Lei da Midia Democrática no Congresso

Debate na ECO. Foto: Camila Nobrega
Debate na ECO. Foto: Camila Nobrega

No centro das polêmicas que dão combustível às manifestações nas cidades brasileiras está uma que parece causa de poucos, mas é transversal a todas as outras reivindicações: a democratização dos meios de comunicação. Apesar do que diz a Carta Magna sobre a regulação de concessões, no Brasil há uma grave situação de concentração da mídia: poucos grupos privados e menos de dez famílias são os donos dos meios de comunicação.

Em vários estados brasileiros, ocorre o que, em termos econômicos, chama-se de monopólio, para designar uma concorrência imperfeita dentro do ideal que governa a sociedade atual, de livre mercado. Para ser livre, o monopólio tira a força dos demais, não deixando que eles cresçam ou dificultando até mesmo sua existência. E isso acontece com apoio do Estado, uma vez que a maioria das verbas para publicidade dentro de órgãos públicos são destinadas ao que se convencionou chamar de grande mídia. Foi esse o tema que reinou no debate realizado esta semana na Escola de Comunicação da UFRJ. E é ele também que incendiou as redes sociais nesta quinta-feira (22/8), com o lançamento da Lei da Mídia Democrática, Projeto de Lei de Iniciativa Popular das Comunicações, no Congresso Nacional.

Segundo Maria Mello, da secretaria executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o projeto de lei será apresentado aos parlamentares e à sociedade civil, já que o evento é público, em Brasília.

– Esperamos materializar, no ato, toda a diversidade contida na campanha Para Expressar a Liberdade, que foi a propositora do Projeto de Lei da Mídia Democrática. Temos confirmações de entidades representativas dos movimentos sociais mais diversos, do movimento sindical e de parlamentares do campo progressista. Vamos mostrar que o povo está cada dia mais disposto a lutar por esse direito fundamental que é o direito humano à comunicação.

Essa luta existe no país há mais de 30 anos, mas nunca conseguiu uma mudança na legislação, ou a simples regulamentação de leis que já existem e não são aplicadas. É o caso daquela que regularia a concentração de veículos nas mãos de uma só corporação, o que é impedido em vários países. Esse foi o foco do debate na Escola de Comunicação da UFRJ, com uma mesa composta por Felipe Peçanha, o Carioca da Midia Ninja, Catherine Lira, representante da Rede Alternativa (um coletivo que une vários veículos de midia alternativa do Rio de Janeiro, entre eles o Canal Ibase), Gizele Martins, do jornal O Cidadão – do Complexo da Maré, Guilherme Ramalho, estudante que representou a Band e o doutorando e especialista no assunto, Gustavo Barreto, fundador do Consciencia.Net.

– Nós não queremos ser o novo monopólio da Mídia, nossa causa é a dos movimentos sociais, é a da democratização – defendeu Peçanha, ao ser questionado sobre o crescimento rápido da Midia Ninja e sobre os objetivos futuros da rede. – Nós somos parciais, temos uma visão sim, todo recorte tem. A diferença dos meios de comunicação alternativos é que maioria deles já admite a inexistência da imparcialidade, ao contrário da grande mídia.

A representante do jornal da Maré foi dura em suas críticas à mídia convencional, mas de forma contundente. Ela citou situações de morte de pessoas inocentes e até crianças na favela, como consequência de ações policiais, para ilustrar um modelo recorrente de cobertura do cotidiano das comunidades pelas grandes redes de comunicação.

– Em 2008, uma criança morreu na porta de casa, pelo tiro de um policial. Os moradores da Maré ocuparam a delegacia e foram chamados de vândalos pela mídia. Isso é vandalismo? Não, isso é revolta. E a abertura da reportagem dizia ‘moradores fecham trânsito’. A notícia é mesmo o trânsito na cidade, quando uma mãe perde um filho desse jeito? – criticou Gizele.

Já a representante da Rede Alternativa, Catherine Lira, introduziu uma discussão que muitas vezes passa ao largo da opinião pública: a pluralidade de mídias que começam a se fortalecer no país, mas que dependem de mudanças na estrutura política e econômica para se manterem vivas. No caso da rede, por exemplo, como ela explicou, cada veículo integrante atua sob uma lógica chamada de “Creative Commons”, que significa a possibilidade de replicar o conteúdo sem direitos autorais.

– O que fazemos é colaboração. Se um veículo parceiro produz algo bom, é bom para mim também, eu posso colocar a matéria dele. É um apoio mútuo. A notícia, dentro da midia alternativa, não é mercadoria, ela é informação de utilidade pública. Mas, para esse tipo de pensamento crescer e para a mídia funcionar para a sociedade e não em função do capital, temos que mudar toda a estrutura. Não se pode ter qualquer financiamento, por exemplo. E é preciso que haja financiamento público para outros veículos, e não só os grandes, que ficam cada vez maiores.

Gustavo Barreto alertou para o fato de que as redes sociais, como o Facebook, muitas vezes dão a ilusão de que algumas coisas estão mudando, de que uma revolução está sendo feita. Mas ainda são muito poucas pessoas realmente esclarecidas sobre as causas que estãs nas ruas, entre elas a necessidade da demcratização da mídia. Ele também lembrou que, embora algumas iniciativas, como a Midia Ninja, tenham crescido rapidamente, ainda são vistas uma parcela muito pequena da população, uma vez que nem 50% dos domicílios brasileiros possuem internet.

– O Facebook é uma autoafirmação de si próprio. Quando eu entro lá, fico muito feliz, parece que muita gente está consciente de tudo que eu acredito. Mas, claro, são meus amigos. Precisamos entender que isso é uma bolha. A internet não é a redenção do mundo.

Ela também não é o único meio de comunicação no nosso país, nem será. Há jornais impressos, revistas, televisões e rádios, por exemplo. Mas há também problemas graves desconhecidos da maioria da população, como a proibição de atuação de rádios comunitárias. A permissão para elas funcionarem demoram anos, o que, de alguma forma, também é uma forma de controle da informação. Por isso, está na mesa agora a reivindicação sobre a Lei da Mídia Democrática. Desde as 9h, está acontecendo um tuitaço #leidamidiademocratica. Se você concorda com sa revisão da lei de concessões no país, apóie.

* Publicado originalmente no Canal Ibase.