Horizonte nada perdido

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Quarta edição do Encontro Sebrae de Sustentabilidade reforça conceitos e atualiza cenário para os micro e pequenas empresas

As últimas notícias sobre o futuro imediato seguem preocupantes. Vejamos: no Reino Unido, o Ministério da Defesa acaba de divulgar estudo sobre o contexto mundial de segurança em 2045. O levantamento se baseou em tendências de quatro segmentos: tecnologia, urbanização, variação climática e gestão de recursos naturais, em particular a água. Estima-se que, dos 10 bilhões de pessoas que existirão até lá, quase a metade (4 bilhões) irão ser atingidas em cheio pela falta deste insumo que garante a própria vida. Não precisa ir longe: no Brasil, regiões como a do Estado de São Paulo já anteciparam o cenário dos próximos 30 anos. Não sai do noticiário o fato de que o enclave mais rico e urbanizado do país agora vive seus dias de sertão nordestino, com temperaturas cada vez mais altas e estiagem prolongada. Efeitos da destruição progressiva da floresta amazônica, como alertam há um bom tempo os cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

A crença de que temos condições de sobreviver em meio a este “apocalipse now” ressurge quando cada vez mais gente tem o “clique” e entende que desenvolvimento sustentável abre uma ampla gama de negócios. Mais do que uma rima, ‘a necessidade gera a oportunidade’ é o mantra que norteia este novo tempo, como lembrou a antropóloga e ambientalista alemã Maritta Koch-Weser durante a palestra magna que fez na abertura do 4º Encontro Sebrae de Sustentabilidade, que aconteceu entre os dias 29 e 31 de julho no Centro de Eventos do Pantanal, em Cuiabá (MT). Organizado pelo Centro Sebrae de Sustentabilidade, o evento reuniu plateia cheia, entre empresários, autoridades, convidados, jornalistas, dirigentes e técnicos do próprio órgão, com paineis e palestras que giraram em torno do tema “Negócios que transformam realidades”. Pouco antes, na abertura do evento, o presidente do Sebrae Nacional, Luiz Barreto, lembrou que mais de um quarto de tudo o que é produzido no Brasil vem de pequenas empresas.

Em breve retrospecto para os pouco iniciados no assunto, o conceito de sustentabilidade apareceu pela primeira vez no século 17 na Saxônia, uma das regiões da mesma Alemanha que nos dias atuais é um dos carros-chefes em ideias e realizações que vão prolongando as condições de uma boa qualidade de vida. A forte corrente em curso até hoje tomou força nos anos 1980 com os argumentos contidos no livro “Nosso Futuro Comum”, escrito pela ex-premiê da Noruega GroHarlemBrundtland, citou a especialista com mais de 30 anos de atuação e atual coordenadora do Grupo de Pesquisa “Amazônia em Transformação: História e Perspectivas”, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), além de fundadora e presidente da organização não-governamental Terra 3000, que aconselha programas ambientais e empresas sociais de vários países.

Em um mundo interligado não só pela comunicação, mas também em dependências de matérias-primas, produtos oriundos da terra e sistemas de longa distância, com ameaças cada vez mais difíceis de controlar, aliadas às variações do clima e o temor da falta de comida para cada vez mais gente, o desafio é encontrar o viés de “crescer inteligentemente, usando menos para produzir mais”. Com 70% das pessoas vivendo hoje nas cidades, gargalos como a já citada acentuada crise de abastecimento de água em curso em São Paulo se tornam oportunidades empresariais. Encontrar novos jeitos de manejar transporte, geração de energia, água e resíduos sólidos e agricultura urbana, entre outros, são temas relevantes para o ambiente de negócios.

Os empresários ouviram da especialista alemã que a renovação das atitudes dos consumidores, mais solidários e criativos, fazem com que se disponham a pagar mais por produtos socialmente justos e com certificação ambiental. A retomada da preferência por produtos locais vem da preocupação com a autossuficiência, levando à redução de despesas com logística e impacto no meio ambiente. A instituição de moeda local para produtos “caminho curto” é usado em algumas localidades da Europa. Intrumentos de mercado como menos intermediários, como sistemas financeiros para agricultura alternativa e cooperativismo e bolsas verdes para financiar produtos da floresta, tendem a surgir. Chegam também novas cadeias de valor, com foco no ganho regional como um todo: produtos acabados (cosméticos, frutas, legumes, sucos, fibras, peixes), produtos certificados (alimentos, cosméticos, móveis e madeiras) e rastreamento ao longo da cadeia para garantir origem e qualidade.

