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América Latina com o desenvolvimento humano pela metade

Leobardo Gómez, de 44 anos, tenta sobreviver tocando gaita pelas ruas da Cidade do México, porque as sequelas de um acidente não permitem que trabalhe em sua profissão de pedreiro. Foto: Emilio Godoy/IPS
Leobardo Gómez, de 44 anos, tenta sobreviver tocando gaita pelas ruas da Cidade do México, porque as sequelas de um acidente não permitem que trabalhe em sua profissão de pedreiro. Foto: Emilio Godoy/IPS

 

Cidade do México, México, 28/7/2014 – O pedreiro Leobardo Gómez está há nove meses sem emprego, desde que em outubro escorregou em uma obra onde trabalhava, na capital do México, e caiu na rua.”Quebrei duas costelas e ainda não posso trabalhar. O médico disse que preciso repousar e o seguro social já não me paga. O corpo ainda dói”, disse à IPS este homem de 44 anos, que migrou do Estado de Puebla para a Cidade do México.

Enquanto se rearranja, Gómez perambula por cafés e restaurantes tocando sua gaita em troca de algumas moedas por ouvir uma das dez músicas que sabe tocar, apesar de ter trabalhado desde muito jovem.

Por causa de casos como este que a América Latina e o Caribe devem impulsionar o acesso universal a serviços sociais e políticas de emprego formal para avançar no desenvolvimento humano, cujos índices melhoraram nos últimos anos, segundo recomendações do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e especialistas.

Em seu Informe sobre Desenvolvimento Humano 2004. Sustentar o Progresso Humano: Reduzir Vulnerabilidades e Construir Resiliência, divulgado na semana passada, o Pnud destaca que a região tem o maior índice de desenvolvimento humano (IDH) em comparação com outras áreas em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, alerta que o progresso diminuiu nos últimos cinco anos em comparação com o período 2000-2008, e as vulnerabilidades ameaçam reverter os êxitos obtidos.

“A desigualdade é o principal problema. A igualdade tem uma relação inerente com a formação do Estado, que dependeu das elites por muito tempo, pensando que há uma mão invisível que na realidade nunca existiu e sem reconhecer o valor da cidadania”, disse à IPS a especialista em igualdade Emilia Reyes.

Reyes, coordenadora de Políticas e Orçamento Público com Enfoque de Gênero da não governamental Igualdade de Gênero: Cidadania, Trabalho e Família, apontou que “é hora de fazer uma leitura estrutural do desenvolvimento, para ver os impactos sociais e ambientais da concentração dessa riqueza. Na América Latina não temos um esquema de desenvolvimento sustentável”.

O IDH, onde 1 é o nível ótimo e 0 o mais baixo e que mede a longevidade, o nível de vida e a educação, na América Latina passou de 0,73 em 2010 para 0,74 em 2013. O Chile é o melhor situado, com 0,82, seguido por Cuba e Argentina com 0,81 cada, enquanto entre os países com índices menores estão Haiti, Nicarágua e Honduras. Entre 2010 e 2013, a permanência na escola e a expectativa de permanecer na escola praticamente não variaram. O que cresceu foi a renda por pessoa, de US$ 12.926 para US$ 13.767.

O Pnud alerta que a região experimentou um perda no ritmo de avanço em desenvolvimento humano de 25% desde 2008. Também destaca que, apesar de registrar a maior queda na desigualdade, a região continua sendo a mais desigual do mundo em termos de renda. “A desigualdade diminuiu na América Latina e no Caribe devido à expansão da educação e das transferências públicas para os pobres”, diz o documento, que analisa dados de 187 países.

O informe menciona quatro nações da região com desigualdade crescente entre 1990 e 2012, 14 com desigualdade em queda e duas sem tendência definida. Em 14 países latino-americanos e caribenhos a pobreza multidimensional chega a quase 7%, enquanto 9,5% estão em risco de cair nela.

“O avanço e o crescimento dos indicadores deve ser tomado com cautela, porque só se vê refletida uma pequena parte da população, a que experimentou aumento de bem-estar”, disse Liliana Rendón, acadêmica da Faculdade de Economia da Universidade Autônoma do Estado do México, que também ressaltou que o IDH está acompanhado de uma crescente desigualdade de renda. “A população pobre não sofre apenas a falta de renda, pois a pobreza inclui carências em saúde, educação e outras áreas. A renda deve ser traduzida em bem-estar, considerando aspectos sociais, ambientais e políticos”, acrescentou.

Apesar do forte crescimento da produtividade, os salários reais no mundo permanecem estanques. Mas na região aumentaram 15% entre 2000 e 2011. Além disso, o emprego vulnerável caiu de quase 36% em 2010 para 31,5% em 2012, e os trabalhadores pobres que vivem com menos de US$ 1,25 por dia diminuíram dentro do total da força de trabalho nesse período.

O Pnud aconselha, como meios para promover e assegurar o avanço em desenvolvimento humano, a prestação universal de serviços sociais básicos, políticas mais fortes de proteção social e o pleno emprego. Ao mesmo tempo, com esses elementos se reduziriam as vulnerabilidades, que entre suas causas cita as crises financeiras, a flutuação dos preços dos alimentos, os desastres naturais e a violência criminosa.

Uma das novidades do informe é a conclusão do Índice de Desenvolvimento de Gênero, no qual América Latina e Caribe ocupam o primeiro lugar entre as regiões em desenvolvimento. Argentina, Barbados e Uruguai estão entre os 16 países do mundo onde os valores do IDH para as mulheres são iguais ou superiores aos dos homens.

“O Estado não pode gerar um desenvolvimento econômico, social e cultural com apenas 49% da população, a masculina, porque as mulheres enfrentam barreiras intransponíveis para terem acesso a essas esferas. Isso implica reduzir esquemas de discriminação, ampliar oportunidades e reconhecer obstáculos para a proteção social”, ressaltou Reyes.

O Pnud recomenda também a criação do Fundo Monetário Latino-Americano para acumular reservas, estabilizar taxas de câmbio, prover seus membros com fundos de curto prazo e oferecer vigilância. A região já conta com o Fundo Latino-Americano de Reservas, formado em 1976 e integrado por Costa Rica, Colômbia, Venezuela, Peru, Equador, Bolívia, Uruguai e Paraguai. Esses países pagam um capital total de US$ 2,37 bilhões.

“A desigualdade freia o desenvolvimento, por isso as políticas públicas devem caminhar no sentido de conseguir uma sociedade mais igualitária. As políticas públicas focar e investir mais e melhor na luta contra a pobreza, com melhores efeitos de redistribuição”, enfatizou Rendón. A seu ver, “isto se conseguirá com um crescimento econômico sustentado que permita investir em saúde e educação de maneira universal e garantir a qualidade desses serviços”.

Altos e médios

O Chile é o país latino-americano melhor situado, no posto 41, um a mais do que em 2013 em relação a 2012. O acompanham entre os países de alto IDH Cuba (44, igual a 2012), Argentina (49, igual), Uruguai (50, mais dois), Panamá (65, mais dois), Venezuela (67, menos um), Costa Rica (68, menos um), México (71, menos um), Brasil (79, mais um), Peru (82, mais um), Colômbia (98, igual), Equador (98, igual) e República Dominicana (102, igual).

No nível médio do IDH, mantiveram-se todos os postos de 2012: Paraguai (111), Bolívia (113), El Salvador (115), Guatemala (125), Honduras (129) e Nicarágua (132). O único país da região em nível de baixo IDH é o Haiti, que manteve o posto 168 dos 187 países estudados. Envolverde/IPS