Benito Mussolini passando em revista os Bersaglieri, o corpo de elite do exército italiano conhecido por se deslocar em bicicletas.

Adolf Hitler, responsável pela morte de seis milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial, era um entusiasta do automóvel, todo mundo sabe. Nunca se viu Hitler falando bem da bicicleta ou de ciclistas – tampouco falando mal. Tanto é que havia companhias ciclistas no Exército alemão, como muitos exércitos naquela época, e a própria SS tinha uma tropa ciclista. Um grupo da juventude hitlerista cruzou a Grã-Bretanha inteira em 1937, em um tour que foi visto como um ato de “espiciclismo”. Ou seja, tudo indica que até os nazistas respeitavam a bicicleta como meio de transporte.

Hitler chega a aparecer em um cartão postal posando simpaticamente ao lado de ciclistas. Também Benito Mussolini aparece em duas fotos: numa, pedalando uma bicicleta diferente, com guidão ao lado das pernas e roda da frente menor. Na outra, passando em revista a tropa ciclista dos lendários Bersaglieri, o corpo de elite do exército italiano conhecido por se deslocar em bicicleta. Os Bersaglieri haviam adotado a bicicleta no final do Século 19, primeiro civis e depois fabricadas sob medida para os militares: dobráveis e mais robustas. A foto acompanha este artigo, para quem quiser ver.

Se fascistas e nazistas tinham lá sua admiração pelo ciclismo, o mesmo não se pode dizer da atrasada direita brasileira. Desde a manifestação que ocorreu em São Paulo, no dia 2 de março, em protesto pela morte de uma ciclista, atropelada por um ônibus na Av. Paulista, as agressões na internet não param. Pasme: não contra os carros ou o trânsito desumano da cidade, mas contra os que desejam fazer diferente e se deslocar em duas rodas. “Bikerdistas”, “fascibikers”, “talibikers”: assim têm sido chamados os ciclistas que tentam alertar a população de São Paulo para uma forma melhor de vida que não a ditadura do automóvel.

Dentro de seus carros, a direita balofa bufa contra os ciclistas que protestam, porque “param” o trânsito e “atrapalham” seu deslocamento egoísta e insano. São os mesmos ignorantes que costumam buzinar para os pobres coitados que puxam carroças com papelão pelas ruas de São Paulo para sobreviver, como se fossem antepassados dos burros de carga. A cena é comum na maior cidade da América do Sul. O homem puxa a carroça. O carro atrás dele buzina e o xinga. Com as bicicletas é a mesma coisa – quando não é a ameaça física de colocar o carro em cima e o atropelamento fatal. Um misto de inveja e sadismo.

Na verdade, não mudam muito os alvos dos ataques. Quem pregar contra os agrotóxicos e em favor dos orgânicos será atacado. Contra a ditadura militar e em favor da comissão da verdade. Contra a homofobia. Contra o higienismo. Contra a especulação imobiliária. Contra o racismo. Em favor do Estado laico. Em favor do aborto. Contra a barbárie e em favor da civilidade. Qualquer um com essas bandeiras será atacado pela direita inculta e medieval que temos. Será chamado de “fascista” e “nazista”, sendo que os agressores, eles sim, são piores que Hitler e Mussolini: incitam o ódio, a intolerância e o atropelamento de ciclistas em via pública.

Cuidado, criancinhas que andam de velocípede. Um dia a direita brasileira vai lhes achincalhar.

Cynara Menezes é jornalista, e atuou no extinto Jornal da Bahia, em Salvador.

** Publicado originalmente no site Carta Capital.