Na área da nutrição e saúde, há oportunidades para produtos integrantes de dietas em substituição à carne, alimentos sem lactose e glúten, além dos já conhecidos orgânicos. O conceito ‘misfits’ adotado na capital da Alemanha, Berlim, estabeleceu mercados secundários para frutas, legumes e verduras descartados na triagem do padrão máximo de qualidade. Exemplo de mais uma boa nova ideia recente vem também do país natal de Maritta Koch-Weser: uma empresa que faz locação de carros via celular. Geração local de energias renováveis também é um segmento interessante para empreendedores.

Os cabeças da mudança

Instigado pelo tema “Liderança e Gestão Sustentável”, Sérgio Besserman observou que estamos vivendo um período especial da história. Nas próximas duas, três décadas, a humanidade se verá diante de escolhas nunca feitas antes sobre seu futuro, quais os valores a serem transmitidos para as próximas gerações sobre produção e consumo e em que estado deixará o mundo para a sobrevivência dos contemporâneos e os que ainda vão nascer.

Com as credenciais de economista, ambientalista, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), ex-diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e membro do Conselho Fiscal da WWF Brasil, Besserman alertou que a falta de lideranças em todos os níveis (local, regional e global) é preocupante porque são elas que fazem a condução firme em meio à atualíssima crise ambiental (tempestades, inundações, furacões, estiagens prolongadas) que provocam graves consequências sociais, sem mencionar as guerras e sérios conflitos armados entre países que as fragilizadas estruturas das Nações Unidas não conseguem enfrentar.

Por isso tudo, as grandes empresas estão estudando o panorama para planejar negócios e investimentos de acordo com as previsões acerca das mudanças climáticas e transformações de culturas e processos produtivos. Nessa esteira, as micro e pequenas empresas precisam se preparar também. A indicação é que produtos e serviços incluam o custo do aquecimento global em seus preços, uma forma de consumidores e empreendedores exigirem uma atuação concreta dos que se apresentam como lideranças. “A crise ecológica e ambiental causará problemas, sobretudo para os mais pobres”.

Urbanidade fortalecida

Os aglomerados de gente em que se transformaram as cidades em meio ao êxodo rural acentuado dos últimos 50, 60 anos causaram problemas cujas soluções não podem mais ser adiadas. No painel “Cidades sustentáveis e as oportunidades para as empresas”, debate mediado pelo publisher da Envolverde, Dal Marcondes, tratou-se primeiramente da gestão dos resíduos sólidos, uma das maiores fontes de contaminação do meio ambiente.

Às vésperas do prazo para que os municípios brasileiros apresentem o Plano de Gestão Integrada, que termina neste sábado, 2 de agosto, Gabriela Gomes Prol Otero, coordenadora técnica da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), disse que apenas 30% das cidades haviam cumprido a legislação até abril deste ano ao falar do tópico “Resíduos Sólidos: A lei e seus impactos”. Em 10 anos, segundo ela, o aumento da produção de resíduos aumentou 21%, “bem acima do crescimento populacional do período”. Com esse dado em mãos, ganhou ênfase o conselho da especialista sobre repensar o consumo, reaproveitar e reciclar os resíduos e instalar usinas de compostagem (transformadoras de materiais grosseiros em orgânicos utilizáveis na agricultura).

A brecha de oportunidade de negócio foi enxergada pela Marca Ambiental, primeiro aterro sanitário privado do Brasil. Instalado em Cariacica, atende 22 municípios do Espírito Santo. Gerente de Comunicação e Imagem da Empresa, Mirela Souto contou que 60% dos resíduos processados na empresa vêm da indústria e comércio e outros 40%, do lixo urbano.

