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Indígenas da Costa Rica contam seus dramas para Ban Ki-moon

Uma família indígena costarriquenha corre para se proteger na comunidade de Cedror, no território indígena de Salitre, no dia 6 de julho, com medo de ser atacada por produtores que ocupam sua terra, depois de terem queimado suas casas e pertences um dia antes. Foto: David Bolaños/IPS
Uma família indígena costarriquenha corre para se proteger na comunidade de Cedror, no território indígena de Salitre, no dia 6 de julho, com medo de ser atacada por produtores que ocupam sua terra, depois de terem queimado suas casas e pertences um dia antes. Foto: David Bolaños/IPS

 

São José, Costa Rica, 1/8/2014 – Os indígenas da Costa Rica, que sobrevivem entre agressões de agricultores e pecuaristas que invadem suas terras e queimam suas casas e pertences, conseguiram um novo aliado: o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, que se reuniu com 36 de seus líderes durante uma visita ao país.

Os líderes dos oito povos originários do país expuseram ao secretário-geral a necessidade de incluir mulheres indígenas nos processos de consulta, contaram episódios de violência contra os indígenas e suas muitas lutas para tudo, inclusive para conseguir um documento de identidade.

Mas, destacaram, sua preocupação principal é a ocupação “pelo homem branco” de áreas indígenas, o que gera crescentes casos de agressões por parte de produtores que invadem seus territórios ancestrais, de onde pretendem expulsá-los, apesar de uma lei que estabelece seus direitos coletivos sobre eles.

O último episódio violento aconteceu na comunidade de Cedror, dentro do território indígena de Salitre, no sudeste do país. Ali a comunidade do povo bribri iniciou um processo de recuperação de terras ocupadas por produtores agropecuários, chamados “finqueiros”, e estes responderam queimando ranchos e bloqueando o acesso ao território.

A violência contra os indígenas, entre 5 e 8 de julho, exigiu a intervenção local da vice-ministra para Assuntos Políticos, Ana Gabriel Zúñiga, enviada pelo presidente Luis Guillermo Solís, junto com a Defensoria dos Habitantes e do Ministério de Justiça e Paz. Cerca de 80 atacantes chegaram, no dia 5, armados com pedras e armas de fogo, tiraram com violência os moradores de seus ranchos (moradias indígenas) e as queimaram com tudo que havia dentro.

Ligia Bejarano, uma das três indígenas que expuseram a situação dos povos originários a Ban Ki-moon, contou a ele como em 2010 os indígenas foram desalojados da Assembleia Legislativa enquanto exigiam a aprovação de uma nova lei indígena. Segundo Bejarano, Ban se mostrou muito receptivo a respeito de suas reclamações e lhes disse que estava “inteirado” das últimas agressões contra os indígenas neste país, que representam 2,6% dos 4,5 milhões de pessoas.

O secretário-geral visitou a Costa Rica oficialmente no dia 30 de julho, para seguir em viagem particular pelo país por mais quatro dias. “Ele ressaltou que o diálogo é uma ferramenta muito poderosa e que devemos continuar incentivando-o, sempre e quando houver participação das bases na comunidade”, contou à IPS a indígena brunca Magaly Lázaro, que também participou da reunião.

“Este é um grupo de populações marginalizadas, discriminadas por muito tempo pela sociedade”, afirmou Ban em referência aos indígenas, pouco depois do encontro, durante uma conferência magistral na Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em São José. “Um vazio que sinto é que esta reunião tão importante durou muito pouco, em cinco minutos não pude dizer o que sinto, não se pode resumir tantas coisas”, disse à IPS outra participante, Justa Romero, da Associação Comissão de Mulheres Indígenas de Talamanca, no sul caribenho.

O território indígena que concentra os maiores problemas é Térraba, 150 quilômetros a sudeste de São José. Cerca de 85% de suas terras estão ocupadas por não indígenas, segundo o informe do Estado da Nação de 2012, elaborado pelo independente Conselho Nacional de Reitores. Isto apesar de a Lei Indígena da Costa Rica, vigente desde 1977, declarar que esses territórios são inalienáveis, imprescritíveis, não transferíveis e exclusivos das comunidades indígenas que os habitam. Isso significa que, embora tenham adquirido as terras e apresentem títulos de propriedade, os documentos e as compras não têm nenhum valor.

Os líderes indígenas contaram à IPS que na reunião com Ban pediram sua ajuda para conseguir que os poderes públicos acelerem os processos para que seus direitos sejam respeitados e apoiem seu desenvolvimento próprio e autônomo. “Agora queremos saber quantas pessoas não indígenas estão dentro de nosso território, não é só dizer que encontramos uma ou outra coisa, isto é, vamos e tiramos e mostramos que isto é verdadeiramente dos indígenas”, pontuou a bribri Romero.

Os cerca de cem mil membros dos povos bruca, ngäbe, bribri, cabécar, maleku, chorotega, térraba e teribe, segundo o Censo Nacional 2011, se agrupam em 24 territórios indígenas, espalhados por todo o país. Em conjunto, esses territórios somam 350 mil hectares, em torno de 7% da superfície do país. A vice-ministra Zúñiga garantiu, após visitar Salitre, que o governo de Solís – na Presidência desde maio – reconhece o direito dos indígenas ao seu território e os acompanhará na recuperação de suas terras.

“Começamos a fazer um exame da demarcação de Salitre e estamos adotando os primeiros passos para ver quais (dos não indígenas) têm fazendas no território e quais têm direito a indenização”, declarou à IPS o assessor para assuntos indígenas da Presidência, o maleku Geiner Blanco.

Um projeto de lei que busca amenizar as carências institucionais do país está há 19 anos parado na Assembleia Legislativa. Entre as reformas propostas estão as de que sejam os conselhos indígenas a exercerem a governança de suas terras, que os indígenas não saiam dos territórios e que os nativos tenham a educação segundo sua cosmovisão e cultura.

“Não queremos ser pedintes do Estado. Se aprovarem a lei, poderemos nos autodesenvolver segundo nossa visão, de que devemos proteger as florestas e manter as águas”, destacou à IPS o boruca José Carlos Morales. “Mas não querem aprovar. Querem que continuemos sendo pedintes”, acrescentou este dirigente que participou da redação da Lei Indígena de 1977 e que trabalhou por cinco anos no Conselho para Direitos Indígenas do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Lázaro, de 29 anos, ressaltou à IPS que gostaria de deixar de ter medo, que começou a sentir em agosto do ano passado, quando visitava Salitre e preparava alimentos com um grupo de mulheres e crianças, enquanto os homens revisavam os limites da área. “Íamos comer quando chegou um monte de gente com garrotes e paus e nos cercaram em questão de segundos. Mudavam as armas de um lugar a outro. Era uma turba de finqueiros e pessoas brancas. Eu ouvia sobre esta violência, mas vivê-la me deixou com medo”, enfatizou. Envolverde/IPS