Em São Paulo, pobre não pode morar no centro

Assembleia realizada na segunda semana de janeiro, na qual os moradores rejeitaram proposta da prefeitura. Foto: Aline Scarso

Os moradores da comunidade do Moinho, no bairro Campos Elíseos, centro de São Paulo, realizaram nesta sexta-feira (13) uma assembleia para discutir nova proposta apresentada pela Prefeitura voltada para as 365 famílias que tiveram suas casas destruídas por um incêndio no dia 22 de dezembro. Segundo Neide Aparecida Campos, da associação dos moradores, a proposta contempla o pagamento de uma bolsa aluguel por dez meses e depois eles seriam transferidos para uma moradia social na Ponte dos Remédios, na zona oeste da cidade. Caso as obras não fiquem prontas a tempo, a bolsa seria prorrogada.

As pessoas que tiveram suas casas destruídas e se interessaram pela proposta deram seus nomes e vão conhecer a região no fim de semana. Para as outras 500 famílias que moram na comunidade, a prefeitura prometeu realizar uma outra conversa, marcada para os próximos quatro meses, em que se definirá a construção de moradias no próprio centro. “Voltamos felizes (da reunião), porque precisava de uma proposta mais concreta para o pessoal que ficou sem nada. Mas vamos só ver se a prefeitura vai mesmo cumprir a promessa de conversar com a gente até o meio do ano, porque depois começa a política das eleições, aí já viu, né?”, questiona Neide.

Na segunda semana de janeiro, os moradores rejeitaram a proposta que colocava que todos seriam transferidos da comunidade. A intenção deles é lutar por seu direito à moradia na própria região, onde trabalham e constituíram suas vidas.

O mecânico Paulo Rodrigues Silva perdeu os documentos, um cachorro e tudo o que tinha depois que o barraco que ocupava junto com a mulher Ana Paula Ferreira pegou fogo no dia 22 de dezembro, junto com os outros barracos do prédio do Moinho, uma fábrica abandonada no bairro Campos Elíseos, região central de São Paulo.

Com o boletim de ocorrência registrado no 77º Departamento de Polícia em mãos, Silva lista os bens que perdeu e fala sobre o trabalho que terá para reconstruir a vida, organizar a sua casa e comprar novos eletrodomésticos e móveis. “Será muito difícil e a gente sabe que a prefeitura não quer que a gente fique aqui. Estão fazendo uma cachorrada com a gente, tentando nos colocar para fora do terreno”, afirma.

O sentimento de insegurança da comunidade em permanecer no local é geral. Desde que o incêndio ocorreu, expulsando do prédio do Moinho 365 famílias, a prefeitura tenta negociar a retirada de todos os moradores que vivem no terreno de terra batida sob o viaduto Engenheiro Orlando Murgel, ao lado de uma linha de trem da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

Junto às 365 famílias se somam outras 500, constituídas basicamente por trabalhadores de baixa renda que sobrevivem, apertados, em barracas e casebres improvisados, servidos de energia elétrica, água e esgoto. A maioria trabalha no centro como pedreiros, faxineiras, catadores e camelôs, e seus filhos estudam em escolas da região.

“O (prefeito Gilberto) Kassab (PSD) promete nos dar essa área há um tempão, outros prefeitos também já prometeram. Agora vamos ver o que vai se resolver”, destaca o pedreiro. Ele faz parte de uma centena de pessoas que, desabrigadas pelo incêndio, preferiram morar perto da comunidade que seguir para os albergues disponibilizados pela prefeitura. Como justificativa, dizem que têm medo de serem esquecidos nesses espaços e que preferem lutar para conquistar o direito de permanecerem na área ocupada há cerca de 30 anos.

Outras 116 pessoas foram alojadas em albergue cedido pelo poder municipal. Apenas duas semanas depois, dois outros locais foram abertos para receber os atingidos. A Aliança Misericórdia, que atua no Moinho desde 2004, critica que a alimentação foi fornecida apenas para a minoria que optou por sair da comunidade, e que o restante teve que se virar com o apoio dos outros moradores e de doadores externos.

“Recolhemos dois galpões lotados de doações. Além da Aliança, Dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, emitiu uma carta que foi para todas as paróquias, por isso recebemos tanta coisa. Há desde alimentos não perecíveis, até roupas, brinquedos”, explica Leandro Rafael, da Associação Aliança Misericórdia.

Ele diz que a campanha de doações foi encerrada, e que agora recebem contribuição em dinheiro, para fazer a aquisição e reforma de um galpão onde vai funcionar uma creche, demanda antiga dos moradores, já que a prefeitura não construiu nenhuma para as 900 crianças que moram no Moinho.

O bairro Campos Elíseos, onde fica a comunidade, é vizinho aos bairros da Luz e Santa Efigênia que, de acordo com a prefeitura, serão reurbanizados com novos empreendimentos imobiliários. Para isso, somente na região da Santa Efigênia, a remodelação urbana prevista no projeto Nova Luz causará a desapropriação e demolição de 30% da região. Para os moradores do Moinho, está claro que a prefeitura pretende retirá-los do centro de São Paulo para continuar com os projetos de “embelezamento do centro”.

* Publicado originalmente no site Brasil de Fato.