O ócio e os seus Borogodós

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Há alguns anos o conceito de ócio criativo, defendido por Domenico de Masi, chegou às terras brasileiras e trouxe o seu divulgador, que participou de dezenas de atividades por aqui, dentre elas palestras, debates, seminários e entrevistas em programas midiáticos.

Não obstante aos argumentos convincentes por trás da tese de menos trabalho, e mais tempo livre para fazer outras coisas prazerosas, na prática ainda estamos distantes do equilíbrio entre as horas dedicadas à labuta e aquelas reservadas para exercitar o livre arbítrio.

Com os avanços tecnológicos, as transformações nos processos produtivos e a crescente valorização do conhecimento e dos bens intangíveis, o modelo tradicional de “lavoro” vem perdendo espaço para células virtuais descentralizadas, home office, trabalho à distância, e outras tantas opções que surgem a cada dia.

Mas todas essas mudanças não proporcionaram ócio ou a prática da preguiça. A internet, os celulares e um aparato de mobilidade virtual, em determinadas situações, exigem que o ser humano fique conectado e disponível sete dias por semana. Com isso, tchau sábado e domingo. Se o telefone tocar, aquele sono na rede após o almoço poderá ser substituído por uma reunião estratégica e inadiável.

Equipamentos com iPad, notebooks, redes WiFi, telefonia de banda larga e inúmeros dispositivos móveis permitem que determinadas tarefas sejam executadas em qualquer lugar do planeta. Basta estar plugado para responder ao emailsuper-importante do chefe, falar por Skype com o fornecedor da China, enviar um vídeo para aprovação do Board em Londres ou reservar dois dias de “folga” num hotel da Patagônia, depois de uma semana intensa visitas a prospectsna Argentina.

Nesse universo de facilidades conectivas, independente das questões estruturais que requerem análises mais profundas, encontramo-nos distantes de permitir que o nada aflore. Com centenas de alternativas disponíveis o tempo todo lá fora, o “Ó do Borogodó” está em decidir e escolher a partir do que vier de dentro, daquele lugar pulsante, vital, por meio do qual cada um deveria ter a consciência e a coragem de, com autonomia, agir para imprimir os rumos de sua vida.

Parafraseando o nosso querido poeta Manoel de Barros, o ócio é aquele tempo que a rede te convida para sonhar. Por aqui, fico. Até a próxima.

Leno F. Silva escreve semanalmente para Envolverde. É sócio-diretor da LENOorb – Negócios para um mundo em transformação e conselheiro do Museu Afro Brasil. É diretor do IBD – Instituto Brasileiro da Diversidade, membro-fundador da Abraps – Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade, e da Kultafro – rede de empreendedores, artistas e produtores de cultura negra. Foi diretor executivo de sustentabilidade da ANEFAC – Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade. Editou 60 Impressões da Terça, 2003, Editora Porto Calendário e 93 Impressões da Terça, 2005, Editora Peirópolis, livros de crônicas.