Música sem fronteiras

Márcia Raquel Rolon.

Bailarina usa a dança e a arte para orquestrar o futuro de jovens que vivem entre o Brasil e a Bolívia.

Márcia Rolon, 40, passou sua infância numa fazenda à beira do Rio Taquari, no Pantanal. Lá, seu avô comprou um porto e abriu um pequeno comércio, onde recebia comitivas. O lugar foi um importante ponto de transporte de gado da fronteira entre Brasil, Bolívia e Paraguai.

Do bolicho da família, a menina viu muito boi subir o cais para fazer a travessia. Também viu seu Taquari ficar nervoso para inundar sua propriedade. Com a falência de Porto Rolon, Márcia foi obrigada a voltar para sua cidade (Corumbá-MS). Mas, antes, colocou o Pantanal na sua bagagem.

Sua mãe, a bailarina Sônia Maria Rolon, 63, foi ganhar a vida como professora de balé em uma escola. Sem ter com quem ficar, Márcia ficava num cantinho para assistir, sem piscar, as aulas de sua mestra. E permanecia ali, caladinha.

Um dia, num evento importante, faltou uma menina no balé. Foi a deixa para que Márcia, com seis anos, perguntasse: “Posso dançar, mãe? Só de olhar, aprendi”. Assim foi sua estreia no mundo da dança. “Ela sempre quis fazer o que estava além da idade dela”, diz Sônia.

Com 14 anos, Márcia virou professora, como a mãe, que foi o seu espelho. Sônia foi quem apresentou seu Agripino, patrimônio vivo da memória pantaneira, para Márcia. Com ele, a menina aprendeu a dançar o Siriri e o Cururu. E aprendeu tão bem, que foi parar no exterior.

“Com minha mãe, conheci a Itália e a França. Viajei pela Europa dançando o pantanal, e não com outra dança”, conta. E sempre com minha saia rodada, cheia de araras”, completa. Quis o universo que Márcia vivesse em zona fronteiriça e tivesse sempre um pas-des-deux.

Para isso, colocou em suas mãos o Instituto Homem Pantaneiro (IHP) e o Moinho Cultural, organizações que quebram paradigmas ao colocar crianças do Brasil e da Bolívia, juntas, sem preconceito. Meninos dançando balé e meninas tocando viola de cocho.

O antigo prédio do Moinho Cultural foi cenário de uma propaganda que Márcia protagonizou na sua infância. Também foi quartel do coronel Ângelo Rabelo, 50, hoje seu marido. Ângelo foi um bravo guerreiro na luta contra os coureiros de jacaré no passado. “Eu e Ângelo damos um balanço bom”, diz, rindo.

Márcia toca sua ONG com a leveza do balé, mas com o ritmo de sua mente. Em apenas cinco anos, fez meninos que nunca tiveram proximidade com a arte dançar ou tocar violino como se tivessem estudado em Viena (Áustria). “Estou sempre pensando à frente. Meus sonhos são sempre completos. É que sonho, quando olho, já não é mais sonho. E, dentro desse sonho, tem outro sonho, que tem outro.”

Quando encontra uma criança triste, logo diz: “Acende a luzinha. Ela tem de brilhar. Respire, a força vem de dentro”. Ganha assim um sorriso. O moinho roda com o sopro de sua fundadora. No IHP, o coronel é o Ângelo, mas todo mundo bate continência é para Márcia.

* Publicado originalmente no site Prêmio Empreendedor Social/Folha de S.Paulo.