Em mais um gol da Alemanha, foi apresentado à plateia Freiburg, cidade que se tornou referência em sustentabilidade a partir da geração de energia solar. A história foi contada por Rolf Buschmann, diretor executivo do Solar Info Center, que construiu a primeira usina com recursos próprios, sempre tendo em mente que a sustentabilidade tinha de ser vista como um negócio. Conhecida como a “Toscana” alemã, Freiburg é a região mais ensolarada e quente da Alemanha. Sem rios, sem fábricas, a pequena cidade universitária enxergou neste fato sua sobrevivência e foi se transformando em exemplo de local ecologicamente correto, com prédios inteligentes, ampla rede de transportes públicos, incentivo ao uso de bicicletas. Os carros são estacionados em garagens coletivas e só podem chegar às portas das casas para serem carregados ou descarregados. E a própria população fiscaliza: “Se você demora um pouco mais e deixa o carro ligado, o vizinho chama sua atenção”, contou Buschmann.

Sólidas construções

O Brasil está bem na fita no quesito construções sustentáveis. Ocupa o quarto lugar do ranking, atrás apenas de Estados Unidos, China e Emirados Árabes, com 700 prédios verdes – o líder tem 45 mil. Tem apenas dez anos o fenômeno de construções certificadas, o que é um avanço, mas ainda muito pouco em meio ao setor da construção civil, um dos que mais geram resíduos e impactam o meio ambiente. Os prédios sustentáveis seguem toda a cartilha da máxima eficiência no uso de água e energia. No painel “Edificações certificadas e agregação de valor”, mediado por Ênio Pinto, gerente da Unidade de Acesso a Tecnologia e Inovação do Sebrae Nacional, a representante do Procel Edifica, Estefânia Mello, explicou o que é o Programa Nacional de Conservação de Energia e suas distintas certificações.

Todos os prédios novos e reformas feitas em grandes órgãos públicos e autarquias federais a partir do dia 5 de agosto de 2014 deverão ser certificados e etiquetados com o selo Procel Edifica, obtendo nível A (mais eficiente), de acordo com Instrução Normativa (IN) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão publicada no último dia 5 de junho. A crença geral é de que a iniciativa será seguida pelo mercado. Em relação aos prédios que recebem o selo, Estefânia esclareceu que “o programa avalia o potencial de economia que a edificação possui, mas o responsável pela eficiência energética é o usuário”. Em futuro próximo, o selo deve se tornar pré-requisito para certificações internacionais e ser parceiro do BNDES para ajudar a financiar hospedagens que já vão nascer buscando a certificação.

Esta tendência de construções sustentáveis é irreversível. Presente em muitos países, começa a ganhar mais escala no Brasil, diagnostica a professora Raquel Blumenchaii, da Universidade de Brasília (UnB). “Estes tipo de edificações surgiram no final dos anos 1980, início da década de 1990, para dar oportunidade à construção civil de assegurar desempenho ambiental.” O processo cobre projeto, construção, manutenção e demolição. Este é um conjunto de soluções para esta indústria deixar de ser grande causadora de impacto ambiental, descreveu.

A professora defendeu a ampliação, por parte dos bancos, das linhas de crédito para as construções dos pequenos negócios, citando que no México há um Fundo Verde para financiar construções sustentáveis de micro e pequenas empresas; enquanto que, na Inglaterra, uma lei definiu que até 2025 todas as residências devem ter emissão zero de carbono.

Esta contextualização foi essencial para os presentes compreenderem de forma plena a importância do Centro Sebrae de Sustentabilidade (CSS), uma edificação que nasceu sustentável desde sua concepção. Coordenadora do Centro, a engenheira Suênia Sousa fez uma rápida descrição do processo de construção do prédio e os princípios sustentáveis que o guiaram, desde o projeto arquitetônico, baseado no estilo e sabedoria das casas indígenas do Xingu, até a ausência de terraplanagem e o respeito às árvores e vegetação nativas. “Os índios sabem viver no clima tropical, posicionar suas casas em relação ao sol e não usam tecnologia”. O prédio aproveita a iluminação natural e coleta a água de chuva, usada na limpeza, banheiros e jardins.

Certificado no semestre passado pelo Procel Edifica, com nível A em eficiência energética como projeto e edificação construída – o primeiro do estado de Mato Grosso -, e também vencedor do Prêmio Abesco (Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia) na última semana, o CSS recebe visitas o tempo todo de empresários, estudantes e profissionais de engenharia e arquitetura do Brasil e do exterior. Em termos de energia e água, o custo operacional é metade do que gastaria uma edificação convencional. “O objetivo é ser um laboratório vivo de práticas sustentáveis no ambiente construído para mostrar que é possível. O exemplo é que proporciona a melhor aprendizagem”, ressaltou a coordenadora do Centro.

