Armas e atletas no Bahrein, o perigoso jogo de Al Khalifa

O novo governo do Bahrein presta juramento frente ao rei Hamad em novembro de 2010. Foto: Ministério de Relações Exteriores/cc by 2.0
O novo governo do Bahrein presta juramento frente ao rei Hamad em novembro de 2010. Foto: Ministério de Relações Exteriores/cc by 2.0

 

Washington, Estados Unidos, janeiro/2014 – Funcionários do Bahrein anunciaram que frustraram “uma tentativa de fazer entrar no país, de contrabando e por mar, explosivos e armas, algumas fabricadas no Irã e na Síria”. O governo também assegurou que havia desativado um carro-bomba e confiscado armamento em diferentes pontos do país.

O regime de Hamad bin Isa Al Khalifa afirma que está combatendo o terrorismo, o qual equipara, descaradamente, com os ativistas reformistas. O regime acusa o Irã de conspirar e orquestrar atos “terroristas” na ilha. Independente de se perceber o Irã como envolvido no contrabando de armas, é importante contextualizar esse último episódio.

Primeiro, embora o Irã possa se beneficiar da contínua instabilidade no Bahrein, desde que este país ficou independente em 1971, Teerã não participou de nenhuma atividade para tirar do poder o sunita Al Khalifa.

Entre 1970 e 1971, o então xá do Irã, Mohammad Reza Pahlevi, aceitou o plebiscito especial da Organização das Nações Unidas (ONU) no Bahrein, que derivou na independência do país. Desde sua queda, em 1979, sucessivos governos iranianos sob os aiatolás não questionaram a independência do Bahrein.

Além disso, ao longo dos anos, a maioria dos xiitas do Bahrein buscou outros grandes aiatolás, árabes e não iranianos, como fontes de emulação.

O partido político xiita Al Wefaq, acusado por alguns elementos dentro da família do governante Al Khalifa de ser um conduto para o Irã, apoiou de modo consistente uma reforma genuína por meios pacíficos.

Os líderes do Al Wefaq, alguns deles tendo estudado e vivido no Irã nas últimas décadas, aprovaram a convocação do governo para um diálogo com a oposição, bem como a iniciativa do príncipe da coroa para a reforma e o diálogo.

A resposta de Al Khalifa diante da posição pacífica do Al Wefaq foi prender seus dois principais líderes, Sheij Ali Salman e Khalil al Marzooq.

Segundo, independente da campanha de relações públicas que o regime do Bahrein trava com o Irã, continua com suas prisões, seus julgamentos arbitrários e as condenações de cidadãos do Bahrein.

Isso inclui médicos e outros profissionais da saúde, manifestantes pacíficos jovens e velhos, e mais recentemente também atletas. Seu único “pecado” é pertencer à maioria xiita em um país governado por um regime da minoria sunita.

James Dorsey, da Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais de Cingapura, detalhou em um artigo a grande quantidade de atletas, jogadores e campeões xiitas – no futebol, basquetebol, tênis, jiu-jitsu, ginástica, vôlei de praia e automobilismo –, que foram presos e condenados a prolongada prisão.

Muitos desses esportistas, que procedem de Diraz e outras aldeias xiitas vizinhas, foram julgados de maneira precipitada e condenados por expressarem pontos de vista reformistas.

Terceiro, em entrevista ao jornal Al Qabas, do Kuwait, o professor M. Cherif Bassiouni, que presidiu a Comissão Bareinita Independente de Investigação, expressou sua decepção porque o governo não implantou algumas das principais recomendações do informe. Para lembrar, o rei Hamad havia criado a Comissão e recebido e aceito, formal e publicamente, seu relatório final.

Ninguém dentro do regime foi levado à justiça por suas ações ilegais e pelos crimes detalhados no informe da Comissão. Segundo Bassiouni, a falta de ação do governo sobre a recomendação causou sérias dúvidas dentro de “instituições da sociedade civil e de organizações de direitos humanos” sobre o compromisso do regime para com a reforma genuína.

Quarto, o regime bareinita, com seu par saudita, atiça uma mortal guerra sectária no Golfo e em outras partes da região. Preocupa muito à família governante que, se o Irã concluir um acordo com a comunidade internacional sobre seu programa nuclear, Al Khalifa fique marginalizado como ator no cenário do Golfo.

Ao regime causa particular preocupação o fato de, como pequeno Estado insular com uma minúscula produção petroleira, o Bahrein poder se converter em um ator marginal da política regional e internacional.

Corresponde ao regime de Al Khalifa saber que, se não conseguir trabalhar com seu povo para criar estabilidade no país, perderá sua posição em Washington e outras capitais do Ocidente.

Enquanto isso maioria no Bahrein perde a confiança no regime, e não seria impensável que Arábia Saudita e outras potências regionais e internacionais, incluindo os Estados Unidos, considerem Al Khalifa um peso.

A missão mais importante da Quinta Frota dos Estados Unidos, baseada no Bahrein, não é proteger o regime opressor de Al Khalifa. É funcional à estabilidade regional, às rotas marítimas estratégicas e a outros interesses mundiais dos Estados Unidos. Seu compromisso com Al Khalifa ou com o porto de Bahrein não é nem crucial nem irrevogável.

Enquanto o regime do Bahrein continua sua campanha contra o Irã, deveria recordar que, se negando a se comprometer com a oposição amplamente pacífica por uma reforma significativa, criou um entorno favorável ao extremismo sunita e ao radicalismo antixiita.

A história recente de proselitismo religioso intolerante nos ensina que um entorno desse tipo invariavelmente leva ao terrorismo. Esse é um fenômeno interno independente de as armas interceptadas procederem, ou não, do Irã. Também se deveria reconhecer que a crescente frustração entre os dissidentes fará com que parte da juventude se radicalize mais e recorra à violência.

Se os regimes estão dispostos a destroçar seus países para permanecerem no poder, como parece estar fazendo a governante família Al Khalifa, o terrorismo interno será um resultado garantido.

Atualmente vemos esse fenômeno na Síria, no Iraque e em outras partes. O Estado Islâmico da Síria e do Levante não surgiu do nada. O jihadismo sunita radical e intolerante, que Bahrein e Arábia Saudita estiveram impulsionando na Síria, e antes disso no Iraque, é o germe do terrorismo. E isso acabará tendo um preço.

A sobrevivência do regime de Al Khalifa só será possível se a família governante deixar de jogar seu jogo de apartheid repressor e se comprometer com seu povo, com o olhar voltado para compartilhar o poder e em uma reforma genuína.

O rei Hamad ainda tem a oportunidade de implantar as recomendações da Comissão de modo exaustivo e transparente.

Pode reunir um grupo de destacados bareinitas, tanto sunitas como xiitas, e encomendar-lhes a redação de uma nova Constituição que inclua um parlamento nacionalmente eleito com plenos poderes legislativos e um sistema de controles sobre o Poder Executivo.

Isto deveria ser feito logo, porque para o rei e sua família o tempo está acabando. Envolverde/IPS

* Emile Nakhleh é ex-funcionário de Inteligência, professor da Universidade do Novo México e autor de A Necessary Engagement: Reinventing America’s Relations with the Muslim World (Um Compromisso Necessário: Reinventando as Relações dos Estados Unidos com o Mundo Muçulmano) e Bahrain: Political Development in a Modernizing Society (Bahrein: Desenvolvimento Político em uma Sociedade que se Moderniza).