Será que os médicos realmente se convenceram que histeria não é frescura?

Uma pesquisa publicada esta semana pelo periódico inglês Journal of Neurology Neurosurgery and Psychiatry apontou que parece que as coisas não mudaram muito na cabeça dos neurologistas nesses últimos cem anos quando eles estão diante de crises de histeria.

Todos os membros da Associação de Neurologistas Britânicos receberam por correio uma enquete com 33 questões que abordavam a forma como a histeria era encarada na prática clínica. Cerca de 60% deles responderam, e isso não foi pouco, considerando a extensão do questionário.

Os resultados mostraram que os neurologistas concordavam teoricamente com a base psicológica do processo da histeria, mas na hora de definir o diagnóstico, a tendência era de usar diagnósticos com contextualização cerebral. Usa-se muito na prática clínica o diagnóstico “transtorno neurovegetativo somatoforme” que na classificação internacional de doenças tem o seu código F45.3.

Além disso, a maior parte dos voluntários respondeu que as crises conversivas se misturam com crises de fingimento e mais da metade não acreditava que a psiquiatria tenha uma explicação plausível para o fenômeno. Alguns responderam que as crises são fingimento puro, e este tipo de observação foi mais comum entre os mais velhos.

Conceitos enraizados… Boa parte dos neurologistas do Século 21 continua a entender os pacientes com histeria com a mentalidade do Século 19. Não acredito que no Brasil as respostas fossem muito diferentes.

A história da medicina nos mostra que os neurologistas no Século 19 assistiam a pacientes que tinham crises estranhas em que de uma hora para outra passavam a não mais interagir com o ambiente e, depois de algumas horas ou dias, tudo voltava ao normal. Quando eles morriam, e o cérebro era examinado, nenhuma patologia em especial era encontrada que pudesse explicar os sintomas. Por isso, esse tipo de crise era interpretado por muitos médicos como se fosse só um fingimento.

Freud mudou a história do pensamento humano quando introduziu o conceito do inconsciente. Desde então, crises como essas passaram a ser consideradas um transtorno psiquiátrico, que são chamadas de histeria ou crises conversivas. Esses pacientes não estão fingindo. Eles não sabem o que estão fazendo.

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** Ricardo Teixeira é doutor em Neurologia e pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Dirige o Instituto do Cérebro de Brasília.

*** Publicado originalmente no blog do autor ConsCiência no Dia-a-Dia.