Arquivo

Inédita preocupação com o casamento infantil e a mutilação genital

Cirurgião tradicional em Kapchorwa, Uganda, fala com um repórter. A organização Reach capacita mulheres da região para sensibilizar a população a fim de deter a mutilação genital feminina. Foto: Joshua Kyalimpa/IPS
Cirurgião tradicional em Kapchorwa, Uganda, fala com um repórter. A organização Reach capacita mulheres da região para sensibilizar a população a fim de deter a mutilação genital feminina. Foto: Joshua Kyalimpa/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 24/7/2014 – Cúpula das Meninas realizada em Londres e uma conferência paralela em Washington ressaltaram a necessidade de enfrentar o casamento infantil e a mutilação genital feminina (MGF), enquanto o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) informava que 130 milhões de mulheres sofreram essa ablação e 700 milhões foram obrigadas a se casar ainda meninas.

O problema é maior na África e no Oriente Médio, segundo o documento do Unicef, que analisou as consequências de longo prazo da MGF e do casamento infantil em 29 países.

O documento, apresentado no dia 22, vincula a MGF com “hemorragias prolongadas, infecções, infertilidade e morte”, e assinala que o casamento infantil pode predispor as envolvidas à violência de gênero e ao abandono dos estudos. “Os números nos dizem que devemos acelerar o esforço. E não nos esqueçamos de que essas cifras representam vidas reais”, afirmou o diretor-executivo do Unicef, Anthony Lake, em um comunicado divulgado nesse dia.

“Embora esses problemas sejam de escala mundial, as soluções deve ser locais, impulsionadas pelas comunidades, famílias e as próprias meninas para mudar as mentalidades e romper os ciclos que perpetuam a MGF e o casamento infantil”, acrescentou Lake.

A Cúpula das Meninas aconteceu no dia 22, em Londres, organizada pela Grã-Bretanha e pelo Unicef, enquanto os problemas das adolescentes, e em especial a MGF, recebem uma crescente atenção de determinados setores. Nesse dia, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, anunciou uma mudança legislativa que obrigará legalmente os pais a impedirem a MGF.

“Chegamos a um pico histórico tanto na consciência política como na vontade política para mudar as vidas das mulheres em todo o mundo”, disse Ann Warner, especialista em gênero do Centro Internacional para a Pesquisa sobre as Mulheres (ICRW), com sede em Washington. Warner divulgou recentemente um informe recomendando que as meninas tenham acesso a educação de qualidade e redes de apoio, e que as comunidades ofereçam incentivos econômicos, campanhas informativas e fixem uma idade legal mínima para o casamento.

Em uma conferência realizada em Washington, com atividade paralela à Cúpula das Meninas em Londres, Warner acrescentou que existem numerosas “iniciativas promissoras, iniciadas por ONGs, ministros de governo e grupos da sociedade civil de todo o mundo, que conseguiram mudar o rumo da temática e modificar atitudes, conhecimentos e práticas.

Os ativistas podem aprender especialmente sobre os avanços da Índia para prevenir o casamento infantil, acrescentou Warner. Porém, acredita que falta uma resposta mundial. “O que faz falta seriamente é um esforço mundial coordenado de acordo com a escala e o tamanho do problema” da MGF e do casamento infantil, ressaltou. “Como 14 milhões de meninas se casam a cada ano, um punhado de projetos individuais em todo o mundo simplesmente não basta para arranhar o problema”, enfatizou.

A necessidade de melhorar a coordenação foi compartilhada por Lyric Thompson, copresidente da Meninas, Não Noivas, uma fundação dos Estados Unidos que copatrocinou a conferência de Washington. “Se vamos acabar com o casamento infantil, isso implica um esforço muito mais sólido do que o atual. Uns poucos projetos, não importa o quanto sejam efetivos, não acabarão com a prática”, acrescentou a especialista.

Thompson pediu ao governo dos Estados Unidos que adote uma postura mais ativa contra as práticas que prejudicam as mulheres no mundo, em coerência com a lei de violência contra a mulher que este país aprovou em 2013. “Se os Estados Unidos falam sério em acabar com essa prática em uma geração, isso implica também o árduo trabalho de garantir que os diplomatas norte-americanos negociem com suas contrapartes nos países onde a prática está muito difundida”, apontou.

“Também implica a participação direta em árduas negociações da ONU, como as que determinarão a agenda de desenvolvimento posterior a 2015, para garantir que a meta de acabar com o casamento infantil, precoce e forçado seja incluída no objetivo da igualdade de gênero”, pontuou.

No dia 22, Washington anunciou quase US$ 5 milhões para combater o casamento infantil e pela força em sete países em desenvolvimento durante 2014, e se comprometeu a redigir uma nova lei a respeito em 2015. “Sabemos que a luta contra o casamento infantil é a luta contra a pobreza extrema”, disse nesse dia Rajiv Shah, diretor da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).

A chave para a mudança social com relação a esses problemas, seguramente a têm os atores da sociedade civil. “Os organismos em condições de responder aos casos de casamentos forçados devem trabalhar juntos, com a comunidade e as ONGs para garantir o desenvolvimento de políticas”, afirmou Archi Pyati, diretora de políticas públicas do Centro de Justiça Tahirih, uma organização de defesa jurídica com sede em Washington.

“Professoras, conselheiros, médicos, enfermeiras e outros em condições de ajudar uma menina ou uma mulher a evitar um casamento forçado devem estar informados e preparados para agir”, detalhou Pyiati. Uma campanha de sensibilização em torno dos casamentos pela força fará um giro pelos Estados Unidos a partir de setembro, acrescentou .

Shelby Quast, diretora de políticas da Igualdade Já, organização humanitária internacional com sede em Nairóbi, reiterou a importância da luta contra a MGF e o casamento infantil em diversos âmbitos. “A estratégia que melhor funciona é a multissetorial, incluídos o direito, a educação, a proteção infantil e outros elementos, como o apoio às sobreviventes da MGF e as estratégias de promoção na mídia”, afirmou.

“Estamos em um ponto de inflexão em nível mundial, por isso vamos manter o impulso para assegurar que todas as meninas em situação de risco estejam protegidas”, destacou Quast. Envolverde/IPS