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Participação política das mulheres fica para trás na Índia

Comemorações do lado de fora da casa da dirigente Mamata Banerjee. Foto: Avishek Mitra/IPS
Comemorações do lado de fora da casa da dirigente Mamata Banerjee. Foto: Avishek Mitra/IPS

 

Nova Délhi, Índia, 2/7/2014 – Quando ainda ecoam na Índia os efeitos das eleições nacionais, ativistas e acadêmicos se perguntam se a crônica insegurança que sofre a população feminina e a apatia dos dirigentes políticos para enfrentá-la poderiam ser revertidos com mais mulheres no parlamento. Desde a violação coletiva de uma jovem em Nova Délhi, há dois anos, até a violação e o linchamento de duas primas adolescentes no Estado de Uttar Pradesh, a violência de gênero ocupa a primeira página da imprensa local.

Em um programa de prioridades do governo iniciado no dia 1º deste mês, foi incluído o compromisso de garantir representação feminina de 33% no parlamento, bem como nas assembleias estaduais. A aprovação do projeto de lei de Cota para as Mulheres, que estabelece para elas um terço dos assentos da Lok Sabha (câmara baixa) e de todas as assembleias legislativas, poderia se converter em uma forte mensagem a favor do empoderamento feminino, segundo especialistas.

 

O projeto foi aprovado na Rajya Sabha (câmara alta) em 2010, mas espera a aprovação da Lok Sabha, bem como do novo primeiro-ministro, Narendra Modi, do nacionalista Bharatiya Janata Party (BJP). Para vários analistas, o projeto simboliza a chave que abriria a caixa das necessárias reformas eleitorais e parlamentares.

O princípio da igualdade de gênero está consagrado na Constituição da Índia. Além disso, este país ratificou várias convenções internacionais e instrumentos de direitos humanos para garantir a equidade das mulheres. Um desses documentos é a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (Cedaw), ratificada em 1993. Mas, atualmente, há apenas 61 mulheres na câmara baixa, que tem um total de 543 parlamentares.

Apesar de as mulheres constituírem cerca de metade dos 1,2 bilhão de habitantes, não estão bem representadas em todos os níveis políticos. Isto se refletiu nas últimas eleições, quando houve apenas 632 candidatas, bem abaixo dos 7.527 homens que se candidataram. “Dificilmente haverá uma representação proporcional na (chamada) maior democracia do mundo”, disse a socióloga Pratibha Pande, que foi professora na Universidade de Nova Délhi.

Por outro lado, “se as mulheres fossem um terço dos parlamentares, se implantaria um sistema de controle e equilíbrio para garantir melhor vigilância das autoridades nos casos de violação e na proporção entre mulheres e homens, notória em todo o país”, acrescentou Pande.

Nas últimas décadas se registrou um contínuo declínio na proporção de mulheres em relação aos homens na população indiana. Ainda se prefere os filhos homens e, embora desde 1996 seja proibido conhecer o sexo do bebê, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que “faltam” cerca de 50 milhões de mulheres na Índia devido a práticas como feticídio e infanticídio. A mentalidade patriarcal está tão arraigada que, segundo o censo de 2011, há cerca de 37 milhões de mulheres a menos do que de homens: elas são 586,5 milhões contra 623,7 milhões de homens.

A alfabetização também mostra claramente a situação. Sabem ler e escrever, 76% dos homens e apenas 54% das mulheres, o que limita mais suas oportunidades no campo político. Durante a última campanha eleitoral, muitos partidos políticos, incluindo o nacionalista pró-hindu BJP, expressaram seu desejo de promover leis que melhorem a situação das mulheres e enderecem os permanentes desequilíbrios de gênero.

O BJP tirou do poder o Partido do Congresso, que governou durante a última década. Mas nenhuma organização apresentou mais do que umas poucas candidatas, que para muitos observadores foram simples “peças” no processo. Segundo um ensaio de Carole Spary, professora na Universidade de York, na Grã-Bretanha, os partidos políticos da Índia tendem a considerar que as mulheres têm menos possibilidades de ganhar as eleições, em comparação com os homens, e, portanto, preferem não se arriscar.

Amitabh Kumar, do Centro de Pesquisa Social, com sede em Nova Délhi, que há anos promove campanhas para a aprovação da lei de Cota para as Mulheres, disse à IPS que, apesar de já terem passado seis décadas desde a independência, uma atitude profundamente misógina frustra a capacidade das mulheres de ingressarem na política e influir nas decisões políticas.

“Inclusive mulheres muito capazes que demonstraram excelentes habilidades administrativas e de liderança têm dificuldades para mobilizar fundos para as eleições”, afirmou Kumar. Para competir por uma vaga no legislativo, o candidato ou a candidata precisa de pelo menos US$ 5 milhões. “Quantas mulheres podem reunir essa quantia?”, questionou.

As mulheres constituem apenas 11% dos membros da câmara baixa, uma quantidade ínfima comparada com muitos países, inclusive com vizinhos da Índia na Ásia meridional. Segundo dados deste ano da União Interparlamentar, com sede em Genebra, o Paquistão tem 67 mulheres na câmara baixa, de um total de 323 deputados (20,7%), Bangladesh tem 67 de 347 (19,3%), e o Nepal tem 172 num universo de 575 (29,9%). A situação na câmara alta indiana não é muito melhor, com 27 mulheres em 2013, equivalentes a 11,5%, bem abaixo da média mundial de 19,6%.

A representação feminina no parlamento é importante não só pela justiça social e legitimidade do sistema político, mas também porque um número maior de mulheres no espaço político, articulando interesses e exercendo o poder, atacará a própria raiz do domínio patriarcal na vida pública.

“Sem a suficiente visibilidade, a capacidade de um setor de influir, seja na tomada de decisões ou na cultura política na qual está o sistema de representações, é limitada”, explicou Pande. “É preciso haver uma massa crítica de mulheres para colocar as questões femininas na agenda política”, acrescentou.

Um novo estudo da organização Oxfam International concluiu que as panchayats (unidades administrativas rurais) encabeçadas por mulheres funcionavam melhor do que as geridas por homens, segundo um índice realizado com base em oito serviços: água potável, sanitários e saneamento, escolaridade, comércio, grupos comunitários de autoajuda, implantação de programas de bem-estar e redução do alcoolismo masculino.

O fato de as mulheres serem quase 25% do novo gabinete ministerial é um bom sinal para o movimento feminino. Esta é a primeira vez que a Índia tem sete ministras, o que cria esperanças de que o país consiga dar passos importantes para reverter o desequilíbrio de gênero na política. Envolverde/IPS