América Latina: desafio além da mobilidade

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São Paulo. Foto: Divulgação

Cidades latino-americanas são de uma diversidade imensa, mas possuem pelo menos uma semelhança: a velocidade e a escala de urbanização que estão enfrentando. Diferentemente dos países desenvolvidos, onde a urbanização historicamente ocorreu gradualmente, as principais cidades latino-americanas têm experimentado um crescimento explosivo nas últimas décadas. O ritmo acelerado já seria preocupante em si, mas há alguns componentes a mais, levando-se em conta a necessidade de se construir cidades de forma menos degradante para o meio ambiente e, principalmente, de reduzir a forte desigualdade social. Esse desafio foi um dos temas do Fórum Econômico Mundial sobre a América Latina, que ocorreu na semana passada, no Panamá.

Logo na abertura do evento, o fórum divulgou um relatório sobre infraestrutura, parte crucial para o planejamento futuro de um país e suas cidades. De acordo com o relatório, a demanda de infraestrutura global atualmente está estimada em cerca de US$ 4 trilhões. Há, porém, uma defasagem de pelo menos US $ 1 trilhão a cada ano que deixa de ser investido. O crescimento dos investimentos em infraestrutura não está conseguindo responder às necessidades da sociedade, especialmente em países em desenvolvimento. E a América Latina não é exceção. O relatório também destaca alguns bons exemplos de projetos específicos na região, tais como as pistas de pedágio em Porto Rico que permitem o acesso para o sistema local Bus Rapid Transit (BRT ), garantindo acesso ao transporte público, ao mesmo passo que controla o uso de carros. Em alguns horários, se saem de casa de carro, os motoristas pagam um pedágio. Trata-se de um projeto que, além de reduzir o tráfego de veículos, reduz as emissões de gases de efeito estufa.

O transporte é um grande problema em cidades latino-americanas e, por isso, uma das principais demandas da sociedade civil na região. A construção de sistemas de transporte público, no entanto, é apenas parte do necessário para construir uma cidade mais acessível a todos. É o que ressalta o professor argentino Pablo Benetti , diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro:

– Há algumas experiências interessantes de transporte público na América Latina, como em Bogotá, na Colômbia. Mas, para fazer mudanças reais, será necessário, em primeiro lugar, que o poder público faça investimentos nas cidades de forma mais equitativa. Há muitos locais, como o Rio de Janeiro, em que os investimentos são distribuídos de forma muito desigual, concentrando-se apenas em algumas áreas, sem atender as demandas de grande parte da população. Para construir uma cidade saudável, precisamos investir não apenas em mobilidade para todos, mas também educação, saúde, ou seja, todos os serviços básicos. Estes serviços têm de ser garantidos sem distinção de classe. Este é um grande desafio na América Latina: reduzir a desigualdade.

Medellin, na Colômbia. Foto: Alamy / Alamy
Medellin, na Colômbia. Foto: Alamy / Alamy

Bogotá é um exemplo interessante por causa das mudanças que tem experimentado ao longo das últimas duas décadas. A cidade implantou o maior sistema de BRT em larga escala do mundo e uma rede de 400 km de ciclovias, feito realizado por uma sucessão de prefeitos, entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000. Outro exemplo importante no mesmo país é Medellín. Em 2013, a cidade foi votada como cidade do ano pelo Urban Land Institute. Uma vez conhecida como a capital da narcotráfico, a cidade viveu uma profunda transformação, começando com melhorias na mobilidade e inclusão social. Para Elizabeth França, especialista em gestão urbana para a América Latina, este caso é interessante para pensar o planejamento urbano de forma mais ampla: “A cidade de Medellín foi redesenhada para permitir que os seus cidadãos possam participar ativamente de sua gestão. Como resultado da pressão da sociedade civil, o diálogo do governo não inclui apenas o setor privado, mas há formas de representação social atuantes. Trata-se de um conceito muito interessante para uma cidade que pensa seu planejamento a partir da participação social. Mas, infelizmente , ainda é muito raro na região.

Existem outros projetos na América Latina que não são tão conhecidos, mas oferecem lições importantes. Em Tlatelolco , uma cidade no México, há um projeto de habitação social que foi concebido como um espaço para acomodar pessoas que antes possuíam moradias precárias em um total de mais de 90 estruturas de edifícios diferentes. O aspecto mais inovador de Tlatelolco, porém, é que a construção foi feita no centro da cidade, ao contrário de muitos projetos recentes que preveem este tipo de habitação em áreas periféricas.

– A maioria das pessoas que vivem hoje nos conjuntos habitacionais está próxima a seus locais de trabalho e sequer precisa se deslocar muito para as necessidades básicas, o que é bom para todos. – diz Analí Perez Ramirez, especialista mexicana em Cooperação Internacional.

– A maioria das pessoas que vivem hoje nos conjuntos habitacionais está próxima a seus locais de trabalho e sequer precisa se deslocar muito para as necessidades básicas, o que é bom para todos. – diz Analí Perez Ramirez, especialista mexicana em Cooperação Internacional.

Enquanto lideranças de Estado se reúnem no Fórum Econômico Mundial na América Latina para debater o progresso futuro da região, há exemplos de políticas locais que estão pensando não apenas na resolução dos problemas, mas em como fazer isso de uma forma menos impactante ao meio ambiente e mais equitativa.

* Publicado originalmente no The Guardian – Global Development Professionals Network e retirado do site Canal Ibase.