, principalmente, com os aspectos éticos das pesquisas que envolvem humanos. A regulamentação da lei ligando a Conep diretamente ao Ministério da Saúde permitiria ampliar as atribuições da entidade para observar, além dos aspectos éticos, os aspectos científicos importantes para o desenvolvimento das atividades, contribuindo para aumentar a competitividade do país nesse setor.

* Publicado originalmente no site Carta Capital.