Exigência e confiança

Na hora do “compre e pague”, reina o otimismo. Pesquisa conduzida pelo Carrefour trouxe à tona mudanças favoráveis no comportamento do consumidor: 77% deles disseram ter muito interesse em saber como as empresas tentam ser sustentáveis; outros 53% afirmaram que não comprariam mais sua marca preferida se tomassem conhecimento que o fabricante prejudicou de alguma forma a sociedade e o meio ambiente; e ainda 37% dos consultados topam pagar mais por produtos com selo ambiental. A revelação foi feita por Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade da segunda maior rede de supermercados do mundo, em debate também mediado por Dal Marcondes, da Envolverde, sobre o tema “Produção e consumo sustentável”.

Isso vem de encontro ao pensamento manifestado pelo diretor de Comunicação e Relações Institucionais do Instituto Ethos, Henrique Lian: as empresas precisam ser tocadas para desenvolverem uma consciência ecológica, mas como empresas não têm coração, são impulsionadas pela competitividade e lucro. Em suas palavras, as principais dificuldades encontradas pelas empresas para adotarem práticas mais sustentáveis são a falta de financiamento e, por outro lado, tantos incentivos e subsídios para atividades não conduzidas por esta trilha e ainda, o temor de perder mercado.

Representando os produtores, Felipe Warken, da ConservasLinken, pequena empresa de Janaúba, no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais, confirmou que implantou os princípios de sustentabilidade por necessidade mesmo. Instalado em uma região distante mil quilômetros dos locais onde comprava embalagens para as conservas de vários tipos de pimentas e legumes como abobrinha, cebola, pepino e quiabo, entre outras, a saída foi adotar a logística reversa: os consumidores levam um vidro vazio e o deixam na hora da compra. Resíduos de outras empresas, as caixas usadas para armazenamento são viradas do avesso e reutilizadas.

No final de 2012, a empresa foi um dos seis destaques finais do Prêmio Sebrae MG de Práticas Sustentáveis. A premiação agregou credibilidade à marca, que viu suas vendas crescerem em 30%. “A sustentabilidade tem que entrar na veia porque as tentações para não fazer são muitas”, confessou o microempresário que promoveu a inclusão de uma comunidade carente do entorno no seu negócio ao empregar famílias inteiras para descascar os produtos in natura, sempre atento ao controle de qualidade, ao invés de comprar máquinas para este fim.

Renascimento à espanhola

Admirada por absolutamente todos que a visitam, Barcelona, na Espanha, foi uma cidade vítima da desindustrialização a partir de 1960 e que, por 30 anos, viu aumentar o passivo de áreas bastante degradadas e problemáticas. A situação começou a mudar a partir da implantação de um projeto que promoveu uma transformação radical nestes pontos. AlejoAlcolea, da Barcelona Media, um dos principais centros tecnológicos da Europa e que atua com pesquisas e projetos de inovação voltados para as áreas de comunicação, cultura, economia criativa, turismo e desenvolvimento de territórios, viajou por muitas horas para contar o case de sucesso pessoalmente.

“Smartcity Barcelona, Espanha: a combinação inteligente entre inovação, as atividades dos negócios e a vida das pessoas” foi um título autoexplicativo dado à palestra. Ao exibir sua apresentação na tela, Alcolea foi detalhando o Plano Especial de Infraestrutura 22@, que transformou o triste cenário da localidade de Poblenou em um point literalmente cheio de vida: a abertura de uma grande avenida até o mar, a instalação de sistemas inteligentes de água, energia elétrica, telefonia, a construção de edificações sustentáveis, um novo modelo de mobilidade e revitalização do espaço público, com mais áreas verdes, entre outras medidas, promoveu uma ocupação residencial e comercial de qualidade. O grande impulso para a revitalização foi a Olimpíada de 92.

Convidado para uma das palestras de encerramento, o filósofo e professor Clóvis de Barros Filho cunhou pensamentos que trazem toda a dimensão do que significam as mudanças preconizadas pela sustentabilidade. “Para viver melhor, temos que transformar, modificar, revolucionar esta situação. Quando se vive um momento feliz, o desejo é de torná-lo o mais duradouro possível, como um processo contínuo de construção. Este é o sentimento que move a ética, o amor e a sustentabilidade. A humanidade quer felicidade sustentável, duradoura.”(Envolverde)