Obama deveria ignorar pedidos para intervir na Síria

Os Estados Unidos deveriam pensar duas vezes antes de intervir militarmente na Síria, afirma Robert E. Hunter. Foto: FreeedomHouse/CC by 2.0
Os Estados Unidos deveriam pensar duas vezes antes de intervir militarmente na Síria, afirma Robert E. Hunter. Foto: FreeedomHouse/CC by 2.0

 

Washington, Estados Unidos, agosto/2013 – O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, entendeu bem: foi eleito para colocar os interesses da nação acima de todos, e não os de algum aliado, parlamentar ou meio de comunicação que peça que “faça algo” mas não se responsabilizam se as coisas saem mal, como costuma ocorrer quando se trata de Oriente Médio.

Meios de comunicação dos Estados Unidos e alguns de seus aliados acusam o presidente da Síria, Bashar al Assad, de ter usado gás venenoso para matar ou mutilar milhares de seus compatriotas. Sobre isto criou-se consenso entre analistas, dentro e fora do governo, e é possível que tenham razão.

Inspetores da Organização das Nações Unidas (ONU) podem descobrir as causas e os culpados por esses mortos e feridos. Esperemos que assim seja, antes que os Estados Unidos, ou outro país, iniciem algum tipo de ação militar direta que implique “cruzar o Rubicão”.

Talvez a inteligência norte-americana conheça os fatos. Novamente, esperemos que assim seja. E esperemos não descobrir depois que essa informação de inteligência foi tergiversada, como o foi antes da fatal invasão do Iraque em 2003, cujas consequências ainda prejudicam os interesses norte-americanos no Oriente Médio e corroem a estabilidade da região.

Se mais uma vez os Estados Unidos se envolverem diretamente no combate, não poderão voltar atrás, além de haver o problema de acreditarem que Assad é tão bobo a ponto de usar gás venenoso, a menos que o comando e controle sírio seja tão fraco que algum oficial militar tenha ordenado seu uso sem autorização do seu presidente.

Se for invocado o conceito de “cui bono” (a quem beneficia?), os que têm mais a ganhar se os Estados Unidos agirem para derrubar o governo de Assad são os rebeldes sírios e seus partidários, incluída a rede extremista Al Qaeda e seus afiliados. Tal ação ampliaria a probabilidade de mais mortes ou mesmo de um genocídio dos alawitas da Síria.

Mas, referir-se à possibilidade de estarem nos enganando a todos sobre quem usou gás venenoso, uma tática conhecida como operação de bandeira falsa, não significa que seja verdade. Isso redobra a necessidade de os Estados Unidos estarem seguros de quem usou o gás antes de agir militarmente. Obama também entendeu isto muito bem.

Então, o que aconteceria se nos envolvêssemos diretamente no combate?

Sempre se deve fazer esta pergunta antes de atuar. Às vezes, como ocorreu com Pearl Harbour, com a declaração de guerra de Adolf Hitler aos Estados Unidos, ou com a expulsão do Iraque de território do Kuwait em 1991, contra-atacar com dureza durante o tempo que for necessário é o correto.

Uma situação menos clara foi a do Vietnã. Também trouxeram consequências negativas treinar e armar Osama bin Laden e seus seguidores para castigar a União Soviética no Afeganistão, e invadir o Iraque em 2003, um dos maiores erros da política externa dos Estados Unidos.

Há muito tempo está claro que o conflito na Síria não tem a ver apenas com esse país. Também se relaciona com o equilíbrio entre as aspirações de sunitas e xiitas no centro do Oriente Médio.

O Irã, um Estado xiita, colocou a bola para rolar com sua Revolução Islâmica em 1979. Vários governos norte-americanos contiveram o vírus do sectarismo, mas invadir o Iraque e derrubar o regime de sua minoria sunita recolocou a bola em jogo.

Agora, Arábia Saudita, Catar e Turquia se inclinam por derrubar o regime da minoria alawita (um ramo místico do xiismo) na Síria. Mesmo que o consigam, a guerra interna da região não se deterá ali.

Enquanto isso há uma luta geopolítica pelo predomínio na região, que envolve principalmente Irã, Arábia Saudita, Turquia e Israel.

O Irã tem o Iraque, dominado pelos xiitas, a Síria de Assad e o movimento xiita libanês Hezbolá como coadjuvantes. A Arábia Saudita, por sua vez, tem consigo os outros Estados do Golfo, enquanto a Turquia estende suas ambições regionais para a Ásia central.

E, como Israel concluiu que sua sócia estratégia síria, a família Assad, está condenada, testa a sorte com os Estados sunitas. Entretanto, quer uma mudança antes que a Síria esteja completamente dominada pelos fundamentalistas.

Do ponto de vista dos Estados Unidos, a situação regional é um caos, e uma intervenção militar direta na Síria pode ser o ponto de quebra para piorá-la ainda mais.

É muito tarde para Obama retirar sua mal considerada declaração sobre o uso de gás venenoso como a “linha vermelha” na Síria, quando não estava preparado para seguir adiante e derrubar Assad.

Também é muito tarde para que reconsidere seu pedido para Assad deixar o poder, o que avivou ainda mais os temores dos alawitas quanto às possibilidade de serem massacrados.

Também é tarde para que diga aos árabes do Golfo que deixem de fomentar o fundamentalismo islâmico da pior espécie por toda a região, do Egito ao Paquistão, onde uma consequência disto tem sido a morte de soldados norte-americanos.

Também é tarde, mas esperemos que não muito, para que os Estados Unidos liderem um esforço intenso na frente política-diplomática para fixar os termos de uma Síria posterior a Assad que seja razoavelmente viável, em lugar de deslizar para a guerra e desatar incertezas potencialmente terríveis.

Permitam-nos recordar o que ocorreu no Afeganistão depois que nos retiramos desse país após derrubar o movimento Talibã, e no Iraque depois de 2003. Nenhum dos dois países está melhor, e as operações representaram a perda de milhares de vidas norte-americanas e de bilhões de dólares do Tesouro deste país.

E também é tarde, mas esperemos que não muito, para que o governo de Obama se comprometa com um pensamento estratégico para o Oriente Médio, para ver a região que vai do norte da África até o sul da Ásia como uma só, e para orquestrar uma política geral com vistas aos interesses cruciais dos Estados Unidos em toda a área.

Obama deveria ouvir este sinal de alarme, resistir às cobranças para agir militarmente e apostar em uma diplomacia vigorosa e implacável para ajudar a estabelecer uma Síria viável pós-Assad e para reafirmar a liderança dos Estados Unidos em toda a região.

* Robert E. Hunter é ex-embaixador dos Estados Unidos na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), foi diretor de Assuntos para o Oriente Médio no Conselho de Segurança Nacional durante o governo de Jimmy Carter, e entre 2011 e 2012 foi diretor de estudos de segurança transatlântica na National Defense University.