Por que a América Latina não cresce como a Ásia?

Ao fim de 2011, a economia brasileira teve crescimento nulo. No princípio deste ano, um prestigioso instituto britânico, o Centre for Economic and Busines Research, colocou o Brasil à frente do Reino Unido na lista das “top 10” economias do mundo e previu que, em 2020, sua economia superaria a da Alemanha, hoje segundo exportador mundial depois da China. Carta Maior dialogou com Gabriel Palma, acadêmico chileno da Universidade de Cambridge, na Grã Bretanha, especialista em política econômica comparada, que há anos procura desentranhar por que os países da Ásia têm um crescimento sustentável que não existe na América Latina.

Carta Maior – No Brasil o copo está meio vazio ou meio cheio?

Gabriel Palma – Que a economia brasileira em termos de Produto Bruto Interno tenha passado a do Reino Unido não é tão significativo como pareceria à primeira vista porque o Brasil tem três vezes a população britânica. Se for comparado este dado com outras estatísticas brasileiras como a desaceleração, a desindustrialização, a “commoditificação” da economia, o panorama muda. Meu ponto de partida é outro. O que venho me perguntando faz tempo é por que os países da América Latina não podem crescer como os da Ásia. Na Coreia, Singapura, Taiwan, Malásia, Tailândia, Indonésia e China, o crescimento foi de dois dígitos durante décadas. Na América Latina não. Dá-se um crescimento de dois dígitos que dura uns anos e depois se esvazia. E não acontece só no Brasil. Acontece no Chile, na Argentina, no resto da região.

Carta Maior – E qual é a resposta a essa pergunta?

Gabriel Palma – Como você pode imaginar é muito complexa. Mas os dados são muito claros. Acho que o que tem que perguntar é por que o Brasil representa 75% do comércio mundial de ferro e só 2% do de aço em um país que tem a Embraer. E não é só o Brasil. Temos o caso do Chile, que hoje exporta muito mais cobre concentrado que fundido do que há 20 anos. O caso do México, que nos anos 1980 se propôs um desenvolvimento exportador com as montadoras. Hoje tem a mesma proporção de montadoras que 30 anos atrás.

A China, que também teve este modelo exportador nos anos 1980, hoje exporta a metade de sua produção em produtos de alto valor agregado. Há uma ambição econômica na Ásia que contrasta com a inércia que se sente na América Latina. Isto não quer dizer que não há tentativas. Na Argentina, se está experimentando algo diferente. No Brasil, Mantega está tentando, mas se choca com o Banco Central. Na Ásia todos parecem querer se superar.

Carta Maior – Entretanto, no caso do Brasil se calcula que uns dez milhões de pessoas saíram da extrema pobreza na última década, sinal de que houve avanços.

Gabriel Palma – No Brasil como no Chile e na Argentina, houve avanços, tanto neste sentido como na redução do desemprego. No Brasil, temos o salário mínimo e o Bolsa Família que dará a 11 milhões de famílias subsídios que lhes permitam baixar os níveis de pobreza. A questão é que todo este Bolsa Família é 0,5% do PIB. Agora, se com 0,5% do PIB se consegue esta redução da pobreza, por que não se tenta com 1% do PIB que não é nada do outro mundo e que reduziria em 11 milhões mais a pobreza? Segundo um estudo da Cepal, há seis países latino-americanos, entre eles a Argentina, o Brasil e o Chile, nos quais custaria menos de 1% do PIB terminar com a pobreza. Se falarmos da Índia, com 500 milhões de pobres, a tarefa é titânica: custa 10% do PIB terminar com a pobreza. Na América Latina não. No Chile, com 20 anos de governo da Concertação se reduziu primeiro a pobreza de 40% para 20% e, uma década mais tarde, 10%. Hoje voltou a dar um salto para 15%. Inclusive com governos progressistas, que têm uma vontade política neste sentido, com contas fiscais em ordem e um boom de commodities, o avanço é muito menor do que poderia ser.

Carta Maior – Há um assunto que trata do desenvolvimento também. A pobreza está inevitavelmente vinculada com o modelo econômico que se aplica.

Gabriel Palma – Não resta dúvida. No Brasil há uma crescente “commoditificação” da economia. Há dez anos, as commodities representavam 25% do total. Hoje constituem 50%. Há um grande desenvolvimento das commodities, mas com poucos produtos processados e com um abandono da indústria manufatureira que é lamentável. O atual modelo econômico, que começou nos anos 1980, aprofundou-se com Cardoso e continuou com Lula, se baseia em um tipo de câmbio sobrevalorizado e na entrada de capital, o que vem causando a desindustrialização do país. Não há país asiático que siga esta política macro.

Carta Maior – O governo lançou o programa Brasil Maior para revitalizar a indústria. O caminho pode ser este?

Gabriel Palma – Se parar a decadência já me conformo. Ao olhar a taxa de investimento total – nacional, estrangeira, pública e privada – por trabalhador no Brasil, se percebe que hoje são menores do que nos anos 1980. Ao se comparar com a China, se percebe que o investimento aumentou 12 vezes com respeito aos anos 1980. O Brasil vem há 30 anos com um investimento público menor que 3% do PIB. Hoje a infraestrutura está caindo aos pedaços. E as taxas de juro são usurárias. No último estudo da Federação de Comércio de São Paulo, a taxa de juros média do cartão de crédito batia em 230% anual. Fala-se muito da criação de una nova classe média graças ao acesso ao crédito, mas além de acesso ao consumo o que eu vejo é um grande endividamento com taxas de mora muito altas.

Carta Maior – Há uma bomba-relógio no setor financeiro do Brasil?

Gabriel Palma – Não acho que seja como a dos Estados Unidos e Europa. Há problemas, mas as contas fiscais são sustentáveis, a dívida externa caiu, o setor produtivo não tem grandes dívidas. O melhor que se pode dizer do Brasil é que não há nenhuma bomba-relógio financeira nos próximos cinco anos. Mas também está claro que não vai haver um crescimento de mais de 3% ou 4% e terá um grande desenvolvimento do setor financeiro e das commodities. O último informe global do Banco Santander é muito interessante neste sentido. No Brasil, estão 15% de seus ativos e 30% de seus lucros mundiais. Por isso, todos receberam Lula como um herói em Davos.

Carta Maior – Que impacto pode ter esta situação do Brasil em seus vizinhos em meio à atual crise econômica?

Gabriel Palma – A grande vantagem dos países latino-americanos é que a demanda das commodities vai continuar. Isto amortiza o impacto de uma crise externa. Acho que a atual crise mundial vai deixar lembranças, não tanto pela profundidade, mas pelo tempo que vai custar para sair. Neste sentido, a América Latina teria que se preparar para cinco ou dez anos de dificuldades no setor externo e se concentrar mais em potencializar seu mercado doméstico.

* Publicado originalmente no site Carta Maior e retirado do Mercado Ético.