Para que serve um jornal online? Ganhar dinheiro ou prestar serviços?

Essas duas perguntas ganharam importância depois da consolidação da tendência de reduzir a circulação de versões impressas de jornais e a migração do noticiário de atualidade para as versões online. A tendência já é um fato nos Estados Unidos e uma perspectiva cada vez mais concreta na Europa, onde os prognósticos sobre faturamento dos jornais, para o biênio 2012-2013, deixaram de ser sombrios para se tornarem trágicos.

A mudança do formato papel para o digital está sendo orientada por questões basicamente financeiras, de economia e de ajuste no fluxo de caixa. O que está sintomaticamente ausente nas justificativas das empresas jornalísticas são questões ligadas ao noticiário e às transformações que a migração para o online provoca entre os usuários e nas próprias empresas.

Se a opção pelo online for tratada apenas pelo lado da economia, do corte de gastos e de pessoal, as empresas estarão empurrando a crise com a barriga, pois o negócio da notícia pela internet é qualitativamente diferente no modelo da informação em papel. Na era do impresso, as opções informativas eram reduzidas e materializadas. No caso da web, o cardápio noticioso é quase ilimitado e imaterial. Ambos os fatores influem no custo e consequentemente no faturamento.

O cálculo do custo-benefício da notícia impressa é facilmente quantificável, o que não acontece na plataforma digital, onde ninguém, até agora, conseguiu descobrir uma fórmula segura para ganhar dinheiro. Para pesquisadores, como o norte-americano Yochai Benkler, da Universidade Harvard, tudo leva a crer que a notícia online jamais será um bom negócio porque se trata de um produto extremamente barato por causa da grande oferta.

Logo, o diferencial entre os provedores de informação jornalística vai se dar inevitavelmente pela prestação de serviços ao público. A notícia deixa de ser uma commodity comercializável para se tornar um bem público, o que significa uma volta às origens do jornalismo, quando ele ainda não era uma indústria movida a lucro.

Além dessa, há  outra mudança provocada pela migração para a notícia de atualidade na internet. Os jornais estão associados à função de fiscalizadores dos governos e empresas privadas na cultura informativa tradicional. Recentemente, editores de jornais como o The New York Times questionaram se a redução dos dias de circulação dos jornais não acabaria com o hábito de os leitores seguirem diariamente a evolução de uma investigação.

David Carr, do Times, acha que a quebra da sequência de dias fará com que os leitores percam o hábito do acompanhamento diário e, uma vez levados para o online, não voltarão mais ao impresso. Por isto, o editor de mídia do jornal acredita que a redução da presença e relevância do jornal impresso na cultura informativa contemporânea tende a “minimizar a função de watchdog (cão de guarda) exercida pela imprensa tradicional”.

Mas Roy Greenslade, crítico de mídia do jornal inglês The Guardian, discorda e afirma que a função de patrulhamento de governantes e empresários pode ser executada pelos sites de notícias na web sem nenhum prejuízo. “A relutância em renunciar ao impresso (…) está baseada na concepção de que vivemos num mundo ancorado no papel. Se o futuro está no digital, então o jornalismo online pela web faz todo o sentido”, diz Greenslade.

A polêmica é uma consequência direta da mudança de hábitos e de valores imposta pelo avanço da tecnologia digital e da comunicação multidirecional em rede. Não há motivos técnicos para que os jornalistas não continuem exercendo a sua função de watchdog usando a plataforma digital. Esta função pode ser ainda mais eficiente porque a internet viabiliza a colaboração do público no recebimento de denúncias e na checagem de informações.

A questão tem desdobramentos culturais, na mudança de hábitos e valores, bem como consequências econômicas, já que o negócio da produção de notícias inevitavelmente será afetado.

É importante que os jornalistas tomem consciência desse processo porque eles são protagonistas fundamentais nessa transformação. Até agora os profissionais eram basicamente empregados na indústria dos jornais. Esta situação tende a mudar cada vez mais rápido porque a redução dos dias de circulação de jornais impressos, ou até mesmo a suspensão da versão em papel, vai provocar desemprego e os profissionais terão que buscar novas funções no ambiente cibernético.

O leitor também começa a enfrentar as consequências das mudanças porque sua cultura informativa está sendo alterada num ritmo cada vez mais intenso. A adaptação mecânica e operacional está sendo surpreendentemente rápida até mesmo nas gerações mais velhas e, teoricamente, mais resistentes à mudança. Mas a questão cultural permanece num limbo porque as pessoas ainda não têm ideia do vulto das transformações em curso.

Se os jornalistas valorizam a sua profissão e seu papel na sociedade, eles terão que assumir também o papel de orientar o público leitor no ingresso na era digital e todo o conjunto de valores associados a ela. Este é um serviço de utilidade pública e apenas secundariamente, um bom negócio.

* Publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.