Desenvolvimentismo, Estado-nação e o resgate da política

Esta semana o governo deve anunciar uma série de medidas destinadas a proteger e impulsionar a indústria brasileira, cuja participação no PIB definha. Viável ou não, a retomada da agenda desenvolvimentista e o resgate do Estado-nação refletem uma tarefa incontornável, em relação à qual boa parte do pensamento progressista não alimenta dúvidas: é preciso repor a supremacia da política e da democracia sobre a hegemonia dos mercados e das finanças desreguladas.

Esta semana, o governo deve anunciar uma série de medidas destinadas a proteger e impulsionar a indústria brasileira, cuja participação no PIB definha: caiu de 16,5% para algo como 14,3% entre 2010 e 2011; no final dos anos 1990 essa fatia correspondia a 30% do PIB.

As causas desse declínio são objeto de debate entre correntes distintas do pensamento econômico. Grosso modo, neoliberais apontam o “custo Brasil” como origem da falta de competitividade do manufaturado brasileiro. Para superar o estrangulamento industrial seria necessário, prioritariamente, segundo os expoentes desse credo, melhorar a infraestrutura do país, reduzir impostos (leia-se cortar gastos públicos e recuar o papel do Estado na economia) , bem como promover uma reforma trabalhista para cortar direitos e despesas da folha. O conjunto seria arrematado com uma queda dos juros (de novo, só possível, de acordo com essa visão, se o setor público reduzir a participação no mercado financeiro como tomador).

A escola de pensamento heterodoxa, a exemplo da esquerda, concorda que a infraestrutura do país precisa ser fortalecida e prescreve pesados investimentos públicos nessa direção, a exemplo do que se faz parcialmente com o PAC. Mas diverge que seja este o ponto de urgência imediata. O torniquete a desatar imediatamente, no seu entender, seria a combinação perversa de desequilíbrio cambial e monetário (leia-se a endogamia entre juros altos e câmbio valorizado) que transformou o país num grande ralo do excesso de liquidez mundial. Essa drenagem indigesta desequilibra o câmbio e sufoca a indústria em duas frentes: pela concorrência devastadora dos bens importados e, simultaneamente, pela anemia exportadora da cadeia de manufaturados.

Em apenas seis anos, a balança comercial de manufaturados saiu de um superávit de US$ 5 bi, em 2006, para um déficit de US$ 92 bi em 2011.

O quadro tende a se agravar. O “tsunami de liquidez”, denunciado pela presidenta Dilma Rousseff, forma por enquanto apenas as suas primeiras marolas nas praias tropicais. Teme-se que a “solução” do impasse grego encoraje bancos e especuladores em geral a sacarem, a partir de agora e em ritmo crescente, a chuva de dinheiro barato que receberam das autoridades monetárias de seus países. Por enquanto, esse oceano da ordem de cinco trilhões de euros empoçado na zona do euro, por exemplo, está guardado nos diques do próprio BCE. Ao ser liberado, formará um jorro devastador em busca de operações lucrativas nos mercados ditos emergentes.

O debate sobre o que fazer guarda aparência técnica e não raro é tratado de forma tecnocrática, à direita, mas também por setores da própria esquerda. Na realidade, porém, sua essência é visceralmente política.

A grande interrogação é saber se os Estados nacionais, amarrotados e jogados no fundo da gaveta da história pelo vagalhão neoliberal das últimas décadas, têm sobrevida e nervura política para liderar a resistência ao imperialismo monetário emitido das burras dos mercados ricos, em benefício de seus bancos, do seu mercado de trabalho, dos fundos especulativos e corporações.

A dúvida remete a um subtexto de debate, que de alguma forma já se trava na academia: existe desenvolvimentismo possível no mundo pós-neoliberal?

Um texto provocativo, de autoria do professor José Luís Fiori, sugere que não. Mas mereceu reparos no blog do economista Fernando Nogueira da Costa, professor da Unicamp, vice-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Lula (2003-2007). As observações de Nogueira da Costa levantam questões interessantes para um debate necessário e oportuno. Outro contraponto provocativo vem do economista norte-americano Dani Rodrik que, recentemente, em artigo publicado no site Syndicate, defendeu a urgência de se retomar a agenda do Estado-nação como única alternativa concreta à desordem gerada pela crise neoliberal.

Viável ou não, a retomada da agenda desenvolvimentista e o resgate do Estado-nação refletem uma tarefa incontornável, em relação à qual boa parte do pensamento progressista não alimenta dúvidas: é preciso repor a supremacia da política e da democracia sobre a hegemonia dos mercados e das finanças desreguladas.

* Publicado originalmente no site Carta Maior.